Roteiro de Penela a Ansião, pelos belos recantos da Serra de Sicó

Se não fosse a pandemia, Penela seria novamente vila-presépio com um castelo (ainda mais) encantado. Ainda assim, vale na mesma a pena descer ao Rabaçal, subir à Chanca, e de caminho rumar a Santiago da Guarda, no vizinho concelho de Ansião. Há ruínas romanas para descobrir, queijo e mel para provar e lições a ter sobre as ervas do monte e os cogumelos.

O que se avista do Castelo de Penela é muito mais que a serra de Sicó, que o envolve. É uma mancha de oliveiras galegas a perder de vista, são os montes onde crescem livres as ervas de Santa Maria (que conferem ao queijo do Rabaçal aquele sabor único), são os rebanhos que serpenteiam os vales, são as ruínas romanas, é o vinho de todas as encostas, são as imponentes formações cársicas como as BURACAS DE CASMILO, no vizinho concelho de Condeixa, ou a casa senhorial dos Condes de Castelo Melhor, já em Ansião.

(Fotografia de Maria João Gala/GI)

Todas disputam interesse com a beleza natural dos MOINHOS DA GRANJA. É azeite e mel, cogumelos e licores, lareiras acesas que ainda servem para curar enchidos. E depois é a gastronomia toda, a vida inteira de quem sabe de cor o nome de cada árvore, de cada recanto. José Pais e Paula Oliveira encantaram-se por uma casa em ruínas na aldeia da Chanca, freguesia do Rabaçal. Enquanto o país confinava, o engenheiro florestal – que já conhecia a região e por ali fazia com alguns grupos «banhos de floresta» – e a mulher trabalhavam noite e dia neste sonho antigo: criar uma casa de turismo rural, que lhes permitisse partilhar com a natureza o gosto pelas coisas simples e ancestrais, e também proporcionar a quem vem de fora um conhecimento maior sobre as coisas da terra; o nome das ervas e dos cogumelos, as propriedades que têm. Nessa procura, descobriram a casa ideal. Assim nasceu a VILLA CHANCA, que inauguraram em agosto. Aos quatro quartos junta-se uma sala grande, aconchegada pela lareira, ou pelas vigas feitas em cedro. «Nada disto foi acaso. Pensámos em cada pormenor, porque cada planta, cada árvore, cada coisa que aqui encontrámos faz parte do projeto», conta José Pais, no final de um jantar micológico.

(Fotografia de Maria João Gala/GI)

Banhos de floresta e de aldeia

A aldeia terá agora pouco mais de 30 habitantes. Por isso chega a ser uma grande família que acolhe os visitantes que chegam, entre caminheiros que se dirigem a Santiago de Compostela e turistas curiosos. José Pais leva-os a conhecer os caminhos onde apanha castanhas que caíram ao chão e prova-as com eles, assim como faz com as ervas. Ao jantar, serve folhados com cardos de ouro, pão tostado com cogumelos do choupo, salteado de almeirão (ou chicória, noutras zonas do país). Horas antes, perto da VILA ROMANA DO RABAÇAL, encontrou outras variedades. «Prove e veja se não lhe sabe a pasta dentífrica». Sim, sabe. É funcho. Às vezes, os próprios habitantes da região ficam espantados com o que lhes diz. Num passeio entre a Chanca e as Buracas de Casmil não são apenas as cabras de António Lopes que nos fazem parar. José Pais avista plantas comestíveis por toda a parte. O pastor ri-se, pois acreditava que algumas delas «só serviam para dar aos animais». Já antes o tinha dito à mãe da queijeira Marta Pascoal, ao deparar-se com grandes quantidades de bredos.

O queijo do Rabaçal… e das aldeias todas

«Os meus pais sempre tiveram animais», conta Marta, enquanto nos permite assistir ao fascinante processo de confeção do queijo. A queijaria é uma aposta recente, e foi a solução que ela arranjou quando fecharam as fábricas onde trabalhou, em concelhos vizinhos. Habituada a lidar com as cabras e ovelhas, percebeu que talvez estivesse ali a receita para fazer o queijo de mistura que é imagem de marca do Rabaçal e da serra de Sicó. «Faço-o com gosto. Foi uma pena a pandemia, porque pensava correr as feiras para dar a conhecer o meu produto». Assim, improvisou um ponto de venda ao público, e vai comercializando também para pequenas lojas da região. É um queijo de mistura com um sabor único, que resulta muito das ervas que crescem em cada monte. Dessa pastagem nasce a originalidade do sabor.

