Road trip: Do Porto ao Alentejo em duas rodas

Marvão é uma pitoresca vila fortificada junto à fronteira, a quase 900 metros de altitude. (Fotografia: Rita Salcedas)
Um percurso a três (um casal e uma mota) por praias, montes, planícies e muralhas. A ficar em hostéis e turismos rurais,com uma passagem mais demorada pelo Alentejo e uma bagagem que regressa cheia... de memórias. Eis uma proposta para quem gosta de viajar com o vento a bater na cara e o pó a sujar o corpo, a galope sobre duas rodas.

Um casal de namorados e uma mota. Foi a primeira vez dos três numa viagem em que o caminho importou tanto como o destino: quase 1500 quilómetros durante oito dias, com início e fim no Porto, por asfalto, paralelo e terra batida, passando em velocidade cruzeiro pelas praias do litoral alentejano, pelos pastos e sobreiros do ermo Baixo Alentejo e pela serra de S. Mamede, no Alto, mais urbanizado mas igualmente belo. Na mota – uma menina de 125 cc que só tratada com carinho aguentaria toda a viagem – não mais do que a bagagem essencial. De resto, e sobretudo, vontade de “roer o osso desta terra” – cantavam-nos os “Diabo na Cruz” ao ouvido.

Ao fim de quase cinco horas pelo IC2 e pela EN109 (passear de mota não faria sentido em autoestrada), a 80 km/hora e com pausas obrigatórias para o motor arrefecer, é na localidade de Foz, a 30 quilómetros de Leiria, que encontramos o primeiro poiso. A COUDELARIA RESIDENCE, além de quartos imaculados e confortáveis, com varanda ou terraço, um miminho da região para os hóspedes e um pequeno-almoço fresco e generoso, providencia uma visita aos cavalos do alojamento e, sob um custo extra, atividades equestres orientadas por quem sabe.

 

Da Arrábida à Comporta
Segue-se para Sul, em desfile pela batelada de esqueletos de lojas e motéis abandonados da Nacional 1 onde a vida um dia em ebulição arrefeceu. Ficam os acenos de quem também rola no alcatrão e os postos de combustível onde se criam amizades de passagem e fazem as paragens imprescindíveis para abastecer e descansar a mota. É possível viajar à boleia de um motor pequeno mas com cuidados: convém parar 20 minutos a cada 45, e andar mais do que 250 quilómetros por dia torna-se numa tormenta para costas e rabos.

Quatro horas e pico sobre rodas e chega-se à SERRA DA ARRÁBIDA, em Setúbal, onde o casamento entre a montanha imponente e a praia idílica (da Figueirinha, de Galapinhos, dos Coelhos…) forma um pequeno paraíso verde e azul, ainda mais verde e azul se visto do alto do MIRADOURO DE SÃO LOURENÇO. Daí chega-se num instante ao centro da cidade de Setúbal, onde o choco frito é rei a qualquer hora, em qualquer boteco. Não deixe de passar na marisqueira SAB’AMAR: o peixe e o marisco fazem gastar o nome e a atenção dos funcionários pede um regresso. Além de que fica a 25 minutos da porta norte do Alentejo, a Península de Tróia.

Feita a travessia sadina por ferryboat e admiradas as primeiras praias, pode-se percorrer a língua arenosa até à Comporta e fazer um desvio até ao fotogénico CAIS PALAFÍTICO DA CARRASQUEIRA, construído com pontes e estacas de madeira entre as décadas de 50 e 60, pelos pescadores que só fintando o lodo poderiam atracar os barcos na baixa-mar do estuário do Sado. Para amantes das artes piscatórias ou simples exploradores, é também um bom local para fotografar e admirar as várias horas do sol.

Cais palafítico da Carrasqueira (Fotografia: Rita Salcedas)

 

Está ali um segredo bem guardado: de frente para a conhecida praia do Pinheirinho, há um trilho de quatro quilómetros em terra batida que leva até um espetacular desfiladeiro cor de laranja – uma mistura de Grand Canyon miniatura e cenário do Rei Leão – no fim do qual espera, linda e serena, uma praia quase deserta, só ocupada por quem vive do mar.

O sol posto visto das dunas é um espetáculo da natureza e ainda serve de candeia no regresso à estrada que há de levar a Santiago do Cacém. Não faltam sombras de sobreiros onde digerir as postas de vitela d’O Arco, logo à entrada da cidade, nem espaços de memória histórica e exaltação natural para conhecer. Embora a muralha do CASTELO DE SANTIAGO DO CACÉM, reconquistado aos árabes no reinado de D. Afonso II, esteja a circundar o cemitério da cidade, a caminhada até lá pelo centro histórico e a vista que proporciona fazem valer o passeio. E para os amantes da vida animal, o BADOCA SAFARI PARK, onde pode encontrar diferentes espécies de animais selvagens a viver livremente, é uma passagem quase obrigatória.

