Guimarães: Passear em redor da cidade-berço

A cidade que viu nascer Portugal não se resume aos atrativos do centro histórico. À sua volta não faltam bons motivos para partir à descoberta. Atributos naturais, história, vinho e boa comida são algumas das surpresas.

A cidade vai ficando para trás, cada vez mais distante à medida que o teleférico sobe a caminho da Penha. A viagem faz-se prazerosamente, a vista alcança o castelo, o Paço dos Duques de Bragança, o estádio e toda a urbanidade que se desenvolveu em volta das antigas muralhas. Ao invés, a montanha aproxima-se, tanto que já nem se lhe toma as medidas, como um gigante de rocha e vegetação que ladeia a cidade, a nascente.

Quando o calor aperta no centro histórico, como é costume no pico do verão, é sob as frondosas árvores da montanha que se encontra um refúgio de frescura. E pelos seus 60 hectares de extensão não falta o que explorar, em passeios revigorantes, embalados pelo som do vento na folhagem e o alegre chilrear dos pássaros a anunciar a chegada da primavera.

Há vários trilhos que levam a miradouros naturais – do mais alto, ao lado da estátua do papa Pio IX, se o céu estiver limpo, a vista alcança o mar –, grutas, ermidas e muitos penedos, cada qual com seu nome, ligado a lendas e histórias populares. Há o «penedo que abana», o «do sino», o «suspenso», o «do susto». Num deles, que abre caminho para uma passagem estreita e escura, pode ler-se «Siga… não tenha medo», como que a medir a coragem dos visitantes.

Seja qual for o percurso escolhido não há de tardar até se dar de caras com a Adega do Ermitão, lugar digno de uma paragem para petiscar à boa moda do Minho. Está instalada há mais de 50 anos numa dessas cavernas de que a montanha abunda. «Primeiro era o meu pai que estava aqui, na altura ainda só vendia bebidas, depois vim eu, há coisa de 20 anos», conta Fernando Monteiro, que, ao lado da sua mulher, Diana Capela, comanda esta taberna ao ar livre, onde não são poucas as vezes em que está de «casa cheia». O grande atrativo, entre outros petiscos, é o afamado bolo de sardinha, carne ou chouriço, feito na hora, em forno a lenha. Sempre bem acompanhado por uma caneca de vinho verde, na frescura da gruta ou sob o rendilhado de sombra e sol que marca as mesas pintadas de verde escuro, «Para não destoar da natureza», justifica Diana.

Para uma refeição mais robusta, muito perto do Santuário de Nossa Senhora da Penha, que por si só vale uma visita, está o Restaurante do Hotel da Penha. O edifício data de 1905, mas as instalações foram renovadas em 2016, por uma nova gerência decidida a recuperar os tempos áureos do restaurante. «Há 30 anos era um lugar onde as famílias se juntavam ao domingo para comer os famosos filetes de pescada com salada russa. Depois, isso perdeu-se um bocado, mas agora começamos a ser outra vez uma referência na cidade», conta Amadeu Ribeiro, um dos sócios. Hoje, os filetes continuam a ser a especialidade mais querida da casa, ao par de outros pratos da cozinha tradicional portuguesa como o bacalhau com broa, o cabrito ou a vitela assada no forno. Estes em exclusivo ao fim de semana, ou por encomenda.

São os sabores da infância que fazem voltar os comensais, mas também o som algo nostálgico do ranger do soalho e a vista encantadora da sala panorâmica – uma das melhores da montanha, note-se. Mais ainda se ao jantar se conseguir mesa na varanda privada, suportada por um penedo gigante, em linha com a copa das árvores, a ver o sol esconder-se atrás da cidade. «Isto é o paraíso», admite Amadeu. E não há melhor forma de o descrever.

