A nova vida de Alfama e Mouraria: um roteiro pelas novidades

Tasca Baldracca. (Fotografia de Reinaldo Rodrigues/GI)
Três anos depois, a cidade volta aos festejos em junho, com as Festas de Lisboa e os Santos Populares. Ao entusiasmo pelo regresso à folia popular na rua, juntam-se as novidades que têm trazido sangue novo a Alfama e Mouraria, dois epicentros das festividades, entre novas mesas, camas, exposições e cerâmicas.

Por estes dias, para além dos manjericos, do cheiro a sardinha assada, da música na rua e de um céu feito de fitas e bandeirolas coloridas, que tão bem caracterizam a capital durante o mês de junho, vive-se um regozijo em dose tripla, para compensar a pausa forçada dos últimos dois anos. A ajudar à festa, no ano da retoma dos Santos Populares, e com o arranque das Festas de Lisboa e o Santo António à porta, há sangue novo a correr pelas ruelas de Alfama e da Mouraria, dois dos epicentros das festividades.

Junto ao Largo de São Miguel e à igreja homónima, um dos locais onde mais foliões se concentram em Alfama, uma das novidades do bairro veste-se de camadas ecléticas, juntando restaurante, bar, galeria de arte e venda de roupa vintage em segunda mão. “É uma casa cultural onde se come bem”, explica Matheus Veronez, um dos donos do ANTÙ, o irmão mais novo do espaço homónimo que abriu no Cais do Sodré, há um ano. Num edifício histórico que sobreviveu ao terramoto de 1755 – e que conserva ainda arcadas e fontanários, por exemplo -, aposta-se num ambiente descontraído e familiar onde há brunch ao longo de todo o dia.

Antù é o novo espaço verstáil de Alfama, reunindo comida, bebida, exposições e roupa em segunda mão. (Fotografias de Rita Chantre/GI)

A esplanada do Antù, junto à Igreja de São Miguel.

A carta é criada pela irmã de Matheus, Christine, uma chef que já passou por restaurantes Michelin como o espanhol El Celler de Can Roca, e inclui também petiscos e pratos como hambúrgueres em bolo do caco, asas de frango com especiarias e teriyaki, bagels de salmão ou cogumelos, bacalhau à Brás, gnocchi com molho de queijo azul ou as lentilhas com arroz, cebola crocante e chouriço. Ao café de especialidade juntam-se os dez cocktails de autor da casa, cervejas e sangrias, companhia perfeita para a acolhedora esplanada, protegida dos dias de muito calor pela sombra de uma parreira.

Neste edifício de três pisos, onde funcionou na década de 1970 o Cota de Armas, conhecido restaurante de Filipa Vacondeus, a viagem segue pela escadaria que acolhe as exposições temporárias, com pinturas pelas paredes, pela antiga garrafeira que é hoje uma instalação imersiva, pelos cabines de roupa em segunda mão e por duas salas de estar, uma destas revestida com azulejaria centenária e preservada. Depois de ter gerido mais de 10 restaurantes e bares no Brasil, e com duas casas compostas em Lisboa, Matheus Veronez não se fica por aqui, e já planeia expandir o seu Antù a uma terceira morada, na Invicta.

Matheus Veronez é um dos responsáveis pelo espaço, situado num edifício histórico.

Os cocktails de autor são um dos pilares do Antù.

A poucos metros dali, junto à Sé, aposta-se na cozinha contemporânea. A espinha dorsal é portuguesa, mas tem salpicos de influências de outras cozinhas do mundo. No recente SANTA, a cozinha é liderada por Pedro Couto que, entre moradas aquém e além-fronteiras, passou pelo Michelin parisiense Le Baudelarie. Na esplanada e no interior do arejado restaurante, com as portadas abertas, chegam à mesa petiscos como ceviche de peixe do dia com leite de tigre, chalota, malagueta, coentros, puré de abacate e uma telha de tinta de choco; tártaro de lombo de novilho; tacos de ossobuco cozinhado lentamente durante cinco horas; a sardinha em crosta de milho crocante; além de pratos principais como o polvo glaceado em molho de ostra com arroz de clorofila; peixe-espada de São Jorge em cama de espinafres e lascas de amêndoa; lombinhos de porco alentejano com molho agridoce e Queijo da Serra; a picanha Black Angus e a perna de pato confitada com risoto de laranjas do Algarve.

