Montemor-o-Novo: o paraíso é já ali

Fotografia: Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens
Queijo gouda artesanal, cozinha alentejana de conforto, uma ecopista para olhar o montado com olhos de ver e uma casa no meio nada. Aqui há de tudo, para quem acredita no paraíso sem praias de azul-turquesa.

Para muitos é sítio de passagem. Confunde-se Montemor com aquela avenida descaracterizada nascida ao longo das estradas nacionais 2 e 4 que ali se cruzam, onde quem pára o faz sobretudo com o sentido nas bifanas do Polo Norte, do Picnic ou da Casa das Empadas. Se há algo mais? Claro que há. Há o paraíso, até, imagine-se. Mas não ponhamos o carro à frente dos bois.

A bem da credibilidade, importa assumir sem rodeios: Montemor-o-Novo não está entre as terras mais apaixonantes do Alentejo. Potencial não lhe falta, sublinhe-se. Além do castelo, salta particularmente à vista a quantidade de fachadas icónicas, revestidas de azulejos de cores vivas, e de casas senhoriais a clamar por carinho e por gente com ideias.

Gente como Telma Carriço, que, terminados os estudos secundários, não esperou para pôr mãos à obra, com a ajuda dos pais. Num pedaço de terreno contíguo à casa onde moram, nos arredores da cidade, fez do espaço vazio um parque de campismo rural a que chamou Burriscas. Uma série de bungalows simples, sem grandes pretensões além de dar um contacto mais próximo com a natureza e a preços simpáticos a quem ali desembocar – ali, àquele sítio de que diz, sem rodeios e sorridente, «Isto aqui é o paraíso».

Junto à vedação do Burriscas corre a Ecopista do Montado, e esse é um dos trunfos que Telma guarda na manga. A pedido, empresta bicicletas aos seus hóspedes, e com as coisas bem faladas, até as aluga a preço de amigo a quem ali estiver de passagem. Porque este corredor verde é um dos fatores que pesam nessa sua ideia de paraíso – e há que partilhá-lo.

Pedalar pelo Montado

A Ecopista do Montado veio pôr a bom uso o velho e desativado Ramal de Montemor, caminho de ferro que operou entre 1909 e 1989. No ano do seu centenário, a linha ganhou novo sentido: se antes teve o propósito de encurtar distâncias, agora serve para saboreá-las, dar-lhes o devido valor. Por esta via se atravessa um Alentejo que não se mostra a quem o vê da estrada, feito de bosques de sobro e azinho, de pastos de vacas, um Alentejo que cheira a funcho, a figos e ao que mais estiver na época.

Fotografia: Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens

O percurso não é muito longo. Em menos de 13 quilómetros, portanto num par de horas sem pressas, se faz a ecopista de ponta a ponta – da estação de Montemor à de Torre da Gadanha, onde a Linha do Alentejo se bifurcava para ligar a cidade alentejana ao Barreiro, e daí se apanhava o barco para chegar a Lisboa. O mesmo barco que Joaquina Parrança apanhou durante quase vinte anos, até ao dia em que se cansou de correr e decidiu regressar às origens. A Montemor, entenda-se. Ou melhor, a Paião, a meia dúzia de casas em redor do apeadeiro que marcava o meio do Ramal de Montemor. A casa de Joaquina é paragem aconselhada para ciclistas sedentos e famintos.

Na sua Taberna O Apeadeiro, além de “minis” geladas e caracóis, Joaquina serve comida caseira, o prato do dia é aquilo que faz para o seu almoço e dos seus. Com legumes da sua horta e seguindo as receitas que aprendeu com a mãe. A pedido, faz migas, favas, açorda. Tudo na mais perfeita das calmas. «Aqui nunca tenho de correr», diz com o alívio de quem aqui encontrou o seu paraíso.

De barriga cheia e garganta reidratada, retoma-se o caminho. Daqui para Torre da Gadanha, faltam 6 quilómetros. Na direção de Montemor, a linha de meta fica a 7 quilómetros e a inclinação, embora sempre suave, é mais favorável. O ponto alto da viagem fica quase a chegar à cidade, naquele que o Guia de Portugal, publicado em 1927 pela Biblioteca Nacional de Lisboa (e recentemente reeditado pela Gulbenkian), classifica como «um dos pontos de vista mais pitorescos do Alentejo». Do cimo da ponte sobre o rio Almansor, a 33 metros do chão, a vista é imensa, com o castelo em plano de destaque. Pitoresco, sem dúvida.

Retemperar forças

O incremento de apetite é um suspeito habitual, na hora de legitimar aquelas fomes por uma refeição substancial. Afinal, trata-se de retemperar forças, quem nunca disse para si, «Eu bem que mereci isto»? Pois bem, aqui fica a legitimação: 13 quilómetros a pedalar pode não ser propriamente uma odisseia, mas dá plena justificação para se fazer o ligeiro desvio até Escoural e tomar mesa na sala de Manuel Azinheirinha. Convém reservar, já agora, que os lugares não são muitos, ao contrário da fama que a casa acumulou ao longo dos seus 25 anos de vida. O segredo não tem segredos para o senhor Azinheirinha: «Consistência. Sirvo praticamente a mesma coisa desde que comecei.» Das vezes que tentou variar, teve logo reclamações, pelo que decidiu corrigir a rota e seguir sempre em frente, sem grandes volteios, apenas pequenos apontamentos aqui e ali.

