Maia: Espaços de memória e pratos de aconchego rumo a Santiago

A proximidade do aeroporto faz com que muitos peregrinos estrangeiros comecem o percurso aqui. Atravessando a cidade, há muitos motivos de paragem, e uma mesa familiar que conforta o estômago.

Da janela da antiga escola primária de Pedras Rubras, Olivério Branco vê passar muitos peregrinos de mochila às costas, do outro lado da Praça do Exército Libertador. “Vêm ali do aeroporto”, aponta. A proximidade dessa porta de entrada no país faz com que sejam muitos os caminhantes estrangeiros que escolhem começar o percurso na Maia. O diretor da ASSOCIAÇÃO DE ANTIGOS ALUNOS DA ESCOLA PRIMÁRIA DE PEDRAS RUBRAS só lamenta que não parem mais ali. O espaço é agora usado para formações e eventos, e acolhe ainda uma pequena biblioteca, aberta a todos os que queiram consultar as enciclopédias, romances, livros científicos e de história, em diversas línguas que preenchem as paredes de uma antiga sala de aula.

Associação de Antigos Alunos da Escola Primária de Pedras Rubras (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

 

Os peregrinos a caminho de Compostela podem carimbar ali a sua credencial, e Olivério oferece ainda um mapa, uma garrafa de água e um pequeno azulejo de recordação. No antigo recreio existe agora um parque infantil, e uma pequena sala de aula revivalista de meados do século passado, com secretárias em madeira, mapas nas paredes, e quadros de lousa. “Isto faz lembrar a escola do nosso tempo”, diz Olivério, que frequentou a primária nos anos 1950.

Associação de Antigos Alunos da Escola Primária de Pedras Rubras (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

Na Maia, o peregrino ainda pode optar entre seguir o caminho central ou o da costa. O percurso litoral acompanha toda a extensão do aeroporto Francisco Sá Carneiro e passa pela Igreja de Santa Maria de Vila Nova da Telha, revestida com um bonitos painéis de azulejos, para entrar, mais adiante, no concelho de Vila do Conde.

Igreja de Santa Maria de Vila Nova da Telha (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

 

A zona junto ao aeroporto é profusa em hotéis e alojamentos com preços acessíveis, como o recentemente renovado OPO Hotel Porto Aeroporto ou o Park Hotel Porto.

Quem se quiser desviar um pouco do caminho, aproveitar para visitar alguns dos pontos de interesse da cidade, tem no Museu de História e Etnologia da Terra da Maia uma exposição permanente sobre a ruralidade que em tempos dominou aquela terra, e ainda uma coleção arqueológica, que documenta a ocupação romana e pré histórica do território. E subindo à Torre do Lidador, com os seus 92 metros de altura – é o 5º edifício mais alto do país, e sobe ao primeiro lugar do pódio se à conta se tirar a cidade de Lisboa -, bem no centro da cidade encontra uma vista panorâmica que, em dias de céu limpo, alcança Póvoa de Varzim. Em frente, vê-se o mar de Leça.

À mesa do João do bacalhau
Francelina Benilde, aos 82 anos, ainda se passeia de mesa em mesa a receber os comensais, a certificar-se de que tudo está conforme os habituou, ou a desfiar uma história de outros tempos. Na cozinha d’O FORNO, encarregue das suas receitas, está agora a filha, Maria José, que juntamente com o irmão, João Pinheiro, assumiu o restaurante que os pais fundaram em 1980. É o forno à entrada, onde crepitam as brasas e se estendem postas generosas de bacalhau e nacos de carne, que dá nome ao restaurante.

João Pinheiro e Francelina Benilde do restaurante O Forno (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

 

À mesa chegam primeiro os enchidos e o fumeiro de Montalegre, que João vai buscar de propósito. Todas as quartas-feiras há até cozido com essas carnes regionais. Depois, a especialidade mais afamada da casa, o bacalhau. É servido de diversas formas – à lagareiro, na brasa… -, mas é o bacalhau à Braga que denuncia as raízes do casal fundador, que se foi estabelecer na Maia vindo de Vila Verde. Foi quando casaram, que Francelina começou a pôr em prática os seus dotes para a cozinha. Um dos primeiros pratos que apresentou ao marido, João, foi bacalhau com cebolada, e garante daí ter nascido a ideia de abrir uma cozinha regional focada nesse peixe da nossa tradição.

O Forno (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

 

“O meu pai era conhecido pelo João do bacalhau”, recorda o filho. Em homenagem ao patriarca, criaram um prato, o bacalhau à mestre João, que leva à mesa uma posta da forma como o pai a cortava. João herdou dele o interesse por esse mundo, e fala com um entusiasmo contagiante dos muitos tipos de cura e proveniências do bacalhau, que a pedido também prepara ali no restaurante, como o afamado cura amarela.

O Forno (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

Mas nem só de bacalhau se faz a carta d’O Forno. A cada dia da semana há um prato especial: vitela à segunda; tripas à moda do Porto e cabrito assado à quinta, chispe à transmontana ao sábado… Tudo servido em travessas generosas e sabor caseiro.

Aos peregrinos que por ali passam, dão o carimbo, e Francelina assegura que não o deixa sair sem comer e beber. “A minha maior alegria é dar”.

 

James e Mora | Irlanda
Vão no segundo quilómetro de viagem. Aproveitaram a proximidade do aeroporto para começar dali o caminho até Santiago de Compostela. Chove, mas garantem que a chuva não os incomoda. Estão habituados. “Somos da costa oeste da Irlanda, da cidade de Galway. É parecida com o Porto, um lugar bonito, mas um bocado húmido”, ri-se James. Aproveitaram as férias da Páscoa – a mulher, Mora, é professora – para meter os pés ao caminho. O plano é fazer o percurso em 12 dias, e pelo meio conhecer um pouco melhor o lado rural de Portugal, onde já estiveram várias vezes de férias. Vão motivados pela energia que já presenciaram de visita a Compostela. “Muitas pessoas com quem conversei sobre o caminho encontraram muita consciência espiritual. Quem for à praça em frente à igreja, em Santiago, raramente vê um lugar onde toda a gente está tão feliz. Eles estão felizes, este é o pináculo das suas vidas. E nós queríamos experimentar isso”, confessa o peregrino.

Peregrinos James e Mora (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.



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