Lagoa, uma cidade com presépios e ruas viradas ao mar

Vista do Sul Villas & Spa. Fotografia: Paulo Goulart/DR
Os primeiros povoadores deixaram carneiros na enseada para testar a probabilidade de sobreviver na costa sul da ilha de São Miguel, nos Açores. A cidade de Lagoa, onde há um novo hotel, é uma caixinha de surpresas a cada passo, entre um modo de vida tranquilo que vai a banhos no mar, e uma bonita tradição ceramista.

São tranquilas as ruas de Lagoa, uma cidade em cascata sobre o mar, na costa sul da ilha de São Miguel, onde os movimentos da vida comum ainda são muito superiores ao crescente fluxo de turismo. De tal modo que chegar a Lagoa é abrandar, quer se queira, quer não. No café, na praça, na mercearia, todos nos recomendam à cabeça da lista uma visita ao ex-líbris CONVENTO DOS FRANCISCANOS, junto à igreja de Santa Cruz – cuja fachada branca com rebordo de basalto, conforme a tradição de simplicidade açoriana, nos aparece a cada passo no horizonte.

Fachada da Igreja de Santa Cruz.
Fotografia: DR

Ao ir para lá, contudo, não se vai direto ao assunto porque há muitos outros assuntos que podem demorar a atenção quando se passeia ao olhar em redor pelas ruas da Lagoa. Há por exemplo, outra bonita igreja a visitar – a do Rosário – e, na rua, se atentarmos nas fachadas e no chão podemos depreender o caráter grato dos lagoenses. No granito do passeio, há desenhos a evocar ofícios tradicionais, como a tanoaria. E nas placas com o nome das ruas, há nomes de ilustres históricos portugueses e dos ilustres da terra, que a honraram.

Lagoa exibe com a mesma sinceridade as suas glórias e as suas imperfeições. Há fachadas nobres, há fachadas pobres, há cores brandas como branco e amarelo, há cores fortes como verde musgo e azulão.

Seguindo da igreja do Rosário em direção ao convento passa-se, por exemplo, no marco de homenagem ao Infante D. Henrique, junto ao Largo com o nome do Rei D. João III, que elevou o lugar de Lagoa a vila, na carta régia de 11 de abril de 1522. Encontra-se também uma rua nomeada em homenagem ao físico lagoense Herculano Amorim Ferreira (1895-1974), professor da Universidade de Lisboa, fundador e primeiro diretor do Serviço Meteorológico Nacional; e outra a assinalar a casa onde nasceu Filomeno da Câmara Melo Cabral (1844-1921), professor, médico e reitor da Universidade de Coimbra. Essa e outras casas merecem ser apreciadas, neste conjunto de moradias onde não há nenhuma que se possa chamar de grande: há varandas e portões de ferro forjado a revelar nesgas de vida quotidiana e densos jardins de hortênsias.

Lagoa exibe com a mesma sinceridade as suas glórias e as suas imperfeições. Há fachadas nobres, há fachadas pobres, há cores brandas como branco e amarelo, há cores fortes como verde musgo e azulão. Há casas com a pintura em dia e acabamentos novos, há casas velhas e desbotadas, das quais emergem surpresas, como uma réplica em ponto pequeno de um moinho de vento.

Há muita beleza e muito desalinho nesta Lagoa de cabelos ao vento, que encheu a cara das suas casas de imagens de Cristo pintadas em azulejo. São um convite à deambulação poética estas ruas estreitas inclinadas ao mar. É nessa direção que se encontra um pátio recolhido, onde uma citação de Aristóteles se destaca num painel: “O prazer no trabalho aperfeiçoa a obra”.

O porto e peixe ao carvão

Porto dos Carneiros, onde os pescadores têm os barcos.
Fotografia: DR

Vamos então em direção ao mar, passando no MIRADOURO DO CASTELO, onde se pode fazer uma fotografia de postal, com o porto de pesca à vista. Chama-se PORTO DOS CARNEIROS à conta de uma história do tempo dos povoadores, em meados do século XV. Pensa-se que, pouco depois da descoberta da ilha, naquela enseada se deixou gado para averiguar, por um lado, da segurança do local e assegurar a alimentação dos primeiros colonos. Os carneiros sobreviveram e prosperaram, assim como a povoação que ali se instalou. O porto é hoje abrigo dos barcos de pescadores e uma paragem muito recomendável para quem aprecia comer do mar – fica mesmo na sua boca o restaurante BORDA D ÁGUA, templo de peixe açoriano e brasas de carvão.

Foi ali instalado há 30 anos pelos pais das irmãs Verónica e Andreia, ele natural de Ponta Garça e ela de Rabo de Peixe. As irmãs estão agora ao leme deste lugar de comida nativa: “Sempre peixe dos Açores grelhado no carvão”, resumem. Assim é, com a variedade a depender do pescado do dia e, nas saborosas entradas, a brilhar um ananás dos Açores com morcela.

Há sempre um lugar onde consolar os músculos com uma cerveja açoriana, depois de um mergulho nas sensacionais piscinas naturais de Lagoa.

Naquela vizinhança despretensiosa, há outros lugares de comer, tasquinhas e cafés onde param os locais – o que costuma ser bom sinal. Significa que há sempre um lugar onde consolar os músculos com uma cerveja açoriana, depois de um mergulho nas sensacionais piscinas naturais de Lagoa, um enclave construído sobre as rochas que resguarda os banhos e permite uma experiência memorável. É, mais uma vez, um espaço que os lagoenses frequentam por rotina e ali se demoram, já que o lugar é bem amigável para famílias, dizendo alguns ser a sua terapia diária de mar.

Onde também há uma memorável piscina, mas esta construída pelo Homem – ou melhor, por um homem, o empresário Rodrigo Herédia – é no novo hotel de Lagoa, cujo discreto portão pode passar despercebido na rua. Chama-se SUL VILLAS & SPA, abriu em junho passado, e é um refúgio encastrado na autêntica paisagem micaelense.

A piscina do Sul Villas & Spa.
Fotografia: Paulo Goulart/DR

Algumas das suítes têm um pequeno pátio privativo com piscina, outras são comunicantes de forma a poder acomodar famílias. Em comum, têm todas a soberba vista de mar.

As suas 12 villas distribuem-se por um edifício longo virado para a baía de Santa Cruz, com um relvado comum que prolonga a orografia ondulada da costa, proporcionando um privilégio de paisagem, com a igreja de Santa Cruz a destacar-se no horizonte. Está ligado ao edifício central, onde se encontra a zona de refeições, um spa (com tratamentos à base de essências açorianas) e ainda um espaço exterior com piscina infinita. Algumas das suítes têm um pequeno pátio privativo com piscina, outras são comunicantes de forma a poder acomodar famílias. Em comum, têm todas a soberba vista de mar.

Este não é o primeiro projeto de Rodrigo Herédia nesta ilha: o antigo campeão de surf, dono de lojas e escolas de surf e ainda bares restaurantes estreara-se já como sócio do Santa Bárbara Eco-Beach Resort, na Ribeira Grande. Neste hotel em nome próprio, contou com projeto de Rui Sabino de Sousa, da SAL Works, um gabinete de arquitetura baseado em Ponta Delgada, nos Açores. O resultado é um refúgio de linhas modernas e interiores minimais, porém de grande aconchego, com muita luz natural, madeiras e tons claros.

Todas as suítes têm vista de mar.
Paulo Goulart/DR

Do Sul Villas & Spa até ao Convento dos Franciscanos é um (curto) passeio, que passa diante da parede pintada da Casa do Romeiro de Lagoa, evocando uma tradição religiosa com mais de 500 anos. Convém reservar uma boa fatia de tempo para visitar este edifício tão bonito e com um recheio que pode ser surpreendente. Alberga a Biblioteca Municipal Tomaz Borba Ribeiro, o mecenas artista que doou – e continua a doar – a sua coleção de livros ao município. Podem-se ali ver algumas obras deste pintor apaixonado pela Caloura, assim como de outros artistas, pertencentes à coleção municipal.

A Casa do Romeiro.
Fotografia: DR

Vale a pena apreciar ainda o património religioso em si, sendo este ex-líbris de Lagoa uma segundas versão do convento construído pelos frades franciscanos no século XVIII, que ficou muito danificado por um sismo. É muito bonita a igreja de nave única, com altares em madeira e em talha dourada, onde se encontram imagens dos vários padroeiros – S. Francisco de Assis, Santo António e e S. Bento de Núrcia – entre outras.

Uma tradição de presépios

Mesmo sabendo que ali no convento está instalado o NÚCLEO MUSEOLÓGICO DO PRESÉPIO, talvez não se vá a contar com uma exposição tão completa, didática e tão impressionante ao nível das peças. Nem com o quadro vivo que se nos apresenta: o museu conta com um bonecreiro residente, João Manuel Cabral Almeida, que uma vez por semana ensina a fazer as figuras do presépio.

