Mesmo sem praia fluvial, com os devidos cuidados há onde mergulhar nas águas azul-turquesa da barragem do Arade. (Filipe Amorim/GI)
Paulo Martins, da Algarve Selvagem, é a companhia certa para explorar a barragem do Arade. (Filipe Amorim/GI)
O azul das águas prende a atenção, mas é o contraste que a torna fotogénica. O contraste com o chão, de terra vermelha, ainda mais vermelha na luz de final de tarde, incita a puxar do telemóvel para fotografias com o hashtag #nofilter. Sem filtros nem maquilhagem. A barragem do Arade é um manancial, de água e de possibilidades, 10 quilómetros a nordeste de Silves.
Em tempos, houve ali um café, barcos e uma ilha com praia privativa. Agora, não há nada, apenas a albufeira, sem zona balnear, mas com os devidos cuidados há onde mergulhar – e a transparência da água a isso convida. A ilha, essa continua por lá, mesmo sem praia privativa, e com alguns preparativos lá se chega. A Algarve Selvagem, por exemplo, organiza passeios de caiaque com caminhada, coisa para render um dia inteiro. Afinal, há 182 hectares de superfície para explorar.
Por debaixo da emblemática ponte medieval de Silves corre um Arade que é ainda ribeira. (Filipe Amorim/GI)
Não deixa de espantar que, do lado de lá do talude da barragem, o curso que alimenta tamanha massa de água corra tão tímido. Na verdade, o Arade não passa ainda de uma ribeira, é só depois de Silves, ao convergir com a ribeira de Odelouca, que ganha o título de rio. Sobre a velha ponte de SILVES, pode ainda ver-se uma placa de ferro com essa indicação: Ribeira de Arade. No entanto, quando a maré enche, também ela se agranda e é até possível navegá-la, pelo leme de quem lhe conhece bem as manhas – como o capitão João Venâncio, da Barca Arade (ver entrevista em baixo). Com a maré certa, o capitão Venâncio sobe o rio à partida de Portimão, uma hora para cada lado, com hora e meia de intervalo para visitar Silves.
A cozinha de batata é um dos pratos de tradição local que António Macedo trouxe para a mesa da Taberna Almedina, em Silves. (Filipe Amorim/GI)
É diante da ponte emblemática que se começa a explorar a antiga capital do Algarve. Daí que António Macedo tenha escolhido esta localização, à espreita do rio, para abrir a Taberna Almedina. E este nome: «Almedina é a parte velha de uma cidade, rodeada de muralhas», explica. Isto para dizer que quer fazer da sua casa a porta de entrada, o ponto de acesso ao miolo de Silves. Por esse motivo, quis assumir logo um certo papel introdutório à história e à tradição locais. Para que «se leve algo mais do que comer, pagar e ir embora». António não é de cá, mas tratou de se inteirar. Estudou as receitas, os produtos, os hábitos e, pormenor de saliente relevo, o que servem os restaurantes em redor, para não se limitar a ser mais do mesmo.
Na ementa estão, por exemplo, a tiborna de polvo com laranja, a cataplana de polvo e batata-doce, e a vegetariana cozinha de batatas, um prato tradicional de famílias pobres – que de tão pobre é rico em sabor, um caldo copioso com batatas, pimentos, feijão-verde, pão e ovo. A carta inclui também uma boa secção petisqueira, bem como os vinhos algarvios e algumas cervejas artesanais locais.
Silves merece entrar para os roteiros de passeio. O centro histórico da primeira capital algarvia é uma joia a descobrir. (Filipe Amorim/GI)
«Porta» adentro, estende-se uma cidade que merece entrar para as rotas de passeio, feita de ruas íngremes, de rampas e escadinhas, com praças de patamar. A cor viva da pedra-ruiva, material dominante nos monumentos mas também na cantaria das casas, acrescenta-lhe personalidade – em particular na imponente sé e no castelo, que parece lugar da ficção.
