Portalegre: pelo Alto Alentejo, entre serra, muralhas e casas caiadas

Portalegre: pelo Alto Alentejo, entre serra, muralhas e casas caiadas
Portalegre (Paulo Spranger/GI)
Às portas da Serra de São Mamede, rodeada de vales e penedos, o caráter de Portalegre faz-se das mãos que transformam lã em tapeçaria detalhada e das que eternizam poemas. Sem esquecer as que colocam à mesa o receituário tradicional alentejano, em doses generosas, e as que adoçam o palato com as típicas boleimas.

Tem lugar fixo e está sentada na primeira fila para ribeiras naturais, vales e penedos de xisto e granito, ou não estivesse Portalegre às portas da Serra de São Mamede, um dos ex-líbris da beleza natural do Alto Alentejo, junto à fronteira com nuestros hermanos. Do lado da serra, a vista para o centro histórico de Portalegre, encastelado, não se fica atrás, com as tonalidades escuras das muralhas a contrastar com o antigo casario caiado de branco e de faixas coloridas.

Uma paisagem que Paulo Machado se habituou a contemplar deste sempre. Hoje em dia, o tempo ocupa-se mais em torno das boleimas, estrela maior da doçaria portalegrense que fabrica às duas centenas diárias na CONFEITARIA DOCE TENTAÇÃO, casa familiar com duas décadas que herdou dos pais e que gere com a mulher, Tabita. “Quando surgiu, existiam poucas confeitarias na cidade”, recorda o dono, que sempre cresceu em ambiente pasteleiro. A massa destes bolinhos é feita de farinha de trigo, óleo e leite, polvilhadas com açúcar e canela, ou recheio de maçã, esta última uma versão posterior. Da fábrica, perto da loja, saem ainda outros artigos de fabrico próprio como broas de mel e azeite e queijadas de requeijão e o salame de chocolate, que exportam para países como França, Suíça e Luxemburgo.

O centro histórico de Portalegre. (Fotografias: Paulo Spranger/GI)

As famosas boleimas da Confeitaria Doce Tentação.

Não são, ainda assim, caso único no que toca a mãos trabalhadoras, sinónimo de empenho e inspiração, em Portalegre. Pelo contrário. Ali perto, um grupo de artesãs mantém vivo o legado da tapeçaria local, verdadeira embaixadora da região, de técnica artesanal e fidelidade cromática pelas mãos de Manuel do Carmo Peixeiro, criador do ponto no final da década de 1940, e de Manuel Celestino Peixeiro e Guy Fino, criadores da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre. A homenagem à transformação da lã em arte faz-se no MUSEU DA TAPEÇARIA DE PORTALEGRE, situado num palacete há 20 anos, e remodelado recentemente, com novas salas. Às exposições temporárias com tapetes feitos a partir de desenhos de Almada Negreiros e Maria Keil, junta-se o trabalho de mais de 200 artistas que já viram as suas criações ganhar vida no tear. Um processo moroso, que impõe respeito e é ilustrado em vídeos, da projeção do desenho à escala definitiva, o redesenho, escolha de entre sete mil cores de lã e o trabalho no tear, quase como que a tocar harpa.

O Museu da Tapeçaria de Portalegre.

 

Cozinha regional alentejana em doses generosas

O restaurante já existe há sete anos, ainda que em diferentes moradas, mas o ABRIGO DO FERRO acaba de se mudar para o centro histórico, a poucos metros da Sé. A pandemia exigiu um espaço maior, que aqui se consegue, mas com a mesma cozinha regional alentejana que fideliza público, com doses generosas e preços simpáticos. À frente do leme está Manuel Fernando Ferro, que deixou a função pública rumo a novos sabores, com a ajuda da mulher, Maria, cozinheira.

O restaurante Abrigo do Ferro, no centro histórico de Portalegre.

O produto local é o foco da cozinha.

