Moura: os encantos do Alentejo raiano onde a água e o azeite se misturam

Lembra o ditado popular que a água e o azeite não se misturam, mas Moura parece contrariá-lo com olivais milenares, um lagar histórico, bicas de água abundante e a fábrica Castello. Tesouros líquidos que temperam e ajudam a digerir os repastos alentejanos, enquanto se descobre outros tesouros que o Homem moldou com força, talento e imaginação.

A arqueóloga Vanessa Gaspar caminha entre as muralhas do CASTELO DE MOURA, explicando o que motivou os povos a fixarem-se no território desde a segunda Idade do Ferro (século IV a.C.). “A escolha por este sítio em concreto teve a ver com o importante controlo visual do território envolvente, e com os solos férteis e propícios para a agricultura. Mas o elemento diferenciador era, naquela altura, a existência de nascentes de água que brotavam à superfície de uma forma natural”.

Romanos, visigodos e árabes passaram pelo castelo ao longo dos séculos, fazendo dele o seu centro cívico, político, religioso e militar. A ocupação islâmica levou 500 anos, e só em 1232 Moura foi conquistada pela coroa portuguesa. A água nunca deixou de ocorrer à superfície, sobretudo dentro do castelo. A origem descobriu-se ser o Aquífero Moura-Ficalho, um reservatório subterrâneo com uma área de cerca de 177 quilómetros quadrados e que terá uma capacidade próxima à do Alqueva.

“Nessa falha geológica exatamente por baixo de Moura há uma zona em que a rocha deixa de ser friável, permeável e branda e passa a ser dura e compacta. Como a água vem com caudal, quando bate na rocha sobe, e brota à superfície”, continua a técnica municipal. Esta abundância foi sendo alvo de interesse e estudo: Duarte Darmas dizia que ali havia “um poco de mujta auga e booa”, no século XVI; e até as memórias paroquiais do século XVIII falavam da “célebre fonte” da alcáçova.

Correndo invisível, a água da bica de Santa Comba foi surtindo outro efeito benéfico na população: a ausência de doenças de estômago e de bexiga em virtude das suas caraterísticas mineromedicinais (termais), estudadas pela primeira vez em meados do século XIX. A água passou então a ser vendida em boticas (farmácias), com preço estipulado por decreto régio. Mas foi em 1899 que o precioso líquido se tornou um ativo económico maior, com a assinatura de um contrato de exploração.

Nascia assim (há 123 anos) a emblemática marca Água Castello, cujos 120 anos se mantêm lembrados numa exposição de painéis ao ar livre, dentro do castelo, onde tudo começou. Foi ali que laborou, durante quatro décadas, a primeira unidade de exploração e engarrafamento, com mais de 100 trabalhadores, desta água mineral natural gaseificada. Em contrapartida pela exploração da nascente, a empresa criou um estabelecimento de banhos e um hotel para dar suporte turístico ao projeto.

De forma a promover este património, o município criou o percurso “Do Castello até Pisões”, que ao longo de três quilómetros liga o castelo à moderna unidade onde a empresa capta e engarrafa as águas, desde 1937, e onde se encontra o MUSEU DA ÁGUA CASTELLO. Nele, José Afonso e Natália Custódio guiam os visitantes pela arqueologia industrial, mostrando a evolução da rotulagem e do design das garrafas, máquinas e campanhas publicitárias antigas, entre outros conteúdos.

Sabores e cantares à mesa

O centro histórico, com as suas ruas limpas e cuidadas, é uma zona agradável para caminhar à descoberta do passado islâmico da terra, pois foi no bairro da Mouraria – o mais antigo e sinuoso da cidade – que se juntaram os mouros expulsos do castelo, no século XIII. De há 70 anos a esta parte é também a morada da muito conhecida TABERNA O LIBERATO, hoje gerida por Jorge Liberato, rosto da quarta geração de uma família de taberneiros dados aos petiscos, ao convívio e às tradições locais.

O autointitulado “bastonário da Ordem dos Taberneiros” é um anfitrião de mão-cheia e serve petiscos como ovos com farinheira e queijo fresco de cabra com azeite de Moura e tomate; e pratos como caldos de cação e de beldroegas com queijo e ovo, ou lombinhos de porco com redução de laranja e mostarda. Ao fim de semana, a cabeça de borrego assada faz sucesso, e de vez em quando há pratos com touro e carnes de caça. Tudo bem emparelhado com os vinhos produzidos localmente.

O espaço exíguo, decorado com dezenas de cachecóis de futebol que os clientes foram oferecendo, mantém a tradição das modas alentejanas, interpretadas por homens do grupo “Sons do Lago”. Do outro lado da rua, Jorge Liberato gere com a mulher o restaurante Cantinho da Mouraria, com outro tipo de comida e ambiente. Continuando a caminhada pelo centro, é fácil reparar na Bica de Santa Comba (séc. XIX), essencialmente decorativa, encaixada num dos muros do Castelo de Moura.