Karin Korteland e Imco ten Kate sentiram-se em casa mal chegaram a Portugal. Perto de Silves, abriram a casa de turismo rural Tapada do Gramacho. (Filipe Amorim/GI)
Karin Korteland e Imco ten Kate com facilidade se deixaram encantar, mal aqui desembocaram em busca de um sítio para mudar de vida e de país. Sentiram-se em casa mal cruzaram o Guadiana: «Em Portugal vive-se, na Holanda trabalha-se», resume Karin. Nos arredores de Silves, numa quinta atravessada pelo Arade, com uma vista de vale e de montes que facilmente se acreditaria ser em África, encontraram a casa com que sonhavam – se descontarmos o profundo trabalho de recuperação envolvido para torná-la de novo habitável.
Tapada do Gramacho (Filipe Amorim/GI)
Essa casa, chamada Tapada do Gramacho, está desde 2007 de portas abertas a quem aqui desaguar pelos mesmos bons motivos que Karin e Imco: paz, sossego, tempo para viver. Embalado pela sinfonia de cigarras, pássaros e chocalhos de rebanhos que por ali pastam, substituída de noite pelo coaxar das rãs – e com a ocasional visita de uma raposa «de estimação» que por ali tem a sua toca. Onde há água, há vida.
Dos quartos do Água Riverside nunca se perde de vista o estuário do Arade. (Filipe Amorim/GI)
Pouco adiante, o Arade torna-se rio de pleno direito, e começa a alargar-se, à medida que se faz ao mar. Não há uma estrada marginal, mas cruzam-no várias pontes, de onde se pode tomar noção da amplitude que ganha, em especial a partir do Parchal – com vista de primeiro balcão, ainda que de relance, na ponte da EN125. No entanto, em matéria panorâmica, é difícil superar as varandas do hotel Água Riverside. Não só fica à beira do rio onde ele já tem largura de estuário, como está posto de modo a que praticamente todos os seus 134 quartos tenham os olhos postos no Arade. Em especial os do topo das duas alas do edifício em forma de U, esses podem dar-se ao luxo de escolher para onde contemplar: Portimão a oeste, ou a paisagem lagunar que se forma para nascente?
A piscina do Água Riverside, projetada rio adentro, é perfeita para fotografias de criar inveja nas redes sociais. (Filipe Amorim/GI)
O grande postal – ou post, se quisermos trazer de novo à conversa o #nofilter –, esse fica ao nível térreo, à beira do rio. A piscina de rebordo infinito, projetada da margem, dá ilusão de continuação entre águas e está mesmo a pedi-las: duas flûtes de espumante pousadas junto à água, alguém de costas a olhar o pôr do sol, um par de pés saído da espreguiçadeira com os dois tons de azul ao fundo, o cenário está tão bem enquadrado que qualquer cliché funciona.
É difícil competir com o pôr do sol de Ferragudo, com o estuário do Arade feito espelho de água, pontuado de barcos de pesca. (Filipe Amorim/GI)
A imagem da vila ribeirinha perfeitinha iluminada pelo pôr do sol também fica ali perto. Já dificilmente constitui segredo, mas não há como deixá-la de fora. Apesar da oferta turística instituída, das lojas com souvenirs genéricos e dos restaurantes com fotografias dos pratos em cartazes afixados à porta, FERRAGUDO tem ainda sentido de descoberta para quem aqui chega pela primeira vez. Tem o rio logo ali, e Portimão do outro lado, tem as artes da pesca pousadas no passeio, barquinhos fundeados ali ao largo e o cheiro a peixe e a brasas de carvão. O ar abre o apetite.
Já quase a chegar ao mar, as águas do Arade ainda banham a Praia Grande de Ferragudo. (Filipe Amorim/GI)
Renato é o mestre da grelha do Sueste, e leva o peixe e o marisco às brasas como a um altar. (Filipe Amorim/GI)
Quem conseguir refreá-lo e seguir até à última porta da correnteza de restaurantes à beira-rio não dará o esforço por mal-empregue. O Sueste está ali há trinta anos e não é à toa que se atinge tal idade. Quando começou, pela mão de Amadeu Henriques, era apenas uma dúzia de lugares, uma cozinha acanhada e meia dúzia de mesas de plástico lá fora. Hoje é uma casa de 120 lugares, poiso de eleição para figuras públicas de primeira linha e amantes da boa mesa anónimos.