ARTE, FOLCLORE E CAMÉLIAS

A pequena vila de São Torcato, a norte da cidade, é costumeira no ofício das festas populares. A agenda anual começa com a Feira dos 27, em fevereiro, dedicada ao gado e à agricultura. Em junho, o Grupo Folclórico da Corredoura organiza o Linhal, uma festa onde são demonstradas todas as fases de transformação do linho, mas a Romaria Grande, no primeiro domingo de julho, é a que atrai mais visitantes, muitos em peregrinação pelo santo padroeiro da vila, São Torcato, pois claro.

«É uma vila muito caraterística, muito rural, onde ainda predomina a cultura popular, os grupos folclóricos, as festas e romarias, e há ainda este sossego maravilhoso», nota Armindo Carvalho. Foi nesse lugar tranquilo, junto ao rio Selho, que no verão de 2017 abriu o Vale de São Torcato – Houses and Wine Bar, um complexo de alojamento perfeitamente integrado na natureza, o que lhe valeu a distinção da Green Key.

São sete casas em madeira, cada uma com um bonito alpendre e decorada ao pormenor – não tivesse Armindo sólida experiência na área dos têxteis lar –, com kitchenette equipada e até «menu de almofadas».

Esculturas em pedra de Dinis Ribeiro e pinturas de Pedro Guimarães têm lugar um pouco por todo o complexo, em especial no wine bar, aberto também ao público, onde estão expostos oito quadros com várias perspetivas do santuário de São Torcato.

O leque de comodidades fica completo com uma piscina aquecida, ginásio com banho turco e sala de massagens, um parque infantil, bicicletas à disposição dos hóspedes e minigolfe, plantado na margem do rio. Ali, um baloiço em madeira virado para a água corredia oferece um recanto de sossego.

Ao redor de toda a propriedade predominam as árvores de fruto e camélias, mais de trinta variedades, entre elas uma planta única, desenvolvida por António Assunção, ali ao lado, no Camélias Park Flavius. «É um parque de camélias para ensinar as pessoas», esclarece António, que há dez anos se dedica ali ao estudo e cultivo da flor. Um gosto que já vem de longe. «Em 2000 comecei a arranjar camélias para o jardim da minha casa e apaixonei-me», admite. Hoje conta 2300 camélias no seu grande «jardim» e mais de uma centena de espécies. Chegam da China, Vietname, Japão, Taiwan, em várias cores, padrões, feitios e tamanhos.

«Conheço muitas só pela folha», garante António, e sabe o nome científico de todas elas. Algo que faz questão de transmitir a quem ali lhe faz uma visita, e o ouve falar com agrado das suas flores, num passeio guiado pelo aroma perfumado que muitas deitam no ar. O seu mais recente projeto são os bonsai de camélia, mas também anda decidido a desenvolver novas plantas, para aumentar a sua coleção. É, afinal, uma paixão que não para de crescer.

VINHO VERDE E BOA MESA

Em plena região dos Vinhos Verdes, seria difícil não «tropeçar» numa quinta vinhateira. Mas a Casa de Sezim, não é uma propriedade qualquer. Se os vinhos são um cartão de visita reconhecido internacionalmente, a casa por si só vale uma visita demorada. Por isso são boas notícias que ali se possa pernoitar e passar uma temporada a admirar as particularidades da quinta, há 32 gerações sob a alçada da mesma família.

«Há um papel de parede igual a este na Casa Branca. Foi levado para lá quando a Jackie Kennedy foi primeira-dama», conta José de Mesquita, um dos membros da família e responsável pela propriedade. Fala de um bonito painel panorâmico, que forra as paredes de um dos salões com paisagens da costa leste dos EUA. É um dos exemplares que ali chegou da francesa Manufatura Zuber, no início do século XIX, a mando do pintor Auguste Roquemont, o responsável pela decoração da casa. Numa outra sala, são as aventuras de D. Quixote que dão vida às paredes. «Acredita-se que o próprio Roquemont tenha passado uma temporada aqui a pintar este painel», conta José.

