Legado e inovação no Bonfim: roteiro de um lisboeta no Porto (dia 3)

Legado e inovação no Bonfim: roteiro de um lisboeta no Porto (dia 3)
(Fotografia: Pedro Granadeiro/Gl)
Paredes com história que hoje se vestem com arte, mesas que se movem entre a tradição e a inovação, espaços verdes que marcam pela diferença: o tempo parece sempre pouco para (re)descobrir a Invicta. Último artigo de uma reportagem de três partes.

Respeito ao legado e novas tendências no Bonfim

A coincidência é fascinante. Poucas horas antes de se dar a Revolução de Abril, apuravam nos fornos da confeitaria Chicana as primeiras doses dos croissants que são conhecidos por toda a cidade. «O primeiro dia fica marcado!», solta Ana Pereira, a pasteleira responsável há quase duas décadas e meia. Na altura, e durante muito tempo, a Chicana foi a única confeitaria do bairro, o que aproximou e fidelizou comensais e doceiros.

A simplicidade dos croissants, com massa brioche e calda de açúcar, é a principal arma. «Não tem nada que saber. A massa leva farinha, açúcar, ovos e margarina. Tem é que ser tudo de qualidade», conta Ana. Ao longo do dia fazem-se várias fornadas, em tabuleiros cheios que levam seis minutos a cozer. Num dia normal, vendem-se mais de 400 croissants, mas já se chegou aos 2000 por dia. «Eu gosto deles morninhos. Frios e quentes já não são tão bons», vai dizendo a pasteleira, enquanto amassa. Já o podia fazer de olhos fechados, tal é a experiência.

Ana Pereira, a pasteleira responsável pela Confeitaria Chicana. (Fotografias: Pedro Granadeiro/Gl)

Daqui até à próxima paragem, faz-se escala naquele que é o primeiro espaço verde público do Porto, o Jardim de São Lázaro. Quando o desenhou, Émile David conferiu-lhe um espeto romântico, com um lago rodeado de flores e bancos à sombra para dar um pequeno descanso às pernas.

A poucos metros daqui, a paixão pela cozinha é uma forma de estar. O resultado prova-se numa carta onde reina a criatividade e a intuição, sempre apoiada no veganismo. «Eu não vou com cartazes para a rua. Esta é a minha forma de ativismo», explica Joana Esteves, que deixou para trás o passado como atriz para se tornar dona e cozinheira do Árvore do Mundo, o segundo restaurante vegano da Invicta, que tem assistido a um crescimento de espaços semelhantes, nos últimos tempos.

O restaurante vegano Árvore do Mundo.

O Jardim de São Lázaro.

As paredes coloridas e as plantas tornam esta casa acolhedora, aberta há três anos, mas o empratamento cuidado dos pratos rouba as atenções, assim que chegam à casa, quer no interior ou na tranquila esplanada, junto a um canteiro de ervas aromáticas e um roseiral.

Aos hambúrgueres de cogumelos shiitake, à alheira de legumes e às tábuas de queijos vegetais artesanais, juntam-se reinterpretações como o tofu espiritual, uma versão do bacalhau homónimo, ou como as tripas à moda do Porto de Joana, com feijão branco, cogumelos, cenoura, chouriço vegetal e paprika. «Eu quero tocar as pessoas», remata a dona, que recebe visitas de várias partes do mundo. Na plataforma Happy Cow, que avalia restaurantes veganos em todo o mundo, está em 36.º lugar, de entre quase oito mil. A missão parece ter sido cumprida.

 

Crónica: O mesmo Porto, com sabor diferente

Um portuense, um cinfanense e um lisboeta partilham a mesma mesa, no Capa Negra II. Haverá, certamente, anedotas que começam com situações semelhantes, mas não será o caso. O primeiro, fotógrafo, sempre viveu no centro da Invicta. O segundo, diretor, adotou-a como morada há largas décadas. O último, visita-a ocasionalmente. No final de duas horas, apenas um não conseguiu terminar a sua francesinha. Não é preciso explicar quem foi. Afinal, o Porto também é isto: garra à mesa, conversas animadas e estômagos bem treinados.

Não me recordo da primeira vez que estive no Porto. Mas desde a adolescência que tenho memórias na Invicta, todas boas e em variados contextos – em trabalho, aniversários e passagens de ano, para ver concertos ou matar saudades de amigos. E para este lisboeta apaixonado pela capital – com as habituais e ocasionais fases de desencanto, claro – sabe sempre bem rumar a Norte e regressar ao Porto. Não por achar que vou descobrir uma Invicta diferente, que já vou conhecendo relativamente bem, à exceção da piscatória Afurada, onde agora me estreei no passeio.

Da mesma forma que revemos um filme ou uma série uns anos depois, e a olhamos de outra perspetiva, noutra fase da vida; ou comemos a especialidade das nossas avós – a mesma que já provámos centenas de vezes – e sabe sempre diferente; o mesmo se aplica ao passeio. Nada é igual, só a localização. Desta vez, ainda que com três dias bem lotados, senti o Porto seguro e sereno, vivo e alerta. Ou talvez os destinos que visitamos acabem por refletir o nosso estado nessa altura. Afinal, o Porto é o mesmo, mas sinto-o sempre de forma distinta.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend