Porque Aveiro é mais do que o postal urbano de canais num vaivém de moliceiros, começamos este roteiro para lá da cidade. Saímos do Cais do Sal em direção a uma ria que anda à sua vontade, indomada pelo Homem, e aos seus mais de 200 quilómetros navegáveis. A embarcação elétrica da STERNA, movida a energia solar, entra devagar e silenciosamente num dos esteiros, sem incomodar a fauna que por lá anda, e por isso, uma das vantagens do passeio é a possibilidade de observar diversas aves no seu habitat natural. A olho nu, ou com o auxílio dos binóculos a bordo, vamos vendo pequenos borrelhos a saltitar na lama, colhereiros e garças a esvoaçar, flamingos altivos, e com alguma sorte, também águias pesqueiras, nos seus poleiros, a observar as presas. Na zona do antigo Salgado da ria de Aveiro, “chegaram a existir mais de 300 marinhas de produção de sal”, comenta Sandra Oliveira, enquanto deslizamos tranquilamente na laguna, a admirar a paisagem. Desses tempos resistem ainda alguns palheiros, onde os marnotos – trabalhadores das salinas – pernoitavam durante a temporada do sal.
As histórias da ria vão embalando o passeio, intercaladas com momentos de sossego para apreciar o silêncio, o afago do sol e o sopro do vento outonal na cara. O percurso dura, no mínimo, 45 minutos, e pode ser acompanhado com os sabores da região: salicórnia, espumante da Bairrada, ovos moles e raias. Mas há programas mais demorados, com almoço a bordo, e outros feitos à medida, para até 10 pessoas, idealizados por Sandra e pelo marido Estêvão Castro. “O meu marido vinha pescar com o pai desde criança e conhecia a ria muito bem, e sempre sonhou ter um projeto aqui nesta maravilha que nós estamos a navegar agora”, comenta a guia. Apaixonados por aquelas águas, só lhes fazia sentido mostrar o seu encanto sem perturbar o ecossistema, daí escolherem um barco solar, certificado pela Biosphere em turismo responsável, e pelo terceiro ano detentor de bandeira azul.
De regresso ao Cais do Sal, querendo prolongar o contacto com a ria, subimos a outro barco para fazer a travessia do canal até à Marinha Passagem, e ao renovado OSTRAVEIRO, agora sob o comando de Cristina Francisco. Nascida e criada em Paris, a saudade dos verões passados em casa dos avós levaram-na a deixar a capital francesa pelo centro de Portugal; e as vicissitudes da vida fizeram-na trocar a carreira como profissional de cabeleireiro e estética pelo mundo da renovação e da imobiliária. Foi quando a propriedade lhe veio parar às mãos para vender, que Cristina se encantou por este lugar, longe de saber que o grupo francês que a adquiriu a convidaria para tomar as rédeas do projeto.
Cristina tratou logo de renovar o jardim relvado e o espaço de degustação, com vista panorâmica para as marinhas que se desenrolam para dentro da ria, e onde se podem provar as ostras produzidas ali, ao natural e em diversas outras preparações – com gengibre e mel, panadas, gratinadas -, entre outros pratos, com especial destaque para os bivalves e produtos do mar, e uma sobremesa ousada que junta dois ícones da cidade: gelado de ovos moles com salicórnia.
Quem quiser estender ainda mais a visita pode pernoitar num dos quatro barcos-casa, que acolhem até quatro pessoas. Estas suítes flutuantes integram um quarto envidraçado, voltado a poente, uma sala com kitchenette, com vista para as salinas, e um terraço com espreguiçadeiras para ficar a saborear o cenário. Em breve, um primeiro passo no objetivo de crescimento do projeto, será juntar uma outra embarcação, que vai permitir criar experiências à medida, em diferentes locais da ria. Cristina dá exemplos: um evento privado, com jantar a bordo, acompanhado por um violinista; um cocktail ao pôr-do-sol. “Tudo se pode imaginar, tudo é possível”, garante a anfitriã.
A intenção é transformar a Ostraveiro num refúgio abraçado pela ria, onde se vai com tempo. O cenário assim o exige: ao anoitecer, o horizonte pinta-se de rosa e a luz dourada reflete na água, com um efeito encantatório. É difícil dizer-lhe adeus, mas há ainda muito a conhecer.