Por mais que encantem os corredores e as salas coloridas, a biblioteca instalada no antigo picadeiro e a grande lareira da sala de inverno, o tempo primaveril convida também a serões na varanda de charme pitoresco com vista para o jardim. Há ainda uma piscina para desfrutar, e 30 hectares de vinha para explorar.

Os visitantes passageiros também são bem-vindos, ainda que José aconselhe marcação prévia, para que possam conhecer a casa, a adega e terminar com uma prova de vinhos na tal varanda.

Como um bom vinho pede sempre boa comida (e vice-versa), não muito longe da quinta, em Moreira de Cónegos, todos os caminhos vão dar ao restaurante São Gião, plantado também ele em frente a uma vinha. É o projeto de 35 anos do chef Pedro Nunes, que ali encontrou a oportunidade de dar asas ao seu gosto pela cozinha. «O mais difícil não é abrir um restaurante, é mantê-lo estes anos todos», admite. Mas o intento foi bem conseguido, já que se tornou uma das instituições de referência na gastronomia da região e do país.

«É um restaurante de comida de panela, comida que eu gosto. Tanto fazemos tripas como foie gras, tentamos é que tudo seja bem feito, e que tenha sabor», explica Pedro Nunes. A carta muda quase todos os dias, mas há clássicos que quase nunca falham, como a sopa de peixe, ocasionalmente substituída por uma deliciosa canja de santola. O peixe fresco é peça forte naquela cozinha – o chef vive em Leça da Palmeira e todas as manhãs vai à lota de Matosinhos escolher o melhor pescado do dia –, de onde sai muitas vezes um colarinho de pescada suave e suculento, no ponto. O segredo? «A simplicidade. É muito difícil, mas é a melhor técnica.»

A refeição só fica completa com um par de canilhas, recheadas com leite-creme, que devem ser devoradas de imediato, enquanto estão estaladiças. Um doce final para um passeio também ele prazenteiro. Prova de que fora do bulício citadino também há muito a descobrir.

 

ÁGUA TERMAL

Um dos atributos naturais do concelho são as águas termais das Caldas das Taipas. O edifício das termas, datado de 1904, reabriu em 2015, renovado e sob o selo Taipas Termal. Mantiveram-se alguns pormenores originais, como os azulejos e as portas, mas aos tratamentos juntou-se também o serviço de spa, com massagens, duche vichy, e ainda uma piscina termal, com água que ali chega diretamente da nascente, a 33°C. Foi também lançada uma linha de sabonetes artesanais, feitos ali mesmo, com água termal. Já os Banhos Velhos, como são chamadas as ruínas do primeiro edifício das termas, construído sobre os antigos banhos romanos, também são visitáveis e nos meses de primavera e verão têm uma concorrida agenda cultural, com concertos, sessões de cinema e tertúlias ao ar livre. (Fotografia: Miguel Pereira/GI)

 

CULTURA CASTREJA

Um dos maiores exemplares de povoados da Idade do Ferro na Península Ibérica fica a apenas 15 quilómetros de Guimarães. A Citânia de Briteiros conserva ruínas de um antigo castro que se acredita ter sido habitado desde os primórdios do primeiro milénio antes de Cristo. Ainda se consegue ver parte das muralhas e das habitações circulares do povoado, numa caminhada pelo piso irregular até ao topo do sítio. Ali encontra-se uma bela paisagem sobre o vale e ainda uma antiga ermida cristã, erguida no século X, entre os escombros. Uma das construções mais interessantes da citânia é o balneário, descoberto de forma acidental aquando da abertura da estrada nacional, onde os habitantes dos castros tomavam banhos de vapor e água fria. Alguns dos objetos recolhidos nas campanhas arqueológicas fazem agora parte da coleção do Museu da Cultura Castreja, instalado no Solar da Ponte, ali bem perto. (Fotografia: Miguel Pereira/GI)

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

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