Lagoa num presépio.
Fotografia: DR

A exposição começa por abordar o culto da natividade (da Idade Antiga à Idade Moderna) e passa depois para a forma como esse culto se cruzou com a tradição ceramista de Lagoa para gerar esta arte de fazer bonecos, impulsionada pela elite micaelense, empenhada em preservar as tradições e as artes açorianas.

Os artesãos criaram bonecos que hoje são icónicos dos Açores, como a mulher do capote e o homem do carapuço. A produção destas pequenas figuras que representam cenas quotidianas micaelenses ganhou expressão nos anos de 1890 e daí pelo século XX.

Foi assim que os artesãos criaram bonecos que hoje são icónicos dos Açores, como a mulher do capote e o homem do carapuço, explica Igor França, coordenador de Cultura e Educação da Câmara Municipal de Lagoa. A produção destas pequenas figuras que representam cenas quotidianas micaelenses ganhou expressão nos anos de 1890 e daí pelo século XX. Há figuras a representar os lavradores e os pescadores, grupos na matança do porco ou a dançar, banquetes, as bandas filarmónicas, as procissões e os casamentos, a festa do Santo Cristo dos Milagres.

Em Lagoa, existe uma rota bonecreira e o município criou um prémio, que vai tornar mais atrativo. E se a maior parte dos bonecreiros são homens, já a arte das lapinhas (outra forma de presépio que parece instalado num monte, carregado de pequenos elementos) é exclusivamente feminina – e ali podem-se ver alguns exemplares.

“Há ainda bonecreiros em atividade e o mais novo, o Rui Borges, nasceu em 1993. Mas estas coisas têm que ser incentivadas, senão desaparecem”, assinala aquele responsável. Mais, sublinha Igor, “é preciso incentivar a criatividade para que se criem novos moldes e particularismos de estilo”. “Esta é uma arte que não pode morrer”, conclui. Diante do impressionante presépio onde parece caber toda a vida de Lagoa, e onde se encontram pormenores atrás de pormenores, parecendo até que ele se movimenta, só podemos concordar.

“No presépio, todas as atividades convergem ao mesmo tempo”, refere Igor França. E, tal como em Lagoa, há que nos deixar levar pelo que nos surge subitamente belo – como o metrosídero que estendeu raízes e ramos como tentáculos no jardim romântico do exterior do convento, e nos parece querer abraçar a cada passo.

A cerâmica que chegou de Gaia

É uma viagem no tempo percorrer a fábrica de cerâmica Vieira, outros dos emblemas lagoenses, que se encontra na mesma família há cinco gerações. Fundada em 1862 por Bernardino da Silva, que ali chegou de Vila Nova de Gaia, acompanhado por um mestre da cerâmicas vidrada (Manuel Leite Pereira, que depois fundou outra fábrica), esta unidade consegue produzir de forma artesanal, mantendo-se um fascinante museu vivo, com os artesãos a trabalhar diante dos nossos olhos. Os montes de argila, os antigos fornos, a moldagem e a pintura, tudo se pode ver e apreciar, para terminar a visita na loja onde se encontram as peças, com belos desenhos feitos a pincel.

Saltar de penhascos, atravessar lagoas

Um dos parceiros do Sul Villas & Spa para criar atividades para os hóspedes é a FUN ACTIVITIES AZORES ADVENTURES, uma empresa de desporto aventura criada por João Câmara e Cláudio Santos, cuja companhia é, em si, uma boa experiência açoriana. Em boa hora, João trocou definitivamente o emprego numa fábrica de leite para abraçar a sua vocação de conduzir turistas comuns em São Miguel por paisagens, saltos a travessias extraordinárias – pelo menos, assim nos parece depois de umas boas horas de canyoning no Parque Natural dos Caldeirões.

Com um sentido de humor que não deixa ninguém desistir, estes guias de aventura promovem ainda outras atividades como Kayaking, Costeering, passeios de bicicleta, escalada (ou um misto delas) e ainda expedições às ilhas. Os programas destinam-se a adultos e a crianças, a partir dos 6 anos (sempre dependente de avaliação).

Desporto na natureza.
Fotografia: DR

A Evasões viajou a convite do hotel Sul Villas & Spa.

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