Poucos metros adiante encontra-se um edifício que, antes mesmo de a fábrica da água Castello existir, foi uma fábrica de sais minerais, cuja matéria-prima eram os resíduos criados pela evaporação da água bicarbonatada. “Era vendido como sal medicinal, para curar doenças digestivas e de fígado”, explica a técnica de História Marisa Bacalhau. Atualmente, é o MUSEU DE JOALHARIA CONTEMPORÂNEA ALBERTO GORDILLO, considerado o pioneiro da joalharia moderna portuguesa.

Nascido em Moura há 79 anos, Gordillo foi para Lisboa ainda adolescente aprender as técnicas tradicionais de ourivesaria, mas cedo decidiu experimentar novas e criar as suas, dando origem a peças extravagantes e futuristas. Entre as 226 peças do museu – a maioria braceletes, colares e pregadeiras feitas de latão, parafusos, pedras, aço inoxidável e até transístores – destaca-se o famoso colar-teia com 300 gramas de platina e 150 brilhantes, que esteve na Bolsa dos Diamantes de Londres.

(Fotografia de Gerardo Santos/GI)

A EXPOSIÇÃO MOURA ARQUEOLÓGICA, que retrata a evolução do território desde a mais pequena lasca do paleolítico até ao século XVIII, abriu pouco antes da pandemia revelando ao público outra relíquia: o tesouro de Álamo, composto por dois colares, duas braceletes e uma pulseira em ouro maciço da Idade do Bronze, com influências fenícias ocidentais. É considerado “um dos maiores e mais antigos conjuntos de joalharia do território português”, tendo estado escondido 2800 anos.

Já o restaurante RETIRO DO ERNESTO é um segredo escondido à vista de todos, no centro histórico de Moura. Pensado por Maria da Luz – tesoureira de profissão e cozinheira por paixão – e Rui Bebiano – engenheiro informático amante da cozinha regional -, é um pequeno espaço decorado com gosto, onde os pequenos gestos fazem a diferença. Antecipando a pergunta, Maria esclarece que Ernesto é o nome do gato, e que são mesmo eles nas fotografias do grupo de teatro amador da terra.

À mesa chegam pratos alentejanos de confeção apurada. Por exemplo, as sopas de assobio feitas com batata, tomate, cebola e alho. “Eram feitas pelas gentes pobres, então quando havia toucinho, as pessoas até assobiavam!”, explica Maria, trazendo para a mesa também o caldo de beldroegas de uma horta local e um prato de carnefritas com migas. As sobremesas, fá-las com um toque de autor, como a de mousse de chocolate negro, branco e caramelo salgado com hortelã e triple sec de laranja.


Caça e descanso na natureza

Campos de trigo e olivais e pastos que se estendem até às margens do Alqueva são os elementos que compõem os 1000 hectares de terreno da HERDADE DO VALE DO MANANTIO, nos arredores de Moura. Comprada pela família Bravo em 1968, em virtude da forte ligação do patriarca João Maria Bravo com a natureza e a caça, a herdade funciona hoje como destino de caça de espécies cinegéticas – como a perdiz vermelha e o coelho – e turismo rural. Dispõe de 14 quartos, cada um com a sua decoração e ambiente, estando aberta ao público em geral entre abril e setembro, e para grupos de caça entre outubro e fevereiro. De apoio aos quartos existe um restaurante – em que vale a pena provar a deliciosa empada de perdiz -, uma piscina infinita e um spa com sauna e banho turco. A pedido, é possível fazer viagens de balão e passeios de barco e a cavalo, entre outras atividades na região.

(Fotografia de Gerardo Santos/GI)


Visitar um antigo lagar comunitário

A água foi um ator preponderante na fixação dos povos no território de Moura, mas relativamente à produção de azeitona, não tanto. Como “a oliveira aguenta longos períodos de seca, o importante é que os solos sejam férteis”, explica a técnica Marisa Bacalhau durante a visita ao LAGAR DAS VARAS DE FOJO. Este foi um dos 26 lagares conhecidos em Moura, e manteve-se em utilização até 1940. Por ser comunitário, qualquer pessoa podia depositar as suas azeitonas numa das 24 tulhas, para que fossem transformadas em azeite com recurso a um sistema de varas idêntico ao que os romanos usavam. Não por acaso, Moura posiciona-se como Terra Mãe do Azeite do Alentejo e tem várias colheitas premiadas. Do outro lado da rua encontra-se o JARDIM DAS OLIVEIRAS, um espaço lúdico-pedagógico com oliveiras de várias espécies – como a verdeal, cordovil e blanqueta -, canteiros de ervas aromáticas e medicinais da região, e algumas plantas trepadeiras.

(Fotografia de Gerardo Santos/GI)


Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.



Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend