Passeios a oeste, entre clássicos e novidades em Mafra

Palácio Nacional de Mafra. (Fotografia de Paulo Spranger/GI)
O pão artesanal que soma gerações familiares e a área florestal que viu passar reinados a fio trazem legado e identidade ao concelho saloio de Mafra. A dose de frescura é alimentada com novas mesas e sabores, e camas com vistas oceânicas.

Mantém-se como um dos maiores exemplares barrocos no país e é a principal bandeira da identidade mafrense. Ao longo dos seus três séculos, desde que foi mandado construir pelo rei D. João V, o Palácio Nacional de Mafra testemunhou, na primeira fila, a evolução das gentes e negócios locais, entre moradas que se consolidam e outras que chegam ao centro da vila, com novos e necessários fôlegos.

É o caso do seu mais recente vizinho, aberto há dois meses. De frente para a imponente fachada palaciana, o IMPROVÁVEL BISTRO & WINE BAR surge da parceria “improvável” entre Sandro Castelhano e Rui Alves. O primeiro é angolano e cozinheiro, o segundo mafrense de gema e pasteleiro, também ele dono da Basílica, pastelaria que antes existia aqui. Os respetivos filhos tornaram-se amigos de escola, e eles próprios seguiram-lhes os passos. “Tal como arquitetos e engenheiros, também dizem que cozinheiros e pasteleiros não se dão bem”, ri-se Sandro. “A nossa linguagem funde-se”, acrescenta. Com decoração eclética, entre pequenos jardins verticais, motos a servirem de suportes de mesa, panelas suspensas no teto e catos de madeira, a versatilidade expande-se à mesa, com cozinha aberta o dia todo, para refeições ou petiscos leves.

O risoto de cogumelos com camarão é um dos pratos do Improvável, em Mafra. (Fotografias de Paulo Spranger/GI)

O Improvável Bistro & Wine Bar, junto ao palácio e convento, é uma das novidades mafrenses.

Risoto de cogumelos e camarão, bacalhau cozinho ou à lagareiro, bitoques, novilho na grelha, caril de frango e arroz de polvo são apostas da casa, onde coabitam até cem comensais, entre interior e esplanada. Nos doces, autoria de Rui, que se move na pastelaria há duas décadas, destaque para o tiramisu desconstruído e a tarte de limão com manjericão e chocolate, que venceu este ano o 3.º lugar num concurso local de tartes de limão, ou não fosse Mafra rica em limoeiros. Uma cozinha que não querem que seja “elitista” e que pode ser conjugada, às sextas à noite, com música ao vivo.

Nas carnes, aposta-se em propostas como bitoques, naco na pedra, bifes e costeletão de novilho grelhado.

O tiramisù desconstruído e a tarte de limão da casa, uma sobremesa vencedora.

A mesma atitude democrática é partilhada a poucos metros dali, na ADEGA DO CONVENTO, sinónimo de casa cheia a ritmo seguro e ponto de encontro de famílias à mesa. As pipas em tamanho gigante à entrada homenageiam a história do espaço, onde funcionou uma adega centenária. Há uma década que é a cozinha tradicional portuguesa que toma conta da casa, liderada por Bruno Carvalho, ribatejano casado com uma ericeirense, e também dono da marisqueira Estrela do Mar, clássico com três décadas em Ribamar.

A Adega do Convento soma uma década de vida, no centro mafrense.

O bacalhau à Adega é um dos ex-líbris da casa.

O restaurante ampliado com a pandemia, com duas salas e esplanada que podem albergar 300 pessoas, tem no fiel amigo alguns dos pratos mais pedidos: bacalhau assado, com natas, com broa ou à Adega, frito e com cebolada e batata frita, como o minhoto. Arroz de marisco, espetadas de tamboril e gambas, polvo à lagareiro, prego na frigideira, bochechas de novilho em vinho tinto e o porco preto – secretos, lagartos e plumas – também têm lugar na carta. A frescura de alguns dos legumes está assegurada pela horta biológica nas traseiras, onde não faltam alfaces, tomates, feijão ou brócolos. Na despedida, vale a pena provar o doce da casa, que junta bolacha digestiva, mousse de queijo fresco local, natas vegetais, mel, doce de abóbora e amêndoa. Destaque ainda para as quase 30 referências vínicas só de produtores de Mafra e da Região de Lisboa.

As bochechas de novilho cozinhadas em vinho tinto.

Bruno Carvalho é o proprietário desta casa e lidera também a clássica marisqueira Estrela do Mar, em Ribamar.

O saber-fazer manual

Na aldeia do Carvalhal, a menos de dez quilómetros do centro mafrense, a PÃO REAL é uma das mais antigas padarias locais a fabricar o tão conhecido pão de Mafra, que está em processo para ganhar o selo Indicação Geográfica Protegida. Nesta casa familiar, a arte de amassar e cozer pão artesanal já soma quatro décadas e três gerações. Bruno Luz, de 33 anos, cresceu neste ambiente. “Vinha brincar para a padaria porque estava sempre quentinho”, ri-se o jovem, que, depois dos estudos em Lisboa, regressou às origens para dar seguimento ao negócio criado pelo avô Leonel, que aprendeu a fazer pão com a sua mulher e irmã. “Nas zonas mais pobres, as pessoas viviam do que a terra lhes dava”, explica Bruno, exemplificando as terras férteis para trigo em redor.