Pedro Couto é o chef do restaurante Santa, em Alfama. (Fotografias de Reinaldo Rodrigues/GI)

O peixe-espada de São Jorge em cama de espinafres e lascas de amêndoas é um dos pratos da casa.

As figuras de santas, espalhadas pelo espaço, além de peças de decoração vintage, equilibram-se com detalhes mais modernos, como as cadeiras em veludo. “O nome vem da nossa localização, por estarmos rodeados da Sé e de várias igrejas, e pela noção de que a comida é algo abençoado”, explica Danilo Dantas, um dos donos, que já passou pelo Clássico, restaurante de praia de Olivier em São João da Caparica. Uma das vantagens do restaurante é o facto de não fechar a cozinha, possibilitando brunch durante a manhã e petiscos e pratos ao longo do resto do dia, sem pausas.

O restaurante recente está situado a dois passos da Sé de Lisboa.

O pato confitado com risoto de laranja é outra das novidades do Santa.

 

Cerâmica e mesas novas Mouraria

Há sete anos, quando visitou Lisboa de férias, apaixonou-se de tal forma pela cidade que decidiu trocar Paris pela nossa capital, em 2019. O resultado dessa mudança de vida concretizou-se há uns meses, com a abertura d’A LOJA AZUL, situada no coração da Mouraria, onde Julie Ferré junta cerâmicas, ilustração, tapeçaria, livros, sabonetes e outros produtos artesanais, a maioria portugueses, mas também vindos de outros territórios do Mediterrâneo.

Julie Ferré é uma das responsáveis pel’A Loja Azul, uma das novidades da Mouraria. (Fotografias de Reinaldo Rodrigues/GI)

Na loja, há cerâmicas, tapeçaria, joias, mel e outros produtos, a grande maioria nacionais.

A olaria é um dos pilares da casa, vendendo-se peças decorativas e utilitárias como jarras, copos ou pratos, vindos ora do Alentejo, do Porto ou de Lisboa. “Tenho criações com toque tradicional, mas corres mais modernas, mas também objetos mais minimalistas”, conta a dona. Na loja, também cabem os tapetes peludos de Torres Novas, à base de tecidos reciclados, o mel da zona de Castelo Branco, sabonetes de Viana do Castelo com aromas a jasmim, violeta ou amêndoa, e ainda joias de artesãos lisboetas, roupa e acessórios da Tunísia, livros de cozinha e guias, a preços variados para todas as carteiras.

Umas portas abaixo desta, nasceu um restaurante que tem causado burburinho na boca dos amantes da gastronomia. É no bairro onde sempre viveu, desde que chegou a Portugal, há oito anos, que Pedro Monteiro abriu a TASCA BALDRACCA. “Adoro esta zona mais pura de Lisboa. Há algo nesta rua que fala comigo”, explica o também responsável pela cozinha da Fábrica da Musa e elemento do coletivo de jovens cozinheiros New Kids On The Block, que já passou por casas lisboetas como a Taberna Sal Grosso e o Via Graça.

Pedro Monteiro, Bruno Gama e Octávio Delmonte, o trio responsável pela Tasca Baldracca, novo restaurante da Mouraria. (Fotografias de Reinaldo Rodrigues/GI)

O tártaro de novilho é um dos petiscos da casa, que tem forte influência ibérica, mas também de outras latitudes.

No novo projeto, tem como braços-direitos Bruno Gama, que passou por moradas do chef Kiko Martins, e Octávio Delmonte, que deixou a cozinha Michelin espanhola para rumar a Lisboa. Nesta pequena taberna descontraída, onde não faltam prateleiras com livros de gastronomia, quadros à venda pendurados pelas paredes e frases escritas provocadoras como “o fine dining está morto”, a carta tem uma génese ibérica como base, mas com apontamentos de outras cozinhas do mundo, inclusive a brasileira. Afinal, os três sócios são todos de Minas Gerais, mas – quis o destino – só se conheceram por cá.

