Famalicão: O novo fôlego da cidade têxtil

Restaurante Me.at (Fotografia: Miguel Pereira/GI)
A cidade que se diz capital do têxtil tomou pulso ao seu legado industrial e abriu portas a quem o procura conhecer. Pelo caminho, há também boa cozinha e lugares de descanso entre a natureza, para uma pausa de toda a agitação que faz mover o concelho.

Sessenta e seis anos de história. É quanto tem para contar uma das mais resilientes empresas do concelho, a Têxtil Nortenha. Este negócio familiar não escapou à montanha russa que embalou o setor nas últimas décadas, mas teve a capacidade de se reinventar, e agora, nas mãos da segunda geração da família Branco, os irmãos Inês e Paulo, abre portas a visitantes, para mostrar o que de melhor sabe fazer. É uma das paragens da nova Rota de Turismo Industrial, lançada pelo município de Famalicão no final do ano passado. Ao todo, a iniciativa reúne 11 espaços museológicos, empresas de vários setores, centros de investigação e enoturismo, que preservam o património industrial do concelho.

“Já não somos uma empresa tradicional, fomo-nos ajustando ao que o mercado pede”, lança Inês. Uma adaptação que faz com que hoje se dediquem em exclusivo à exportação, produzindo vestuário para grandes marcas internacionais de segmento alto, como a Marc Cairn, Reiss, Acne Jeans e Thomas Pink. “Fazemos de tudo”, garante a empresária, desde o design, à confeção e embalamento. Sempre com vontade de inovar.

Por isso, a primeira paragem da visita às instalações da Têxtil Nortenha, na freguesia de Avidos, é um olhar para o futuro. Um showroom totalmente dedicado à sustentabilidade, a mais recente aposta da empresa – inaugurado no início do ano -, com peças de roupa produzidas com materiais orgânicos, de design contemporâneo, jovem e minimalista.

Numa outra sala de exposição faz-se reverência a alguns dos grandes nomes da moda internacional, celebrados num mural de fotografias. “Também está ali o meu pai, o fundador da empresa”, aponta Inês. Prémios e certificados vão-se acumulando nas paredes ao longo dos corredores, que percorre com vivacidade. Conhece bem os cantos à casa – “nós quase nascemos aqui”, brinca -, em especial o departamento de design, onde trabalha lado a lado com o irmão. Ali, olhar para o futuro significa muitas vezes voltar ao passado, abrir gavetas e revirar prateleiras com amostras de peças antigas, tecidos, estampados e até bordados à mão, que servem de inspiração para novas criações.

A visita passa ainda pela zona de corte e confeção, onde todas as peças são inspecionadas ao pormenor, pelo armazém, que guarda centenas de rolos de tecido, e a zona de embalamento, a última paragem de t-shirts, blusas, vestidos, casacos antes de ocuparem as montras de grandes lojas de roupa na Europa e nos Estados Unidos.

Foi este desejo de colocar na vanguarda o setor têxtil, um dos mais expressivos da região, que fez nascer o CITEVE – Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário. Há mais de 30 anos que o centro ajuda as empresas a inovar e desenvolver a sua atividade, através de ensaios laboratoriais, certificação de produtos, criação de protótipos e até formação. Num dos laboratórios das instalações do CITEVE, um manequim equipado com sensores, na mira de vários lança-chamas, serve para testar a resistência dos materiais ao fogo. Noutra sala, muito aromática, são feitos ensaios em diferentes máquinas de lavagem e secagem da roupa. Mede-se ainda o desgaste da cor, o borboto, contam-se as fibras de um tecido ao microscópio e também se criam novos materiais em parceria com as empresas, como é o caso do cork yarn, um fio de algodão revestido a cortiça. Um exemplo de que é possível reinventar sem esquecer as raízes.

CITEVE
(Fotografia: Miguel Pereira/GI)

Um outro lugar que segue esse mesmo princípio, e não deixa perder o legado industrial da cidade, é o emblemático edifício d’A Eléctrica – uma antiga fábrica de equipamento eletromecânico – , na movimentada Avenida 25 de Abril, bem no centro urbano. Data de meados do século XX e acaba de se transformar numa steakhouse, comandada pelo chef Noel Freitas.