Na localidade de Abela, a dois quilómetros de Santiago, que o piso irregular e arenoso torna longos e arriscados para os pneus, está uma pérola escondida: o SUBLIM ECOLODGE, que acolhe tendas, bungalows e casas na árvore. Com piscinas profundas criadas a partir da carroçaria de camiões e casas de banho de compostagem, é um ecossistema natural de luxo montado por uma família francesa apaixonada pela paz alentejana, que come e dá a comer do que cultiva. Com preços a rondar os 70 euros por noite (reserva mínima de duas noites), pode ser uma boa opção para quem ouve o chamamento da vida em comunidade, num alojamento marcado por princípios de sustentabilidade.

 

Pelas praias do litoral
É no litoral que começa o Alentejo mais vibrante. Nos arredores do lugar de Porto Covo, pequeno povoado eternizado pela canção da antiga dupla Carlos Tê/Rui Veloso (cada um tem o seu nome numa rua da freguesia), a praia da Ilha do Pessegueiro, no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, fica em frente à ilha que lhe dá o nome e que pode ser visitada no verão. Quem a vê ao longe, da reta de asfalto que a antecede, ou quem se rende à canoagem e ao mergulho que lá se praticam não desvenda as vidas passadas que protegeu.

Ocupada, na época da invasão romana da Península Ibérica, por tanques de salga de peixe ainda a descoberto – e que estarão na origem do nome da ilha, por derivação do latim “piscatorius” – seria porto de abrigo para navegadores que se defendiam de piratas, 200 séculos a. C.. Na falésia em frente, o FORTE DA ILHA DE FORA, concluído no século XVII, servia para proteger a costa, em articulação com o Forte da Ilha de Dentro, erigido mesmo em cima da ilha e destruído pelo terramoto de 1755. Outrora um centro de comércio e defesa, a zona é agora atração turística nos meses mais quentes (há até um parque de campismo nas imediações).

Muito perto, em Vila Nova de Milfontes, convivem lado a lado os areais das vizinhas Praia da Franquia e Praia do Farol. Em cima do areal, A CHOUPANA é a melhor paragem para comer marisco à beira-mar enquanto os últimos raios do dia irrompem pela vidraça. Continuando pelo litoral, chega-se à Zambujeira do Mar, onde o belo correr de casas brancas salpicadas de azul até aí encontrado se torna ainda mais belo, as águas mais convidativas e as formações rochosas mais imponentes. O simpático HAKUNA MATATA HOSTEL fica a poucos passos da praia, de bares, restaurantes e lojinhas – se conseguir arranjar lugar, peça um prato de caracóis no SUNSET CAFÉ, o pôr do sol não desilude e os bichos também não.

 

Os Alentejos das planícies e montanhas
Ir da Zambujeira, quase no Algarve, até Estremoz, Alentejo Central, debaixo de 30 e muitos graus, ainda mais tórridos dentro dos capacetes, não é desafio fácil. Com passagem em Beja e Évora, são 250 longos quilómetros na terra prometida das planícies. Ainda antes só se via praia e, de repente, ei-los: campos infindáveis de sobreiros, azinheiras, oliveiras, vinhas e searas. Um Alentejo dentro do outro. O Alentejo das novelas, mas real. O tal lugar de Miguel Torga “onde o tempo caminha sem chegar”. E há que caminhar ao ritmo dele, vagaroso.Até à histórica “cidade branca” de Estremoz, abraçada por muralhas, de onde é extraído o mármore que conquista o mundo, e que também vem de Borba e Vila Viçosa. A nordeste, na Serra de São Mamede, que em tempos idos abrigava Marvão e Castelo de Vide dos inimigos espanhóis, eis outro Alentejo: o que rompe com as planícies e dá lugar às florestas de castanheiros e carvalhos, aos pedregulhos de granito.

Marvão é uma pitoresca vila fortificada junto à fronteira, a quase 900 metros de altitude, com casario caiado e ruelas aos pés do castelo, aberto ao público e símbolo da independência face a Espanha muito graças à importância estratégica que a geografia lhe conferiu. Quem lá vive tem nas janelas telas pintadas com escarpas e com as aves que lá moram. “De Marvão, vê-se a terra toda”, bem dizia Saramago e tinha razão.

