Saiu de Azinhaga muito novo, com apenas dois anos, mas muita da vida e das memórias de José Saramago foram criadas nesta aldeia ribatejana, perto da Golegã, até porque era aqui que passava os verões, na casa dos avós maternos, Josefa e Jerónimo. A mesma casa que se recria na delegação da Fundação José Saramago na aldeia, que existe desde 2008, e que nos últimos anos passou a ter lugar numa antiga escola primária.
Pelas divisões, as paredes estão adornadas por excertos e citações de “As Pequenas Memórias”, o único livro autobiográfico do Nobel da Literatura (editado em 2006), e também aquele onde o escritor expressa a sua ligação à aldeia, à natureza e aos avós. Sobre a casa onde passava os meses quentes do ano em criança, chamou-lhe de “lar supremo, o mais íntimo e profundo, a pobríssima morada dos meus avós maternos” e o “mágico casulo onde sei que se geraram as metamorfoses decisivas da criança e do adolescente”.
Um dos destaques da visita é a cama de ferro original onde os avós dormiam – nos dias de maior frio, partilhavam a cama com os leitões que criavam -, mas também a recriação da arca azul que Saramago descreve no livro autobiográfico, onde os avós guardavam favas e que estava forrada no interior a folhas do jornal “O Século”, tendo sido esta a primeira ligação do autor com as palavras. A delegação conta ainda com loiças antigas doadas pelos habitantes, fotografias a preto e branco da aldeia, de Saramago ao longo dos anos e dos avós, vitrines com recortes de imprensa e a transcrição do discurso do escritor na cerimónia de entrega do Nobel, em 1998. Curiosamente, o mesmo em que começa por elogiar o caráter de Josefa e Jerónimo.
As visitas passam ainda pela zona auditório, onde se recita em vídeo a “Carta a Josefa, minha avó”, uma biblioteca e espaço de loja, onde se encontra toda a bibliografia de Saramago, somando mais de 40 títulos. Ao longo do ano, a Fundação José Saramago (que abriu na Azinhaga um ano depois da irmã lisboeta) organiza neste espaço uma programação variada, de atividades destinadas aos mais novos e escolas às sessões de cinema ao ar livre, no pátio da antiga escola.
A paixão pelas oliveiras
A poucos metros da delegação, a Rua Victor Manuel da Guia dá nas vistas pelos dois corredores de oliveiras que lhe dão vida. São 99 ao todo. A 100.ª oliveira será plantada em novembro, para assinalar os 100 anos do nascimento de Saramago, que brincava junto destas árvores durante o verão. Em novembro, todas as árvores vão ganhar nomes de personagens dos seus livros, e a primeira e última plantadas terão o nome dos seus avós.
A casa onde nasceu
Na Rua da Alagoa, uma placa fixada à porta de uma casa não deixa ninguém indiferente. “Aqui nasceu em 16-11-1922 José Saramago, Prémio Nobel da Literatura em 1998”, lê-se. Com cores branca e azul, e uma fachada forrada a azulejos, a casa particular – não está aberta ao público – já terá sido muito modificada ao longo dos anos, estando hoje diferente do que era quando o escritor nasceu, mas não deixa de ser um ponto de passagem interessante.
Um Saramago de bronze
Na primavera de 2009, um José Saramago sentado num banco de jardim, de perna traçada e de livro aberto nas mãos, veio dar novo brilho ao Largo da Praça, junto a um antigo fontanário. A estátua em bronze criada pelo artista Armando Ferreira, com um metro e oitenta de altura, foi inaugurada na presença do próprio Nobel. O escritor sempre expressou ser contra homenagens a si em vida, mas ficou agradado com o resultado da iniciativa, criada por um grupo de leitores portugueses.
Passadiços junto ao rio
O rio Almonda, que surge retratado em imagens penduradas pela Fundação José Saramago, e que muitas vezes é referenciado em “As Pequenas Memórias”, é o fio condutor do passeio pedestre e ribeirinho na Azinhaga. Ao longo de um passadiço, que inicia na Rua da Igreja e liga a aldeia à Ponte do Cação, caminha-se entre arvoredo e painéis de azulejos com citações de Saramago.