O Me.at, um projeto de quatro famalicenses decididos em trazer para a cidade um espaço inovador, junta uma carta de cortes nobres – e também algumas alternativas à base de peixe ou vegetais -, uma garrafeira de excelência e um bar focado nos cocktails de autor, num ambiente descontraído e, acima de tudo, aprazível ao olhar. “Queríamos criar um lugar bonito no centro da cidade e dada a própria história do edifício fazia sentido usarmos materiais como o ferro e a madeira, que criassem esta atmosfera citadina e industrial”, explica João Fernandes, um dos sócios do restaurante.

À decoração juntam-se ainda outros elementos naturais, como a árvore ao centro da sala e um chamativo balcão em ónix. Da cozinha, aberta para a sala, saem peças menos comuns, como o New York Steak, diretamente do carvão para a mesa. E o bar, aberto até noite alta, garante copo cheio a quem queira continuar a conversa para lá do jantar. A intenção é “ter as duas experiências no mesmo sítio, sem ter de ir para Braga ou para o Porto”, remata João.

Viagem ao passado (a vapor)

Ferro e madeira são também os dois pilares do Núcleo de Lousado do Museu Nacional Ferroviário, instalado nas antigas oficinas da Companhia de Caminhos de Ferro de Guimarães. É um lugar de nostalgia, dedicado a preservar e divulgar a história ferroviária portuguesa, e que faz viajar no tempo quem teve a experiência de viajar em comboios a vapor. Neste museu vivo, ainda se sente atmosfera de uma verdadeira oficina, com algumas das máquinas usadas na carpintaria e no trabalho do ferro – as matérias-primas utilizadas na construção das linhas férreas e dos comboios -, ainda a funcionar.

Uma das peças mais emblemáticas em exposição é a locomotiva a vapor mais antiga de via estreita no país, datado de 1874. Sobressai ainda o comboio presidencial, que serviu figuras como Óscar Carmona e Ramalho Eanes.

Museu Nacional Ferroviário – Núcleo de Lousado (Fotografia: Miguel Pereira/GI)

O museu realça alguns dos momentos mais marcantes da revolução industrial em Portugal, como a passagem da locomotiva a vapor para a automotora, descobertos ao longo de um passeio embalado amiúde pelo som dos comboios que se revezam ali ao lado, na movimentada estação de Lousado.

Na Casa das Cortinhas, não é o comboio, mas antes a camioneta o meio de transporte que ajuda a contar a sua história. Quando Abílio da Costa Moreira, dono de uma empresa de carreiras na região, comprou a Quinta das Cortinhas, em São Cláudio, estava longe de imaginar que décadas mais tarde a neta, Helena Moreira, a iria transformar num alojamento rural de charme. “Ele começou a transportar pessoas para a feira, depois para Guimarães, depois começou a fazer excursões para Fátima e foi crescendo”, conta Helena.

Hoje, a propriedade da família é um autêntico refúgio de tranquilidade a dois passos do centro da cidade. O antigo sequeiro foi recuperado, mantendo o teto original em vigas de madeira, com grandes janelões de onde se avistam os campos ao redor, e a antiga casa do caseiro também virou alojamento, com uma lareira aconchegante. A quinta, cuja referência mais antiga é de 1735, conta ainda com alguns inquilinos permanentes – além da família Moreira -, que fazem as delícias dos mais pequenos, como o pónei Elvis e a enérgica burra Oriana.

Vinho Verde e boa mesa nos arrabaldes

O emergente Laurus Nobilis, um festival de rock alternativo e heavy metal, é responsável por, nos últimos anos, ter colocado a freguesia do Louro no mapa dos destinos de muitos amantes do estilo. Mas esse recanto do concelho é também terra de outros atributos, entre eles quintas vinhateiras, não se estivesse na região dos Vinhos Verdes. Uma das mais concorridas é a Adega Casa da Torre, que atrai tanto apreciadores de vinho como de arquitetura. A ampliação da antiga adega da quinta, um projeto assinado pelo arquiteto Carlos Castanheira, resultou numa belíssima estrutura em madeira, com um passadiço elevado que atravessa todo o interior. À entrada, uma construção a imitar um pipo serve de pequeno laboratório, onde também se fazem provas.