O expositor de peixes do Sueste é um regalo para os amantes daquilo que o mar dá. (Filipe Amorim/GI)
Amadeu já não está, morreu há três anos, mas à frente ficou Fernando Mendes, seu gerente e amigo, que tem mantido o barco estável e na rota. O segredo? «Deixar as coisas como elas eram, não mudei nada.» A velha máxima de não mexer em equipa ganha, seja no sentido figurado, seja no literal, o das pessoas que dão a cara junto do cliente e das que estão nos bastidores. Na ementa, não há profusão de molhos nem grandes manobras culinárias, acima de tudo peixe de mar e marisco que é levado às brasas como a um altar. E especialidades como amêijoas com alho e coentros, xerém de berbigão, feijoada de buzinas aos domingos. Com a garantia de que a cozinha está aberta entre o meio-dia e as 22h00, e que qualquer hora é boa para almoçar. A vista, não importa a hora, é sempre inspiradora.
~~Entrevista~~
JOÃO VENÂNCIO
O PILOTO DA BARCA ARADE
72 anos, Portimão
(Filipe Amorim/GI)
Há quantos anos navega este rio?
Há 27 anos.
Sempre a pilotar esta barca?
A minha vida também foi a pesca, tive barcos de pesca. Tive traineira da sardinha, e fui diretor de pescas durante 12 anos.
Ainda se pesca no rio?
Já não, algumas espécies que havia diminuíram. A pesca que ainda há é a da sardinha, de cerco, mas no mar. Portimão começou por se chamar «Porto à Mão», porque era um rio muito perto do mar. Com 10 minutos de navegação em barco pequeno está ligado ao Atlântico.
O rio mudou?
A paisagem natural não mudou. O que mudou foi o assoreamento. A barragem do Arade cortou as invernadas das cheias que levavam muita coisa que se acumulava no rio. Nunca mais houve correntes suficientes para fazer uma limpeza natural. As três câmaras – Silves, Lagoa e Portimão – deviam juntar-se para fazer um forcing ao governo [para a dragagem do rio]. Isto é a única Veneza que há no Barlavento, é uma pena.
O rio era a via de comunicação entre as duas cidades?
Sim, havia muita gente que ia daqui para Silves e barcos que transportavam pessoas de Silves para vir à Praia da Rocha, as pequenas enviadas que transportavam o peixe.
Só embarcações de pequeno porte?
Tinha os meus 10 ou 9 anos, havia barcos de 350 toneladas que encostavam ao cais de Silves, para transporte de todas as mercadorias serranas, que depois em Portimão faziam o transfer para navios que ficavam ao largo da Praia da Rocha. Esses navios deixaram de encostar, porque as mercadorias também deixaram de vir. Praticamente não temos água. Agora só trabalhamos com a maré cheia ou a vazar.
MERGULHAR
Barragem do Arade
Albufeira sem praia, com pontos acessíveis
EM124-3, Barragem (Silves)
GPS: 37.24, -8.3775
Praia Grande
Praia no estuário do rio Arade (Bandeira Azul), junto ao molhe da barra
Ferragudo (Lagoa)
GPS: 37.1181, -8.5209
EXPLORAR
Algarve Selvagem
Caminhada e passeio de caiaque na barragem do Arade
Tel.: 939319975
Preço: 25/20 euros (adulto/12-17 anos)
Barca Arade
Passeio de barco Portimão-Silves-Portimão (mín. 12 pessoas)
Partida: Cais Vasco da Gama, Portimão
Tel.: 963741189
Preço: desde 25 euros por pessoa
COMER
Taberna Almedina
Rua Mousinho de Albuquerque, 2, Silves
Tel.: 282442008
Encerra à segunda
Preço médio: 20 euros
Sueste
Rua Infante Santo, Ferragudo (Lagoa)
Tel.: 282461592
Encerra à segunda
Preço médio: 35 euros
FICAR
Tapada do Gramacho
Sítio da Tapada do Gramacho, Estômbar (Lagoa)
GPS: 37.1754, -8.4678
Web: tapadadogramacho.com
Quartos duplos a partir de 80 euros
Água Hotels Riverside
Quinta das Marinhas do Parchal, Parchal (Lagoa)
GPS: 37.1413, -8.5163
Web: aguahotels.pt
Quartos duplos a partir de 58 euros
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