Restaurante Manuel Azinheirinha. Fotografia: Nuno Pinto Fernandes

Em querendo, faz-se aqui uma refeição só de entradas: carapauzinhos fritos, pimentos assados, salada de orelha, cogumelos com alho e hortelã, queijo fresco artesanal da Queijaria das Romãs. Coisas sempre disponíveis e prontas a sair, vantagem acrescida para quem chega com fome de lobo. Da cozinha de Maria Rosa, mulher de Manuel e segunda metade desta casa, saem também pratos de encher a alma, como bochechas de porco de comer sem faca, javali estufado com puré de maçã ou uma sopa de cação que, por si só, vale a viagem. Fora especialidades como a sopa de panela ou o cozido de grão, que Maria Rosa faz por encomenda prévia. Há certas coisas boas que exigem o seu tempo.

Paraíso é ter tempo e espaço

Jan e Elisabeth Anema sabem bem o valor do tempo. Basta notar que cada queijo que produzem na Quinta Anema, em Lavre, passa dois dias em salmoura, seguidos de dois meses de cura em ambiente controlado, no mínimo. Também os há com 8 meses, um ano, dois anos de maturação. A espera compensa quando se prova: ganham complexidade, patamares de sabor, personalidade.

O casal é originário da Frísia, região pujante na indústria dos laticínios, no norte da Holanda, mas já ocupam estes 37 hectares de Alentejo há 31 anos, pelo que se assumem «holandejanos», sem outra terra à qual chamar casa que não esta. Começaram por fazer produção intensiva de leite, até que decidiram abrandar. Nos seus ritmos e no ritmo que exigiam da natureza. De uma manada de 60 vacas passaram a ter apenas 15, de uma raça menos produtiva porém mais rústica e resistente – a blaarkop, autóctone dos Países Baixos. E do seu leite começaram a fazer aquilo que já faziam antes da vinda para Portugal: produzir queijo gouda (nota importante: lê-se «ráu-da»). Ou melhor, tipo-gouda, já que o território é outro, e a diferença de pastos está patente no sabor do produto final. Um queijo que espelha os seus produtores: nem holandês, nem alentejano. Holandejano.

Para gente com pressa, o gouda dos Anema está disponível na loja da cooperativa MINGA, em Montemor, junto com outros produtos locais que também importa conferir. (Já agora: em Lisboa pode ser encontrado na Prado Mercearia, e no Porto no Rei dos Queijos. Por exemplo.)

Quinta Anema. Fotografia: Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens

O espírito de comunhão com a natureza de Jan e Elisabeth não se esgota na produção deste queijo biológico, artesanal, sustentável. Por marcação, abrem as portas da sua quinta a quem precisa de restabelecer o contacto com o ritmo natural da vida: participar nos trabalhos quotidianos, perceber como se cuida das vacas e como se transforma o leite em queijo, explorar os trilhos da quinta e descobrir a sua biodiversidade. A Elisabeth, preocupam-lhe particularmente as «crianças com défice de natureza». «Queremos mostrar-lhes que há vida além do ecrã», sintetiza. O campo como solução para os males da vida moderna.

Uma verdadeira casa de campo

Chegar, estacionar e desligar. Por vezes, é disso mesmo que se precisa, e para esse mal não há, porventura, remédio melhor do que uma evasão campestre. Recato, conforto e tranquilidade são um bálsamo para a alma. E o Monte do Freixo Poente pontua em todas essas categorias, com pontos extra para uma outra, mais rara e preciosa: isolamento. Do alpendre desta casa de campo com a assinatura (e o bom gosto) do resort L’And Vineyards, olha-se o horizonte e não se vê nada além de Alentejo.

A casa tem três quartos e só é arrendada por inteiro, portanto os hóspedes têm ainda a benesse de escolher com quem querem partilhar este refúgio, onde têm piscina, bicicletas à disposição (e a ecopista a 15 quilómetros), cozinha equipada e um chef disponível para cozinhar ao domicílio, pequeno-almoço entregue à porta todas as manhãs. E confortos caseiros como gira-discos, televisão, wi-fi e Netflix, se bem que desligar e pôr os olhos na paisagem seja a «terapêutica» mais indicada para fazer bom proveito deste postal de imensidão, paz e aconchego. O que é isso se não o paraíso?

Monte do Freixo Poente, L’And Retreats. Fotografia: Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens

A Evasões recomenda:

FAZER
Ecopista do Montado
Início: Largo Machado dos Santos, Montemor-o-Novo
Fim: Torre da Gadanha
Extensão: 12,87 km
Nível: fácil

COMER
Taberna O Apeadeiro
Paião
Tel.: 266893145
Das 07h00 às 23h00. Encerra à segunda.
Refeições por marcação. Preço médio: 8 euros

Manuel Azinheirinha
Rua Doutor Magalhães de Lima, 81, Escoural
Tel.: 266857504
Das 12h00 às 23h00; segunda, até às 17h00. Encerra à terça.
Preço médio: 25 euros

COMPRAR
Minga
Largo Machado dos Santos, 10, Montemor-o-Novo
Tel.: 266098354
Web: mingamontemor.pt
Das 09h00 às 13h00 e das 15h00 às 19h00. Encerra ao sábado de manhã (funciona no mercado municipal) e ao domingo.

VISITAR
Quinta Anema
Courela da Ponte Velha, Lavre
GPS: 38.7636, -8.349
Tel.: 265894405
Web: anema.com.pt
Visitas por marcação

FICAR
Monte do Freixo Poente
Foros de Vale Figueira
GPS: 38.7133, -8.3265
Tel.: 266242400
Web: www.l-and.com
Casa (T3) a partir de 345 euros por noite (inclui pequeno-almoço)
Almoço/jantar no monte, 65 euros por pessoa (vinho incluído)

Burriscas Campismo Rural
Monte das Burriscas, Montemor-o-Novo
GPS: 38.6282, -8.2239
Tel.: 969280645
Web: facebook.com/burriscas
Bungalows desde 30 euros por noite




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