Caminha: Com o mar e o rio aos pés em direção a Compostela

O Caminho Português da Costa segue por meia encosta ao atravessar Caminha, mas a brisa do mar inebria os peregrinos e leva-os por outros rumos. Por vezes, até ao areal das praias. E a molhar os pés.

Ao longo dos 27 quilómetros de caminho em Caminha, o peregrino tem sempre água à vista. Mar, da Gelfa até à vila, onde desagua o Minho, e rio para norte até ao concelho vizinho. Atravessa locais emblemáticos como a Capela de Santo Isidoro, situada no percurso da ecovia do Litoral Norte, entre Vila Praia de Âncora e Moledo, junto ao oceano que se agiganta em frente, enchendo os olhos e a alma de quem passa.

Anterior ao século XVII, albergou a imagem de S. Tiago e, no exterior, está protegida por um alpendre para abrigo de peregrinos. É poiso de muitos, à passagem por uma das zonas mais deslumbrantes do caminho.

Capela de Santo Isidoro (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

 

“O Caminho Português da Costa sofre pela beleza que tem porque existe um caminho histórico que é de meia encosta, entre a montanha e o mar, e muitos peregrinos fazem esse caminho, mas muitos mais procuram ir junto ao mar”, considera Alberto Barbosa, da Associação dos Amigos do Caminho de Santiago (AACS) e responsável pelo albergue oficial de peregrinos de Caminha. E continua: “O peregrino, quando está a fazer o caminho histórico, olha para o lado, vê ali o mar tão próximo e passadiços e aproxima-se. No passado isto não podia acontecer, porque havia muitos perigos, incluindo, parece dos filmes, mas havia piratas”.

Os desvios do percurso oficial do Caminho Português da Costa para a orla marítima são explicados pela proveniência da maioria dos peregrinos. “A maioria, 75 a 80 por cento, dos que escolhem este caminho são pessoas do Norte da Europa. Da Alemanha, Eslovénia, Républica Checa, Polónia, onde não há mar e eles vêm nessa busca”, considera Alberto Barbosa, acrescentando: “Vivemos uma época em que o mar está associado a transformação, mudança de vida, renovação. E há essa procura por parte dos peregrinos de se renovarem, olhando para o mar e sentindo o cheiro a maresia”.

Ecovia do Litoral Norte (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

 

Muitos são os peregrinos que seguem a rota marítima, que termina na foz do rio Minho. A partir daí, começa outra paisagem, dominada pelo verde e pelas águas doces. Em Caminha, há quem opte por atravessar o rio de barco – de ferryboat (neste momento não está a funcionar), táxi-mar ou numa embarcação elétrica, que entrou recentemente em funcionamento -, e seguir caminho a partir da A Guarda, por território espanhol. Outros seguem o traçado histórico rumo a Valença, olhando o Minho, em terra firme.

A vila de Caminha, costuma ser ponto de paragem. De descanso nos vários alojamentos privados ou no albergue oficial, situado na Avenida Padre Pinheiro, junto ao rio e às instalações da Santa Casa da Misericórdia local. O espaço tem capacidade para 30 pessoas, abre às 14.00 horas e encerra às 22.00 horas.

E também de passeio de relaxamento ao fim da tarde, pelas muralhas, pelas ruas do casco histórico (em particular a Rua Direita) ou pela marginal, olhando o esplendoroso pôr-do-sol no rio, aos pés de Santa Tecla (monte galego do outro lado do Minho). Ou ainda de aproveitar uma das várias esplanadas existentes na Praça Conselheiro Silva Torres (Terreiro) onde apetece ficar.

 

Em terra de mar e rio, peixe e marisco costumam ser boa opção, antes do merecido sono retemperador. Entre Caminha, Moledo e Vila Praia de Âncora ou Gelfa, há muito por onde escolher. Um restaurante que garante conforto no atendimento e na comida é o ÂNCORA MAR, ali mesmo ao pé da praia. Além disso, proporciona a experiência de provar um prato surpreendente que harmoniza filetes de pescada com açorda de marisco. Segundo o proprietário, António Domingues, o “casamento” foi uma inovação sua, quando há mais de 25 anos tomou conta da casa que já existia e tinha filetes na ementa há meio século.

A carta é vasta: pataniscas de bacalhau, petingas, salada de polvo ou mariscada, como entradas, saladas, omeletes, sopas, peixes, mariscos e molucos frescos, bacalhau, e especialidades de época como a lampreia, e carnes no forno (cabritinho assado à Serra d’Arga ou vitela assada à moda antiga).

Quem caminha quer comida, água (ou outra bebida a gosto) e descanso. De Caminha até ao concelho seguinte, quem segue o caminho histórico soma cerca de dezena e meia de quilómetros. A partir da vila ainda há que percorrer Seixas e Lanhelas, duas freguesias viradas ao rio, com barcos de pesca típicos atracados nas margens.

 

Para recuperar energia há a QUINTA DA QUINHAS, um alojamento criado por André Verde, peregrino de Santiago, e pela sua mulher também peregrina, Patrícia Labandeiro, em homenagem à avó Maria de Lourdes, uma mulher especial. Conhecida por Quinhas, trabalhava na lavoura, tinha uma vacaria, mas gostava de escrever poesia e era mulher de lutas. Conta o neto André que “era feminista e esteve presa por causa do volfrâmio”, para “orgulho dos bisnetos”. E até aprendeu Inglês a ouvir cassetes, sentada ao sol, na sua casa de grandes janelas, cheia de luz natural, na zona mais rural de Vila Praia de Âncora.

O albergue e cowork rural apaixona miúdos e graúdos, “gente de todo o Mundo”, com o conforto dos cinco quartos duplos e camaratas com beliches para quatro pessoas e com camas individuais para até 12 pessoas. Mas, sobretudo, pelo bom gosto que domina os espaços. Piso, paredes, portas, janelas e mobiliário ainda mantêm muito do tempo da avó Quinhas. E no exterior também. Respira-se a poesia da antiga proprietária.

 

Hannelore Matthys | Bélgica
A peregrina belga Hannelore Matthys procurou no Caminho Português da Costa uma mudança. “Estou a caminhar para a minha nova vida”, disse, em pelo caminho junto à Capela de Santo Isidoro. Contou que tem dois filhos com 17 e 14 anos e que, por considerar que estes “já não precisam mais dela”, decidiu deixar o trabalho que tinha, em função deles, e dar a si mesma a chance de mudar. Após ter iniciado a peregrinação para Santiago de Compostela, deixou o percurso assinalado no mapa e empreendeu o seu próprio caminho. “Segui o mar e senti-me poderosa como o vento. Sinto-me livre como um pássaro. Olho só para mim e isso é totalmente novo”, comentou, referindo que escolheu Portugal porque gosta do país desde que o visitou pela primeira vez com o pai, quando tinha 10 anos. “Talvez também por causa do mar. Gosto do mar”, completou.

Peregrina Hannelore Matthys (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

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