Na parede, o quadro escrito a giz vai dando conta dos pratos da casa. Tártaro de novilho com maionese de anchovas e massa de pastéis de vento, xerém de pato, leitão com laranja e funcho, ovos escoceses com morcela e chutney de maçã, polvo à galega e a tarte de queijo com goiabada são alguns dos petiscos, aos quais se juntam outros testes semanais, que podem depois entrar na carta fixa – caso dos camarões grelhados com molho de moqueca e o prato que junta ervilhas, wasabi e amêndoa. “Servimos aquilo que gostamos de comer”, afirma Pedro. No final da refeição, o bem receber estende-se à oferta de um digestivo ou licor, como acontece com a ginjinha que o próprio dono produz.

A Tasca Baldracca fica situada na Rua das Farinhas.

Os ovos escoceses com morcela e chutney de maçã, outra das propostas da Tasca Baldracca.

 

Pelo Largo de Santo António

O mural florido que anuncia a entrada do MUSEU DE LISBOA – SANTO ANTÓNIO, um dos seus polos culturais, é paragem obrigatória para centenas de selfies de turistas, todos os dias. Afinal, o Largo de Santo António da Sé, onde se situa a Igreja de Santo António, onde o mesmo terá nascido, no século XII, desperta curiosidade entre os transeuntes. No edifício pombalino onde funcionou, em tempos, o Museu Antonino, existe desde 2014 este polo dedicado ao santo padroeiro da cidade, dando a conhecer-se a sua vida – incluindo a metade da sua vida passada na capital, cerca de 20 anos – e percurso pelo mundo em painéis com cronologias e árvore genealógica.

O Museu de Lisboa – Santo António abriu há oito anos, no largo onde se acredita que o santo tenha nascido, e tem novidades na agenda.

A selfie obrigatória no mural florido à entrada do museu.

Pela exposição fixa, somam-se um sem-fim de obras dedicadas à temática antonina, das estátuas com várias interpretações, do século XVI ao XVIII, pinturas alusivas aos seus milagres, pautas musicais das Marchas, inspiradas em si, notas, moedas, azulejaria e cartazes de publicidade. No museu gerido por Pedro Teotónio Pereira, destaque ainda para a recriação de uma procissão de Santo António, com mais de 300 peças, pelas mãos dos Irmãos Baraça, dois ícones do Figurado de Barcelos. Mas no mês em que o santo está nas bocas do povo, não faltam novidades no museu: desde logo a exposição temporária “Vitrum”, com peças em vidro decoradas à imagem do santo, ora do acervo do museu, ora encontradas em escavações na cidade, está disponível até dia 19. A partir de dia 18, chega uma exposição recheada de peças exclusivas dedicadas a Santo António, do ceramista Delfim Manuel, e, ao longo do mês de junho, há atividades gratuitas como leituras de crónicas e textos, visitas orientadas, oficinas familiares e percursos pelos tronos de Santo António espalhados pela cidade – basta espreitar o site oficial.

A exposição temporária “Vitrum” está disponível até dia 19 de junho.

Pedro Teotónio Pereira é o diretor do núcleo de Santo António do Museu de Lisboa.

No mesmo largo, o DEAR BREAKFAST abriu a sua maior casa – depois das moradas no Chiado e na Bica – até agora. Trata-se do projeto de Julien Garrec, parisiense que se apaixonou pelas sete colinas, para as quais trouxe o seu espaço “eggcentric”, mostrando a versatilidade dos ovos, com propostas de pequeno-almoço e brunch que podem ser provados durante todo o dia, sem ceder a pressas nem horários apertados. No novo espaço arejado e amplo, onde cabem 120 comensais, entre esplanada e duas salas interiores, provam-se os ovos Benedict ou Royal, servidos em brioche e molho holandês, o primeiro com bacon e o segundo com salmão. Mas também mexidos, em omelete, em sanduíche ou Florentine (escalfados com espinafres, croutons e molho holandês. Tostas de abacate; ovos fritos com salsicha, batata, feijão preto, tomate e cogumelos; panquecas doces e salgadas; e a burrata com folhas de manjericão, tomate e molho de trufas são outras propostas da casa, que tem as suas três moradas cheias a ritmo constante.

O Dear Breakfast abriu a sua terceira morada na capital no Largo de Santo António. (Fotografias: DR)

Julien Garrec é o dono do espaço que serve brunch e pequeno-almoço ao longo do dia.

