Do Porto a Santiago: o primeiro roteiro, de Porto a Barcelos (56 km)

Do Porto a Santiago: o primeiro roteiro, de Porto a Barcelos (56 km)
Entre a agitação do Porto e a pacatez de S. Pedro de Rates e Barcelos, descobrem-se igrejas, paços e demais património. E ainda histórias, lendas e um prato que corre o mundo de boca em boca. Esta é a primeira etapa de um roteiro da Evasões que liga Porto a Santiago de Compostela.

Nos mais de 240 quilómetros que vão do Porto a Santiago de Compostela, pelo Caminho Português Central, cabem campos,rios, monumentos, fado, literatura, alojamentos confortáveis e restaurantes surpreendentes. Haja pedalada para tanta coisa boa na viagem, que neste roteiro dá-se particular atenção a quem decide fazer o caminho de bicicleta. Mas os lugares que se recomendam servem todos os peregrinos que procuram, a cada passo, o conforto de uma paragem especial.

Aviso à peregrinação: este é um roteiro para fazer sem pressas nem sofrimentos, com tempo para desfrutar das paisagens e dos lugares; descobrir uma esplanada sob um castanheiro ou um restaurante que já foi lagar; provar empanadilhas de choco e polvo “à feira”; tomar banho em cascatas; e dormir num convento habitado, ainda, por frades. Foi pensado para quem faz o Caminho Português Central, do Porto a Santiago de Compostela, em bicicleta, mas com calma, a saborear a rota. Daí a divisão em seis etapas, com menos de 60 quilómetros – ela tem apenas esse caráter prático.

Muitos portugueses percorrem o Caminho de bicicleta, sobretudo ao fim de semana. Mónica Crisóstomo, do espaço Ideas Peregrinas, em Tui, já viu uma suíça de 70 anos pedalar, sozinha, rumo ao túmulo do apóstolo. «O caminho, em geral, é bastante ciclável», observa ela, que foi peregrina antes de abrir este misto de café, loja e hostel.

Os peregrinos vêm de toda a parte, movidos pela fé, mas também pela curiosidade, pela aventura, pelo desejo de aclarar ideias, testar limites, conhecer pessoas e sítios, apreciar a vida cultural, a comida, a história, a arquitetura. A pé, de bicicleta e, mais raramente, a cavalo. Cada um ao seu ritmo, com as suas motivações, sozinho, com amigos ou em família (bebés e cães incluídos). Importa é fazer um «bom caminho» – é essa a expressão mais ouvida durante a viagem.

 

Do Porto a Santiago de Compostela | Primeira Etapa: 56 km

Monumentos nacionais e um galo lendário

O ponto de partida é na Sé do Porto, em cujo claustro velho existiu uma capela dedicada a Santiago. É lá que se obtém a credencial do peregrino, que dá acesso a albergues e vai sendo carimbada em igrejas, restaurantes e outros locais, a provar que se cumpriu o caminho. Para conseguir a Compostela, certificado emitido pela Oficina do Peregrino, é necessário ter feito pelo menos os últimos 200 quilómetros do percurso de bicicleta, ou os últimos 100 a pé ou a cavalo, seguindo as setas amarelas e os azulejos com a vieira (um dos símbolos de Santiago).

Cláudia e Rui Carvalho, que tomam conta do snack-bar Bom Caminho, junto ao ALBERGUE DE PEREGRINOS DE S. PEDRO DE RATES, no concelho de Póvoa de Varzim, vêm muitos de bicicleta, principalmente portugueses, ao fim de semana. Também já viram peregrinos com bebés de poucos meses e até com um burro. Cruzam-se ali diferentes modos de vida, há omeletas e batatas fritas a sair logo às sete da manhã e os estrangeiros tendem a apreciar bastante o vinho verde.

Igreja Românica de S. Pedro de Rates. (Fotografia: Leonel de Castro/GI)

Quem chega a esta localidade vindo do Porto, após vários quilómetros em área urbana, encontra um ambiente mais rural. Passa por campos, capelas, cruzeiros, alminhas. Património não falta ao longo do caminho, como prova a IGREJA ROMÂNICA DE S. PEDRO DE RATES, que é Monumento Nacional.

Outra grande obra, mas da comida regional, é o galo assado com recheio de carnes de fumeiro picadas que vai para a mesa do restaurante PEDRA FURADA, na freguesia homónima, já no concelho de Barcelos. O animal que é símbolo da terra estava presente na lenda (ler caixa) e na cerâmica; não podia faltar no cardápio barcelense. Esta especialidade da casa, disponível por encomenda, tem tanta fama que galga fronteiras. De todo o lado vem gente para lhe atestar o sabor.