Os destinos deste lugar são hoje comandados por Gonçalo Lopes, mas tudo começou com o seu avô, Manuel de Sousa Lopes, um industrial de botões da região. “Ele era um apaixonado pela agricultura e foi comprando propriedades na zona”, conta Gonçalo. À Casa da Torre juntam-se ainda a Quinta do Cruzeiro e a Quinta da Senra, num total de 21 hectares de vinha. A exploração vitivinícola da família estende-se ainda ao Douro, onde detêm a Quinta da Faísca.

Na freguesia vizinha, Nine, encontra-se outro negócio familiar. Uma cozinha inesperada, sem pretensiosismos, escondida numa pequena casa na Rua da Igreja – o que leva a supor a razão do nome -, e que prima pela simplicidade. Já se tornou lugar de peregrinação e ao fim de semana só é certo arranjar mesa com reserva. Chama-se Reza a História, “porque quando fazemos um prato vamos buscar as raízes da receita, mas também damos o nosso toque”, explica Sílvia Ferreira, ao leme do restaurante, juntamente com o marido, Paulo Araujo. Ele na cozinha e ela ao serviço, ainda que tenha também a seu cargo a confeção das sobremesas (entre elas uma deliciosa pavlova).

É comida boa, reconfortante, numa carta que junta clássicos da cozinha portuguesa com exemplares de outras paragens, em particular de toque asiático. São exemplo a alheira com grelos e o caril verde de frango, intenso e aromático, com um toque cítrico – menos picante a pedido do cliente. “Só fazemos o que gostamos de comer e fazemos com gosto”, garante Paulo.

Vale a pena guardar apetite para a delicada pavlova de frutos vermelhos, no ponto certo de doçura, equilibrado ainda pela acidez dos frutos, e interior cremoso… De lutar pela última colherada, caso se tenha feito a trágica escolha de partilhar a sobremesa. Surpreendente. Assim é também esta cidade industrial.

 

Um refúgio como em casa

Foi para dar resposta àquilo de que sentia falta nas viagens de trabalho que António Macedo decidiu criar em Vermoim um alojamento que fizesse os hóspedes sentirem-se em casa e não num hotel. A Casa da Estalagem é um espaço intimista que atrai tanto empresários e estilistas ligados à indústria têxtil da região, como famílias. Foi construída nas ruínas de uma antiga casa de campo, de que ainda restam algumas paredes e as escadas em pedra, incorporadas no novo projeto, de design moderno. Dispõe de quartos batizados em homenagem a figuras ilustres da região, como Narciso Ferreira e Camilo Castelo Branco. O ambiente acolhedor estende-se ainda ao atendimento personalizado, ao pequeno-almoço com compotas caseiras e ao espírito de convívio que parece envolver os hóspedes. A piscina e o jardim pontuado com árvores de fruto ajudam a completar o cenário.

 

Cozinhas arrojadas

Juntar a gastronomia portuguesa com a italiana é o plano do chef Daniel Azevedo, uma fusão que espera fazer os clientes repetir a visita, por isso chamou ao seu novo restaurante BIS, instalado bem no centro da cidade. Aos pratos mais clássicos da cozinha italiana, que também os há, “para ir preparando o palato aos poucos, antes dos pratos de fusão”, justifica Daniel, juntam-se sugestões mais arrojadas, como as lascas de bacalhau em tempura com risoto de cebolada (receita inspirada no Bacalhau à Braga), ou o risoto de francesinha, encabeçado pelo bife e os crocantes de queijo e pão. Já em Joane, encontra-se o mais recente projeto de Diogo Brito, que depois de apostar nas carnes maturadas no restaurante Caso, voltou a arriscar, desta vez com o Attrevidu. Ali, tudo é “instagramável”, em especial o hambúrguer maturado, feito com pão de cogumelos de um azul vibrante e coberto com queijo cheddar. Comida que salta à vista, a que juntou ainda os combinados marisco. Tudo bem acompanhado por uma rica lista de cervejas artesanais.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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