 

De copo na mão

A escassos minutos a pé do Miradouro de Santa Luzia, um dos pontos panorâmicos por excelência em Alfama, convivem agora cerca de 200 referências vínicas debaixo do mesmo teto, alinhadas numa garrafeira na parede. O SEIS é um novo winebar, situado no primeiro piso do Solar dos Mouros Lisboa Boutique Hotel há cerca de um mês, e vem dar palco aos vinhos portugueses, com forte incidência no Douro e no Alentejo. Diversificar a oferta é uma das prioridades. “Tenhos vinhos premiados e conceituados, mas nenhum muito conhecido, e inclusive vinhos do Algarve e de Colares, o que não é muito comum”, explica Bruno Teixeira, dono.

O Seis é o novo winebar de Alfama que junta referências vínicas às tábuas e petiscos. (Fotografias: DR)

O Seis está no primeiro piso do Solar dos Mouros Lisboa Boutique Hotel. (Fotografias: DR)

Para acompanhar o serão há noites de fado e atuações regulares de bossa nova e jazz, sem esquecer os petiscos de Samuel Sousa, chef que estagiou no Belcanto (duas estrelas Michelin), e que traz à mesa clássicos como gambas à guilho, pica-pau de novilho, pastéis de bacalhau, croquetes e rissóis de carne ou a morcela com maçã caramelizada e um fio de whisky, para ajudar a dar ritmo à tarde ou noite.

A paixão pela mixologia leva-nos de volta à Mouraria, antes da subida até à zona do castelo. É na porta 32 da Rua de São Cristóvão que Alf del Portillo e Marta Premoli, um casal de bartenders, ele basco e ela italiana, dão asas à criatividade nesta nova vida em Lisboa, onde decidiram viver no pós-pandemia, depois de passagens por Amesterdão e Londres. No recente QUATTRO TESTE, os cocktails de autor homenageiam as origens de Alf e Marta, que já navegam no mundo dos shakers desde os 16 anos.

Alf del Portillo e Marta Premoli são os donos do Quattro Teste, o recente bar da Mouraria. (Fotografias: DR)

Aos cocktails de autor da casa, junta-se a cidra basca à pressão e os petiscos.

No espaço pequeno e intimista, provam-se clássicos da mixologia, como o negroni, e os de assinatura, como o Usoa (vinho Astobiza Txakoli, vinho Tio Pepe, sumo de toranja-rosa) e o Kalimotxo (vinho tinto de Rioja, refrigerante e framboesas). Além disso, há cidra basca à pressão, mais seca e assemelhar-se mais a um vinho, mas também petiscos para harmonizar, bem fiéis aos pintxos bascos e ao aperitivo italiano, como os croquetes de polvo e chouriço e as azeitonas salpicadas com vermute. O balanço dos primeiros meses não podia ser mais positivo. Afinal, a dupla complementa-se. “Eu sou a mais organizada, ele é o mais criativo”, conta Marta, entre risos.

 

Novas camas no bairro antigo

No centro de Alfama, Lisboa é homenageada através das suas artes e ofícios, mas também de São Vicente, que é o santo padroeiro do Patriarcado de Lisboa [que inclui o distrito de Lisboa e a parte sul do distrito de Leiria, enquanto Santo António é o padroeiro só da cidade]. O santo mártir de Saragoça morreu no século IV em Valência, durante a invasão muçulmana à Península Ibérica, e o seu corpo foi colocado num barco, dando à costa em Sagres. D. Afonso Henriques terá recuperado depois as ossadas do santo, transportando-as para a capital e colocadas no Mosteiro de São Vicente de Fora. A estátua deste santo, exposta à entrada do SÃO VICENTE ALFAMA HOTEL, dá as boas-vindas a quem chega ao quatro estrelas, que abriu em Alfama no final do ano passado.

O São Vicente Alfama Hotel tem 22 quartos. (Fotografia de Leonardo Negrão/GI)

E se nos 22 quartos se aposta numa decoração moderna, a tradição continua visível, com apontamentos de azulejos fabricados localmente, e que podem ser comprados na receção. O palco que se dá à azulejaria alfacinha continua nas zonas comuns, como mostra a Wellhouse, a sala que junta livros de viagens e de gastronomia, workshops de cerâmica, degustações e exposições focadas no azulejo. Todos os dias, o hotel sugere uma dica de programa para os hóspedes conhecerem a cidade. E com razão. Não faltam novidades no bairro.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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