Outro desvio merecedor, antes de mergulharmos nas propostas urbanas, é o novo SKOPE – MUSEU DE MEDICINA E SAÚDE, instalado na Quinta de Aradas, num belíssimo edifício do século XIX, onde viveu o médico Hermes de Oliveira Castanhas, aficionado colecionador de objetos ligados à história da medicina.
De forma a dar continuidade e divulgar o legado do pai, Francisco Castanhas e a mulher Rita Gíria decidiram criar a Fundação Casa Hermes, que além de outros projetos na área da educação para a saúde, abraça também o recém-inaugurado Skope, onde a coleção do Dr. Hermes ganha um novo impulso. “Todo este projeto começa com ele enquanto estudante na Universidade de Coimbra a colecionar, na década de 1950”, conta Rita. “A história da medicina era a sua grande paixão e transformou-se mesmo numa missão de vida, porque ele estudava muito, restaurava as peças e gostava muito da parte da divulgação”, continua. Ao longo da vida, reuniu cerca de 1800 peças, das quais apenas 30% se encontra em exposição, ao longo de várias salas temáticas, referentes a marcos históricos da evolução da medicina, desde a figura do barbeiro-cirurgião, na Idade Média, até à invenção da anestesia e das primeiras vacinas. Já o piso superior debruça-se sobre a educação para a saúde, através de jogos interativos que sensibilizam os visitantes a adotar hábitos de vida saudáveis.
Entre linhas de romance e novas mesas
Sendo o sono um dos fatores que influenciam a qualidade de vida, ter uma boa noite de descanso é indispensável, e no centro da cidade encontramos o lugar ideal para recarregar baterias num antigo palacete do século XVIII, onde terá vivido família de Eça de Queirós, agora renascido como MS COLLECTION – PALACETE DE VALDEMOURO. O romancista português inspira pois toda a atmosfera deste novo hotel de cinco estrelas – o primeiro na cidade -, e se é a cultura que aqui nos traz, não podíamos ter escolhido melhor refúgio.
Logo à entrada, uma biblioteca convida a consultar diversas obras da literatura portuguesa, entre elas, claro, alguns títulos de Eça, que os hóspedes podem ler ali, ou levar para os quartos – são 39 no total, e alguns conservam ainda os bonitos tetos trabalhados em estuque. A obra do escritor dá também vida a dez suítes temáticas, batizadas com nomes de personagens dos seus livros, e com uma decoração a condizer. O quarto Jacinto Tormes, por exemplo, evoca o fidalgo português, protagonista do romance “A cidade e as serras”, que viaja de Paris para a aldeia de Tormes, com elementos alusivos à viagem, como uma escrivaninha em forma de maleta.
Todo o hotel é uma ode ao autor, como mostra o mural com o rosto de Eça de Queirós, esculpido por Vhils, que espreita pelas janelas da elegante sala do restaurante PROSA. Além da carta com assinatura do chef Rui Paula, focada nos produtos locais e em especial do mar, acontecem regularmente eventos que reforçam o pretexto para uma visita, como as noites de fado – a próxima está marcada para este sábado, dia 2 de novembro -, os jantares vínicos e ainda os jantares queirosianos, uma iniciativa gastro literária que floresceu da Capital Portuguesa da Cultura. O evento, que termina com uma tertúlia literária, regressa dia 29 de novembro, com um menu de degustação especialmente criado para a ocasião, com pratos inspirados nas referências gastronómicas das obras de Eça, como o “bacalhau com grão e pimentos”.
O fiel amigo é também a estrela do SOLAR DO BACALHAU, uma das novas mesas que vieram reforçar a oferta enogastronómica da cidade. A ementa contempla mais de 30 pratos de bacalhau – longe das 1001 receitas, mas ainda assim extensa -, que fazem brilhar cortes como o lombo, a posta, a badana e o rabo. Destacam-se as confeções mais tradicionais, seja o bacalhau à lagareiro, as pataniscas com arroz de tomate ou o bacalhau à Brás, mas também propostas mais criativas, como o lombo servido com cebola refogada em vinho do Porto, e queijo da Serra, ou o que leva crosta de nozes e alecrim. Mais ou menos clássicos, ganham todos pelo ponto de sal, pela suavidade e as lascas perfeitas.
Outra casa onde mora a criatividade é o FLOWER GARDEN, que salta desde logo à vista pelo rosa vibrante que lhe cobre as paredes no exterior. As flores marcam a decoração no interior, no bar servem-se cocktails de assinatura, e na cozinha as inspirações chegam de de várias latitudes, como comprovam os saborosos tacos de atum, os pastéis de massa tenra de leitão, ou o pevidotto de polvo.
Para os amantes da carne, acaba de nascer no bairro da Beira-Mar o GONZALLO’S – o nome surge da proximidade com a capela de São Gonçalinho -, uma steakhouse focada na qualidade da matéria-prima e no bem-estar do animal. Todas as carnes que ali entram são escolhidas a dedo, em particular os “Especiais Nacionais”, uma seleção rotativa de raças autóctones portuguesas, maturadas ali mesmo, durante 45 dias. Os restantes cortes têm diversas proveniências, mas todo o percurso do animal é conhecido, desde o criador até à mesa. Já a preparação, garante o chef Laureano Gomes, não tem que enganar, é ir à grelha e não estragar o produto.
Quem não come carne também fica bem servido, com uma suculenta bifana de atum, ou um rico caril vegetariano. Para acompanhar, há uma seleção eclética de vinhos nacionais, mas com especial destaque para os tintos e espumantes da Bairrada.
Esta região vínica é também uma das favoritas de Natália Khrestenkova e Sergei Khrestenkov, que escolheram Aveiro para mudar de vida. A designer e o arquiteto russos já eram fãs dos vinhos do enólogo Luís Pato, que conheceram nas suas experiências enófilas em São Petersburgo, e quando decidiram abrir um wine bar na cidade dos canais, deram também lugar a algumas referências do produtor bairradino. Toda a seleção do WINE WINGS, é feita de acordo com o gosto do casal: só vinhos portugueses, muitos naturais, e todos eles especiais. “Este é o meu novo Pét-Nat favorito”, elege Natália, pegando numa garrafa de Funky Moscatel Galego, da Portugal Boutique Winery.
A lista de vinhos irá mudar em breve, para acomodar as novas descobertas do casal, que convida não só turistas mas também os locais a parar por ali a qualquer hora do dia – talvez até antes ou depois de ir assistir a um espetáculo no vizinho Teatro Aveirense -, para desfrutar descontraidamente de um copo de vinho. Experimentar, sem medo de conhecer coisas novas, abre por vezes portas a belas surpresas.
Meter as mãos no barro
Pelo menos uma vez por mês, Maria João Cravo abre portas do seu estúdio soalheiro, na Avenida Dr. Lourenço Peixinho – principal artéria da cidade -, para ensinar a fazer bonitas peças de cerâmica. Os workshops debruçam-se sempre sobre uma técnica diferente e permitem levar para casa um vaso, um prato, ou até um conjunto de pequeno-almoço. A artesã deixa apenas um aviso: “É um processo de desaceleração, o barro tem o tempo dele”, e por isso é para ir sem pressa (em média o workshop dura três horas). A experiência pode ser adaptada a grupos, e a eventos específicos, como despedidas de solteira. O espaço funciona também como showroom da sua marca de bijuteria e objetos decorativos PÁSSARO DE SEDA. Outra forma de os encontrar, além da loja online, é no Creative Mini Market, um mercado que reúne vários criadores da cidade nos claustros da Igreja da Misericórdia e cuja próxima edição acontecerá no fim de semana anterior ao Natal.
Livros ilustrados para miúdos e graúdos
Foi a paixão pelos livros que levou Francisco Vaz da Silva a abrir uma livraria especializada em livros ilustrados. Já foi editor e designer, e já escreveu e ilustrou os seus próprios livros. Agora, na GIGÕES & ANANTES, é curador de mais de cinco mil títulos, direcionados a crianças e adultos, cada qual com ilustrações encantadoras, capazes de maravilhar todas as idades. Apresentações de livros, sessões de leitura e workshops de ilustração também integram com frequência a agenda do espaço, assim como as exposições de marionetas artesanais de Jorge Sequeira.
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