Hoje, Bruno e o irmão Cláudio encabeçam uma equipa que chega a cozer 10 mil pães, nos nove fornos, oito destes a lenha. O dia começa cedo, pelas seis da manhã, e só termina pelas três da manhã. O seu pão de Mafra, com massa-mãe caseira e farinhas moídas em mós de pedra, mistura trigo e centeio e não usa conservantes.

A padaria Pão Real já soma quatro décadas e três gerações.

Bruno Luz dá seguimento ao negócio e paixão iniciados pelo avô Leonel.

De formato comprido, é conhecido por ter uma “cabeça” numa das pontas. “Este amparar da massa, criando uma cabeça, é característico. Como um nó de uma gravata”, conta Bruno, que vende pão de Mafra – o normal e em formato de forma -, além de papos secos, broas de milho, pão redondo saloio ou estilo alentejano, tanto na fábrica como em grandes supermercados ou na Frutaria Sobrinho, em Mafra. A durabilidade do pão de mafra é uma das suas mais-valias. “Aguenta uma semana. O problema é durar até lá”, diz, entre risos.

Outras artes resistem ao tempo na aldeia de Sobreiro, entre Mafra e Ericeira. A céu aberto, uma aldeia museológica recria as memórias e os saberes de uma típica aldeia saloia, pelas mãos de José Franco, que se notabilizou no ramo da olaria. Aberta há várias décadas, a ALDEIA TÍPICA JOSÉ FRANCO insere-se entre as muralhas de um pequeno castelo e inclui casinhas onde se replica a ruralidade e o dia-a-dia de barbeiros, sapateiros, moleiros, alfaiates ou ferreiros, além de moinhos, zona de adega e taberna com petiscos, uma casa da música recheada de instrumentos, loja de cerâmicas, zona lúdica infantil e parque de merendas. Um passeio familiar onde se encontram animais como galinhas, ovelhas e coelhos.

A Aldeia Típica José Franco recria uma tradicional aldeia saloia.

A aldeia-museu, a céu aberto, tem entrada gratuita.

Novas camas com vista-oceano

No topo de uma falésia com 40 metros de altura, junto à Praia da Calada, surgiu um novo hotel com 50 quartos e suites. Transversal à maioria destes, e o principal cartão-de-visita do espaço, são as vistas limpas e oceânicas. Em plena meca do surf, rodeados de natureza, o som do desenrolar das ondas embala dias e noites no AETHOS ERICEIRA, a rimar com as tonalidades calmas dos quartos, onde abundam madeiras claras e quadros com areais e mar vizinhos.

Há cinco dezenas de quartos e suites no novo hotel da Ericeira.

A piscina exterior e aquecida de água salgada.

A piscina exterior de água salgada aquecida rouba atenções à chegada, mas há muito para visitar nas zonas comuns: bar, spa, sauna, jacuzzi ou um percurso pedonal em deck na margem da falésia. O bem-estar e o desporto andam de mãos-dadas por estes lados, em atividades constantes como sessões de ioga e meditação, massagens, aulas de surf e aluguer gratuito de bicicletas elétricas. Obrigatória é a passagem pelo restaurante Onda, no piso térreo, onde o jovem chef Afonso Blazquez, que já passou por moradas estreladas como a Fortaleza do Guincho e El Celler de Can Roca, aposta no produto nacional e dá-lhes influências do mundo. Croquetes de língua e rabo de boi, tártaro de arouquesa em brioche, hambúrguer de enguia fumada e cavala curada são alguns dos petiscos, idealizados para partilhar. Sem perder o olhar do Atlântico.

As vistas oceânicas dos quartos e passeios neste trilho em deck fazem parte do dia-a-dia neste hotel.

O restaurante Onda, do Aethos Ericeira, junta influências de várias cozinhas.

À descoberta da tapada

A história da TAPADA NACIONAL DE MAFRA atravessou todos os reinados desde o de D. João V, monarca que determinou a sua criação, em 1744. O objetivo foi então tornar o palácio e o convento autossuficientes, mas também criar uma zona de caça e de veraneio. A floresta tapada (rodeada) por um muro foi palco de caçadas de gamos e javalis durante séculos, e no reinado de D. Carlos I ganhou vários edifícios de apoio, na zona do Celebredo, dos quais o mais relevante é o Pavilhão de Caça do Rei D. Carlos, com um chafariz de 1885.

A tapada recua até ao reinado de D. João V, no século XVIII. (Fotografias de Leonardo Negrão/GI)

Os passeios fazem-se ao longo de uma floresta de 883 hectares, junto a gamos, veados, aves e javalis.

Nestes dias de outono, o sol baixo sublinha a tranquilidade da floresta de 883 hectares, que se desdobra em bosques, pastagens biodiversas, matos e linhas de água – com dois relevos, que foram chaminés vulcânicas há 72 milhões de anos. Um castanheiro-da-Índia, uma olaia e um sobreiro com idade estimada de 400 anos destacam-se como árvores de interesse público; assim como gamos, veados, javalis e várias aves são facilmente observáveis numa visita ao terreno. Caminhadas, BTT, passeios de carro elétrico, workshops de apicultura e aves de rapina, passeios de charrete e piqueniques são algumas das formas de descobrir e usufruir do parque. AR

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