A proximidade à serra e a época de caça alimentam a carta, com as bochechas de touro em vinho tinto com migas de couve, o perdiz de escabeche, os lombinhos de porco preto com mel e mostarda, mas também lá cabem as açordas, claro está, e a farinheira de castanha que muito se come por estas bandas, aqui a acompanhar com ovos mexidos. Pelas paredes do restaurante acolhedor estão as mais de 40 referências vínicas alentejanas, para além de cartazes com informações sobre as castas, e ainda uma zona de loja onde se vendem produtos regionais.

O ambiente de tasca alentejana, com cozinha genuína e de conforto, é partilhado pelo conterrâneo SAL, ALHO E ETC, que enche salas ao almoço e jantar há oito anos. O responsável é José Felício Florentino, ligado à restauração local desde adolescente. Tem quatro filhos, todos cozinheiros, uma delas, Tânia, a chefiar a cozinha da qual saem pratos de carne de caça 100% local, como lebre, perdiz, javali e veado, para além do clássico porco preto, que acompanham ora com arroz de vinho tinto, migas de feijão com couve, migas de espargos e molho de cerveja artesanal da vizinha Marvão. Vale a pena provar o picadinho de veado frito, a feijoada de lebre de São Mamede e a sopa gata, uma sopa seca típica de Portalegre composta de fatias de pão escaldado na água do bacalhau, posta lascada do mesmo no topo e pimentão. Para uma carta composta, a garrafeira é à medida, uma das mais completas da zona, com 700 referências portalegrenses. Enquanto se escolhe, vai-se ouvindo discos de fado, para dar o balanço necessário.

A típica sopa gata, aqui servida no restaurante Sal, Alho e Etc.

José Florentino é o dono do espaço.

 

Celebrar a escrita e os poemas

“Por onde quer que eu andar, vá eu lá por onde for, comigo te hei-de levar, contigo me hei-de ficar, minha terra, meu amor”, lê-se com escrita manual num quadro à entrada deste quatro estrelas de Portalegre. Foi há dois anos que chegou o HOTEL JOSÉ RÉGIO ao centro da cidade, para homenagear o escritor, poeta e dramaturgo homónimo do século XX que viveu e lecionou em Portalegre durante três décadas. Os seus pensamentos e poemas estão espalhados pelas zonas comuns e pelos 35 quartos, com vista para a serra ou para o Jardim do Tarro, que oferece sombras de árvores, roseirais e uma fonte a quem goste de caminhar. As poltronas em veludo em cores garridas, réplicas do que o próprio escritor tinha em sua casa, contrastam com a sobriedade da restante decoração dos quartos.

Um dos quartos duplos do Hotel José Régio.

A fachada do hotel, reaberto desde junho.

Além de uma zona de biblioteca com o espólio de livros originais de Régio, o hotel reaberto desde junho conta ainda com uma cafetaria durante o dia e bar para hóspedes à noite. Foi aqui que funcionou, em tempos, uma das mais emblemáticas cafetarias da cidade, a Facha, onde José Régio se reunia com outras figuras das artes para tertúlias. A porta giratória restaurada leva-nos a imaginar como seriam esses serões.

Para conhecer melhor o homem que ajudou a impulsionar a cidade, é obrigatório passar pela CASA-MUSEU JOSÉ RÉGIO, onde o poeta viveu durante 34 anos, enquanto professor de Português e Francês ali perto. Foi neste espaço, parte de um convento do século XVII, que Régio escolheu transformar no museu que acolheria a sua coleção de arte, até porque se tratava de um homem apaixonado pela arte popular e pelo colecionismo. Pelas 17 salas e duas cozinhas, apreciam-se obras do século XIII ao XX, com mais de 400 Cristos, pratos, quadros em óleo, livros e tapeçarias feitas a partir de desenhos seus. Para o ano, de forma a assinalar os 50 anos sobre a morte do escritor, estão planeados eventos gastronómicos, conferências, exposições e espetáculos de drama, por exemplo. Antes da saída, é imperativo passar pela varanda do escritório, com vista para a serra, a mesma que o inspirou de papel e caneta na mão. Vezes sem conta.

A casa onde José Régio viveu é agora um museu.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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