(Fotografia de Maria João Gala/GI)

O queijo faz-se por toda a parte, em cada uma das quatro freguesias do concelho de Penela – mas também nos vizinhos concelhos de Ansião, Soure e Pombal. De resto, foi um dos primeiros produtos endógenos a ser valorizado pela associação Terras de Sicó, parceria entre seis municípios (três do distrito de Leiria e três de Coimbra), com direito a uma feira anual. Mas é no Rabaçal (que lhe deu o nome) que a maioria das casas tem à porta uma placa a indicar «vende-se queijo». Não raras vezes, é o que procuram os visitantes quando regressam de uma visita à villa romana, situada a escassos 12 Km de Conímbriga. Numa meia-encosta, entre uma cumeada com arvoredo e um riacho, é datada do século IV. Ana Ravara, a responsável pelo espaço-museu, guia-nos numa visita para uma descoberta inesperada: as ruínas de uma casa senhorial de que se conhecem apenas a área residencial, o balneário), o pátio agrícola com alpendre, e o alojamento dos servos, armazéns e oficinas. Na aldeia do Rabaçal também é possível visitar o centro de interpretação e as exposições com alguns achados arqueológicos.

De regresso à vila de Penela, espera-nos Luís Reis, o produtor dos vinhos ENCOSTA DA CRIVEIRA, que recuperou o antigo lagar de azeite que o pai comprou, há 50 anos. Desde 2001 que se dedica exclusivamente ao vinho, organizando provas, mas sobretudo acumulando medalhas nos concursos nacionais e internacionais.

Subimos a rua até ao restaurante D. SESNANDO, no sopé do castelo. A simpatia de Carlos Zuzarte, o proprietário, casa bem com o aconchego de cada prato, naquele espaço que nasceu como mercado do peixe, foi cantina escolar, mas que o município acabaria por concessionar à restauração. Desde 2010 que a família Zuzarte transforma com mestria cada prato típico da região numa iguaria particular. Na cozinha, D. Delminda (mãe de Carlos) gosta de ir experimentando novos sabores e conceitos, mas sem perder de vista o cabrito no forno, o javali confitado com ervas do campo, o bacalhau, ou o inusitado filete de garoupa com arroz de berbigão. Ninguém pode ir ao D. Sesnando sem experimentar o queijo gratinado com mel da Serra da Lousã. Ou a panóplia de sobremesas que se vão revezando, com destaque para a mousse de noz e o requeijão com doce de abóbora.

Os segredos de Santiago da Guarda

Entre aquela paisagem cársica, quase agreste, mas ao mesmo tempo encantadora, há dois outros restaurantes que vale a pena conhecer: a LAREIRA e o Terreiro do Lagar. Chegamos ao primeiro e deparamo-nos com o melhor cartão de visita daquele espaço – uma lareira no centro da sala de espera, que convida a conversas demoradas. Os tempos mudaram, mas mantém-se a qualidade dos grelhados, e as diversas salas que agora asseguram sempre distanciamento.

(Fotografia de Maria João Gala/GI)

É o ideal para repor energias depois de subir aos MOINHOS DO OUTEIRO, em Santiago da Guarda, no vizinho concelho de Ansião. Antes ou depois, há uma outra visita que se impõe: o COMPLEXO MONUMENTAL DE SANTIAGO DA GUARDA, que os habitantes locais conhecem como «o castelo». Na verdade, trata-se da residência senhorial dos Condes de Castelo Melhor. E no mesmo espaço são assinaladas várias épocas históricas através de uma torre quatrocentista, reconstruída sobre as ruínas de uma villa romana dos séculos IV e V, onde é possível observar a deslumbrante coleção de mosaicos.

(Fotografia de Maria João Gala/GI)

Se o dia tiver que encerrar com chave de ouro, que seja no TERREIRO DO LAGAR. Há 20 anos que o antigo lagar foi transformado em restaurante, e desde então especializou-se nalguns pratos, criando uma verdadeira legião de seguidores. É disso exemplo o polvo à lagareiro, ou o bacalhau, servido na telha com batata a murro, sempre regado com uma das preciosidades da região – o azeite. Há sempre uma tábua de queijos que promove as variedades locais, e à sobremesa uma especialidade: os pasteis de chícharo. Amândio, o proprietário, descobriu tarde o prazer de cozinhar, mas tem-se aprimorado. É sempre melhor reservar antecipadamente. Como é bom reservar tempo para percorrer (de carro ou a pé) os trilhos desta serra, onde há tanto para descobrir.

 

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