Batalha: da vila histórica ao concelho inclusivo

Mosteiro da Batalha. (Fotografia de Maria João Gala/Global Imagens)
Um dos monumentos mais belos do país bastava para nos levar à Batalha. Mas a vila e o território que a envolve vale muito mais do que o Mosteiro, Grutas da Moeda ou os percursos pedestres. Especializou-se na vertente inclusiva, espelhada na restauração e hotelaria.

Um rendilhado de pedra seduz os visitantes a partir da antiga estrada nacional 1. Protegido agora por uma barreira (devidamente escondida por uma parede de plantas e flores), o MOSTEIRO DA BATALHA recupera, por estes dias, os milhares de turistas de que fizeram dele o monumento mais visitado no país em 2021, mesmo em tempo de pandemia. Não admira. É de uma beleza ímpar, este conjunto arquitetónico que resultou do cumprimento de uma promessa feita pelo rei D. João I, em sinal de agradecimento pela vitória na batalha de Aljubarrota, travada em 14 de agosto de 1385 – que lhe afinal lhe assegurou o trono e garantiu a independência de Portugal.

Lá dentro, tudo é belo. Por isso, dependendo do interesse, é importante reservar algumas horas para visitar o monumento, cujas obras se prolongaram por mais de 150 anos, em várias fases de construção, entre o gótico e o manuelino, com um breve apontamento renascentista. O conjunto monástico do Mosteiro de Santa Maria da Vitória apresenta atualmente uma igreja, dois claustros com dependências anexas e dois panteões reais; a Capela do Fundador e as Capelas Imperfeitas. Aí é possível apreciar uma exposição de Nelson Ferreira, alusiva a ícones neo-bizantinos, até final de outubro. Entretanto, continua patente no panteão da segunda dinastia uma exposição inaugurada no ano passado, com curadoria de Simão Palmeirim, “Almada Negreiros e o Mosteiro da Batalha – quinze pinturas primitivas num retábulo imaginado”, com os painéis de São Vicente.

“A programação cultural deste ano reflete ainda uma condição pós-pandemia, que criou constrangimentos em larga escala a todos os serviços”, afirma Joaquim Ruivo, diretor do Mosteiro, mesmo que ali não parem de acontecer concertos e exposições. Por esta altura, enquanto decorrem obras de limpeza e tratamento das fachadas dos claustros de Afonso V, no Mosteiro saboreia-se a nova loja. Era um desejo antigo, confessa o diretor, enquanto revela à Evasões que continuam sucessivamente a esgotar as inscrições para as visitas temáticas às Gárgulas do Mosteiro, guiadas pela investigadora Patrícia Alho, que permitem a visão única dos terraços e telhados do Mosteiro. Monumento nacional, integra a Lista do Património da Humanidade definida pela UNESCO, desde 1983.

À volta do monumento, a vila desenvolveu-se enredada no comércio e restauração. Há lojas diversas, que vendem recordações alusivas ao Mosteiro, mas também aos “chucha-rolhas” – como são conhecidos os batalhenses, uma alcunha que lhes vem do tempo em que os vizinhos de Porto de Mós pareciam sobrepor-se nos negócios. Com vista privilegiada para o monumento fica a loja de Ana Paula, que evoca MEMÓRIAS DE PORTUGAL.

E ali cabe, afinal, o artesanato de todo o país. Mas destacam-se sobretudo as camisolas que mandou desenhar ao ilustrador Luís Taklim, evocando as gárgulas do Mosteiro, ou a própria fachada. “Têm feito um sucesso”, conta à Evasões, numa manhã de nevoeiro que afastou muitos turistas das praias, enchendo a vila de (ainda mais) movimento do que é habitual. As esplanadas da Praça Mouzinho de Albuquerque estão lotadas, e em frente ao Mosteiro muitas famílias aproveitam o imenso espaço para deixar os mais pequenos andar livremente de bicicleta, trotineta ou patins, numa simbiose perfeita de dois mundos, junto à estátua de Nuno Álvares Pereira.

O outro mosteiro
Deixamos a vila e seguimos pelo IC2, no sentido Lisboa. A poucos minutos dali fica o MOSTEIRO DO LEITÃO, um autêntico monumento da gastronomia. Quem entra no amplo espaço daquele que é um dos primeiros restaurantes inclusivos em Portugal, não imagina que até há poucos anos ali morava uma ruína. Hoje são mais de 2000 metros quadrados envoltos em jardim, opções diversas para quem aprecia leitão e para quem prefere alternativas (através do contíguo Mundo do Peixe, por exemplo, ou opções de outras carnes, bem como veganas ou vegetarianas).

Zita Freire e Bruno Figueiredo têm escrito muitas páginas de inovação a partir da Batalha, ao leme daquele Mosteiro, desde há 15 anos. Mas foi em 2015 que ela deixou o serviço social para se dedicar (também) ao negócio do marido. Assim se explica a preocupação com com a inclusão, que lhes tem valido distinções, nomeadamente do Turismo de Portugal. Porém, o que faz a maioria dos clientes nacionais (e estrangeiros) ir e voltar é quase sempre o leitão, de produção própria, o malhado de Alcobaça. “Tem gordura q.b., pele estaladiça, e é assado aqui, em fornos de lenha, à vista dos clientes. Todo o processo é transparente”, conta Zita, que incentiva os clientes a acompanharem e fotografarem. Acompanha sempre com batata frita, risoto de cogumelos e salada. Um segredo? “Não é muito temperado nem picante. É aquele leitão que até as crianças podem comer”, explica. Porém, há muito mais para provar no Mosteiro, como a entrada de queijo, mel e nozes com bagas goji, uma trouxa em cama de salada. Ou as tentadoras sobremesas. Da extensa carta, vale a pena destacar duas sugestões: a mousse de chocolate com frutos secos e caramelo salgado, e o mil-folhas crocante de mirtilos. A vertente inclusiva do Mosteiro (cujas cartas estão em braile e incluem pictogramas) já mereceu uma tese por parte de um aluno do Politécnico de Leiria.

Da Pia do Urso às Grutas da Moeda
Uma boa forma de digerir o almoço pode começar com uma visita ao ECOPARQUE SENSORIAL DA PIA DO URSO, o primeiro do país pensado para invisuais. Localizado na freguesia de São Mamede, fica numa aldeia toda ela recuperada, e permite que todas as pessoas conheçam e se envolvem no ambiente, utilizando os outros sentidos, particularmente o tato, o olfato e a audição. Já muito próximo de Fátima, aqui a paisagem é vincadamente serrana.

Ecoparque Sensorial da Pia do Urso.
(Fotografia de Maria João Gala/Global Imagens)

E dali partimos para um dos locais incontornáveis neste roteiro: as GRUTAS DA MOEDA. Encontramos Danilo Guimarães, que há 20 anos guia os visitantes nesta viagem ao interior da terra. Também ali há uma preocupação constante com a inclusão, de tal modo que não só existe um audio-guia incorporado na visita (para além dos folhetos em braile), como uma joelette – cadeira adaptada para pessoas com deficiência ou sem mobilidade, permitindo assim que façam a visita completa. A descoberta desta gruta aconteceu em 1971, por dois caçadores que perseguiam uma raposa – que se refugiou no “algar da Moeda”. Esta gruta calcária é composta por várias galerias naturais. Tem uma extensão visitável de 350 metros, atingindo 45 de profundidade.

É em São Mamede que Júlio Rodrigues e a família cuidam do PÁTIO DO AVÔ, um restaurante de comida tradicional portuguesa que nos faz sentir em casa. Abriu portas há quase 25 anos, numa velha casa construída em 1912, recuperada e adaptada para o efeito.

Pátio do Avó. (Fotografia de Maria João Gala/Global Imagens)

Pátio do Avô. (Fotografia de Maria João Gala/Global Imagens)

Pátio do Avô. (Fotografia de Maria João Gala/Global Imagens)

Na cozinha, Alzira prepara o bacalhau assado, o arroz de pato, o peixe grelhado, as migas de couve, entre outras iguarias típicas dali. E Júlio, que de manhã trabalha numa fábrica das redondezas, é quem serve à mesa. Enquanto saboreamos um pudim de ovos caseiros de sobremesa, conta-nos como tudo começou: “quando abri isto era só para fazer uns petiscos para os amigos. Mas realmente percebi que era uma pena não partilhar com mais pessoas, e acabei por abrir o restaurante”. Aconteceu em 1998. Este verão está a funcionar apenas à hora de almoço, mas essa estende-se até ao final do dia, se preciso for. “São pessoas que vêm do norte e vão para o Algarve, e param aqui, porque já estão habituadas. Ou então que foram a Fátima”. Mas também há vizinhos, gente da terra que ali vai saborear os cozinhados de Alzira e a simpatia de Júlio.

De volta à vila, é tempo de conhecer o BURRO VELHO. Bruno Monteiro fundou este restaurante de referência na Batalha quando tinha apenas 23 anos. A verdade é que desde então (2005) foi crescendo, especializou-se na área dos vinhos, investiu na Real Garrafeira (ao lado), numa esplanada, e hoje consegue ter no mesmo restaurante dois espaços completamente distintos. Conta à Evasões toda a história da vida do Burro Velho ao sabor de uma cataplana de cherne, acompanhada de arroz branco. Nas mesas ao lado, saboreiam-se as especialidades da casa: palão fatiado, polvo à lagareiro, cabrito estonado, bacalhau lascado com polvo, arroz de peixe à casa. Quem conhece o restaurante não dispensa algumas entradas, mas talvez seja melhor guardar espaço para as sobremesas. O soberbo de abacaxi com raspas de lima e june, ou o original doce da casa (uma derivação do pudim da Batalha, à base de ovos e amêndoa caramelizada, com gelado de limão) são especiais.

A Aldeia pintada
Envoltas pela paisagem das Serras de Aire e Candeeiros, subimos até à Torre da Magueixa, a aldeia que um grupo de jovens conseguiu transformar, para orgulho dos mais velhos. Diogo (Tenório) Monteiro não encontrou apenas um amor na aldeia da Torre, quando conheceu Sandra Pereira, a namorada. Na verdade, encontrou uma paixão que não estava nos planos, à medida que foi conhecendo a aldeia, a família e os vizinhos de Sandra. O arquiteto nasceu e cresceu também numa aldeia, próxima de Pataias. É ele o motor da ALDEIA PINTADA, um projeto que mudou a face daquela localidade, desde há dois anos. “Muitas vezes em jantares de família falávamos com pessoas mais velhas, e fui percebendo que noutro tempo havia aqui muito bairrismo, e que se calhar era qualquer coisa que já se estava a perder”. A ele(s) juntam-se Mariana Menezes, de 23 anos, professora de desporto, o músico Filipe Cordeiro e a museóloga Eva Vieira, ambos de 25 anos, e a namorada, Sandra Pereira, que trabalha na área do audiovisual.

Projeto Aldeia Pintada na Torre da Magueixa. (Fotografia de Maria João Gala/Global Imagens)

Projeto Aldeia Pintada na Torre da Magueixa. (Fotografia de Maria João Gala/Global Imagens)

Entretanto, Diogo acabou por se mudar para a Torre, sentindo ainda mais a terra. Foi quando o grupo chegou à conclusão de que o melhor seria “começar a pintar as memórias nas paredes das casas de aldeia”, sendo que muitas estavam deterioradas. Passado este tempo, muitas foram recuperadas. Pelas paredes das casas estão agora as memórias dos pastores, das resineiras, e até a padroeira Santa Iria já tem um mural. Os visitantes são cada vez mais. Muitos param na mercearia do Lima, um local imperdível nesta aldeia, onde ainda se vendem copos de tinto ao mesmo tempo que pacotes de massa ou material para a escola.

No caminho para a vila fazemos um desvio até à zona industrial da Jardoeira, onde a fadista e escultora Cristina Maria embala as últimas peças para a exposição que estará patente no posto de Turismo até final do mês. “Não nasci na Batalha mas sinto-me filha da terra”, confessa, ela que estudou cantaria na antiga Escola Profissional de Artes e Ofícios Tradicionais (já extinta), onde viria a ser formadora, e que apesar de morar no vizinho concelho de Alcobaça, passa ali muitos dias. Divide agora o atelier com outros artistas, na empresa Gárgula Gótica, que há 23 anos se dedica ao restauro e conservação, cantaria artística e escultura. A nova exposição – patente até final do mês na Batalha, de onde seguirá para Ponte de Sôr – chama-se “Reflexos” e mostra o que ficou de Cristina Maria “enquanto mulher e enquanto artista” depois de dois anos particularmente difíceis para quem vivia da arte. No momento em que retoma, aos poucos, os espetáculos, e lança um novo álbum de originais, a artista não consegue escolher entre o fado e a escultura. “Ambos são parte de mim da mesma forma”. É por isso que leva as suas obras para o palco, quando canta. E é por isso que canta quando esculpe. É dela a rosácea que desde 2012 está no Convento de São Francisco, em Tomar. O verão será dela também, tanto como a Batalha será de todos os que a visitarem, por estes dias.

Villa Batalha, inclusivo e amigo do ambiente

Os tons quentes que decoram o hotel VILLA BATALHA não foram escolhidos ao acaso. Aliás, nada foi feito ao acaso naquele que é o maior hotel da vila, também ele construído a pensar na inclusão. “Todo o hotel é à cota zero, com amplitude de áreas”, refere Tiago Piedade, que dirige o empreendimento desde 2014, cinco anos depois de ter sido inaugurado. Além dessa preocupação, também a poupança energética e a redução da pegada carbónica, através da reutilização das águas estão na mira da gestão do hotel, que investiu também num parque fotovoltaico, com produção de 600 kw/dia.

Villa Batalha Hotel. (Fotografia de Maria João Gala/Global Imagens)

Villa Batalha Hotel. (Fotografia de Maria João Gala/Global Imagens)

Ao todo, são 90 quartos, distribuídos por 18 suites master, 16 junior, 35 quartos duplos e 21 twin. Junta-se um campo de golfe, uma piscina interior e spa, e um complexo de várias salas de reuniões que no inverno alteram por completo o tipo de procura do espaço. Já no verão, o hotel é procurado sobretudo por famílias. “Damos muito valor à privacidade das famílias, e por isso os nossos quartos são feitos a pensar nisso”, refere Tiago Piedade. Por outro lado, este é um dos poucos hotéis da região “preparado para ocupação pet friendly”. Cerca de 10 quartos estão nessas condições. Há também um restaurante a funcionar todos os dias e um serviço de bar.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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