Mas há que ver também para dentro e percorrer cada recanto, cada arco gótico, cada varanda de ferro, cada esplanada. Ouvir o silêncio enquanto se come um gaspacho e uma açorda. E, depois, deixando para trás o “túnel dos freixos”, na estrada para Castelo de Vide, continuar caminho. No caso, rumo ao Norte. Pelo meio, subindo para Portalegre, uma surpresa: a SERRA DAS TALHADAS, atravessada pelos rios Tejo e Ocreza, a ligar o Alto Alentejo à Beira Baixa, estendendo-se por Vila Velha de Ródão, Nisa e Proença-a-Nova.

A seguir, Sertã, Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Coimbra, onde uma nota de 20 e uma moeda de dois euros dão para dormir e cozinhar, na GUEST HOUSE INFANTE DOM HENRIQUE, centro da cidade, antes de o percurso da Nacional 1 feito dias antes inverter o sentido. O que então eram expectativas de viajantes virgens passaram tão rápido a ser memórias. É o que se leva na bagagem quando se anda com a casa amarrada sob os pés cansados: memórias e pouco mais.

 

DICAS PARA QUEM VAI DE MOTA
O tempo que vai precisar para uma viagem dependerá sempre da sua disponibilidade e do tipo de mota em que seguir. Se for de baixa cilindrada, conte com a necessidade de parar 20 minutos a cada 45 de viagem, para o motor descansar. Mas o melhor mesmo é passar pelo mecânico antes de se fazer à estrada.

# Saiba por onde quer passar e o que quer ver, mas não trace um percurso rigoroso sem tempo para imprevistos, mudanças de planos ou desvios. Os enganos fazem parte e muitas vezes compensam.

# Deixe sempre algum espaço livre nas malas para comida, água e alguma lembrança que queira trazer para casa.

# Leve uma pequena caixa de ferramentas para eventuais problemas mecânicos e um kit antifuro (com material necessário para reparar um furo num pneu). Consegue encontrá-lo em oficinas e lojas de motociclismo ou bicicletas, a preço entre os 20 e os 40 euros. Pode também comprar online, em “motorace.com.cy” (procure por “Tyre Repair Kit”).

# Leve auriculares sem fios (bluetooth) para ouvir música durante a viagem. Antes, descarregue para o telemóvel uma “play-list” a seu gosto.

# Não se esqueça de um suporte para levar o GPS no guiador. E antes de iniciar cada dia de viagem, confira no mapa o caminho que terá de percorrer, para não andar sempre agarrado ao telemóvel. Ter um mapa em papel na mala também não é má ideia.

# Leve uma power-bank. Vai dar muito jeito quando precisar de carregar telemóveis, câmaras fotográficas e outros dispositivos que tenha.

# Água e protetor solar são essenciais. Dependendo da altura do ano em que vai viajar e dos lugares por onde vai passar, pode fazer muito calor.

# E uma última dica: se conseguir arranjar uma câmara de ação (tipo GoPro), cole-a bem ao capacete para gravar a viagem.

 

A EVASÕES RECOMENDA:

FICAR
Coudelaria
Residence Rua Principal, 5A, Foz-Mata Mourisca, Foz
Tel.: 919318583
Quarto duplo a partir de 51 euros (com pequeno-almoço)

Sublime EcoLodge
Abela, Santiago do Cacém
Tel.: 935825004
Tenda a partir de 70 euros e bungalow a partir de 90 (sem pequeno-almoço)

Hakuna Matata Hostel
Rua Doutor Jaurez, 1B, Zambujeira do Mar
Tel: 918470038
Preço para quatro duplo a partir de 35 euros (sem pequeno-almoço)

Guest House Infante Dom Henrique
Rua Doutor Manuel Rodrigues, 43, Coimbra
Tel: 927725297
Quarto duplo a partir de 22 euros (sem pequeno-almoço)

COMER
Marisqueira Sab’aMar
Av. Luísa Todi, 76, Setúbal
Tel.: 265423885
Terça a domingo, das 12h às 15h e das 19h30 às 22h30
Mariscada Mar e Sol para duas pessoas: 60 euros.

O Arco
Rua Fidalgo, Santiago do Cacém
Tel: 269826781
Terça a domingo das 12h às 15h e das 19h às 22h
Preço médio: 10 euros

A Choupana
Praia do Farol, Vila Nova de Milfontes
Tel.: 283996643
Todos os dias, das 9h às 22h
Preço médio: 40 euros

FAZER
Atlantic Ferries
Doca do Comércio, Setúbal
Preço: 14 euros para mota e dois ocupantes

Badoca Safari Park
Herdade da Badoca, Vila Nova de Santo André
Web: badoca.com
Preços: 17,90€ para adultos, 15,90€ para crianças dos 4 aos 10 anos e adultos com mais de 65 anos.

Castelo de Marvão
Rua do Castelo, Marvão
Bilhete: 1,5 euros




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