António Herculano, do restaurante Pedra Furada. (Fotografia: Leonel de Castro/GI)

«As pessoas, quando chegam, já me tratam pelo nome», diz António Herculano, que, com as irmãs Madalena Ferreira e Angelina Ferreira, conduz os destinos do Pedra Furada. O nome advém de outra lenda, segundo a qual Santa Leocádia, padroeira da freguesia, tendo sido enterrada viva, se terá libertado furando a pedra do túmulo com a cabeça. O estabelecimento abriu em 1946 e começou por ser uma venda onde a mãe, Maria Antonieta, fazia uns petiscos. Em 1974, virou café e restaurante de cozinha tradicional – na ementa tem pratos como cabrito ou arroz de cabidela.

«É uma casa muito referenciada no caminho. Vimos em todos os guias: em português, francês, alemão, italiano, coreano, russo, polaco, húngaro, sueco», prossegue António. E vai desvendando histórias por detrás dos objetos nas paredes: cartazes, cartas e fotografias, muitas referências a Santiago. Já ali passaram peregrinos de mais de 140 nacionalidades, e a pensar neles foi criado um pequeno albergue.

Outro alojamento voltado para os peregrinos, que têm direito a desconto, é a BWAY GUEST HOUSE, uma casa de hóspedes em Barcelinhos, mesmo antes da Ponte Medieval e junto à Capela de Nossa Senhora da Ponte (que servia de abrigo e tem um lava-pés em forma de vieira). Quem chega é recebido com café, água ou chá – um conforto extensível aos sete quartos, de diversas tipologias, e aos seis estúdios, T0 e T1, cuja decoração varia. O estúdio Caminhos de Santiago, por exemplo, é amarelo e azul, com cajados e uma vieira à cabeceira. Há sala de estar com kitchenette e um compartimento para guardar as bicicletas.

(A BWay Guest House. (Fotografia: Leonel de Castro/GI)

«Tentamos ajudar os peregrinos em tudo o que precisarem», diz a gerente, Dara Vale. Isso inclui sugestões sobre o que ver durante a estadia, como o Museu de Olaria, a Torre Medieval ou o Paço dos Condes de Barcelos, Monumento Nacional.

«Quem vai para Santiago pode ir com fé, mas vai nas calmas; para Fátima, é uma correria», compara Fernando, um de sete homens que rumam àquela cidade galega de bicicleta, vindos de Soure e Figueira da Foz. O grupo, reunido junto à Ponte Medieval, quer ir com vagar para parar e tirar fotografias. Dali, como de muitos outros pontos no caminho, obtém-se um bonito postal.

 

Lenda do Galo

Certo dia, um peregrino que rumava a Santiago ficou alojado numa estalagem, em Barcelinhos, cuja dona se apaixonou por ele. Por não ser correspondida, escondeu um talher de prata na bagagem do romeiro, que acabou preso por furto. Perante o juiz, que o condenou à forca quando se preparava para comer galo assado, o homem afirmou que aquele galo havia de cantar como prova da sua inocência e, à hora em que o iam enforcar, o galo cantou mesmo. O juiz, apercebendo-se do erro, correu para a forca e encontrou-o- preso pelo pescoço, mas com Santiago a suster-lhe os pés. Essa imagem está representada no CRUZEIRO DO SENHOR DO GALO, junto ao Paço dos Condes de Barcelos.

O cruzeiro do Senhor do Galo. (Fotografia: Leonel de Castro/GI)

 

Um australiano sozinho do outro lado do mundo

Peter Winters, australiano de 66 anos, está a fazer o Caminho de Santiago sozinho desde o Porto. «Gosto de viajar com mais pessoas, mas ninguém quis vir», conta, despreocupado, até porque se conhece muita gente durante a caminhada. É a sua estreia em Portugal, e esta é uma maneira boa e barata de descobrir um país, defende: «Quando caminhas pela Europa, vês muito mais do que numa viagem de autocarro». No ano passado, fez o Caminho Francês sem disponibilidade para apreciar as coisas em redor. Agora, quer aproveitar. Já sabe algumas expressões em português: «Bom dia», «obrigado» e «bom caminho». Pergunta como se diz que se gostou muito de algo, e vai embora a treinar, com as palavras às voltas na boca e ar feliz, apesar da chuva.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

Leia também:

Evasões à sexta: do Porto até Santiago
Há novos cocktails de alvarinho no Porto e em Coimbra
Guia gastronómico do Porto considerado o melhor do mundo em prémios internacionais




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend