A Lisboa clássica: Roteiro de uma portuense em Lisboa (Dia 2)

Os pastéis de nata da Pastelaria Santo António ganharam este ano a 11.ª Prova Nacional do Pastel de Nata. (Fotografia: Filipa Bernardo/GI)
Com uma personalidade inigualável, a capital portuguesa é grande, luminosa, diversa. Aqui há tradição e modernidade, muitos turistas e locais orgulhosos da tradição - do azulejo ao pastel de nata. Mas também há francesinhas. Segundo roteiro de uma reportagem de três partes.

Se na Baixa portuense já é difícil fugir ao turismo, em Lisboa nem vale a pena tentar. Por isso, metemo-nos no coração da zona histórica para “turistar” e descobrir o que há de tradicional e de moderno na capital. E na Rua de São Vicente, a oficina de Cristina Pina conjuga ambos. A ceramista abriu o espaço há 11 anos, numa altura em que pouco acontecia naquela zona. “Isto era uma antiga farmácia e quando vim para aqui não foi a pensar no turismo, até porque não havia aqui ninguém. Nem sequer isto era uma loja”, conta a Cristina, que começou a aprender as artes do fogo na Escola Artística António Arroio.

 

Em uma década, a cidade mudou e a OFICINA SÃO VICENTE também, “excepto na forma de trabalhar”, diz. Antes, era uma pessoa a trabalhar, agora são três, e decidi ter uma parte de loja, onde se vende “peças decorativas com utilidade”. Não faltam encomendas, como a que se estava a ultimar quando entramos. Na mesa de trabalho, réplicas de fumeiros de peixes, tradicionais painéis do século XVIII que enfeitavam as cozinhas, lembram que o interesse por esta arte está cada vez mais vivo, depois de uma fase em que não se dava muita importância à arte. “Agora, o artesanato, em geral, está em alta e até há estudantes de arte ou arquitetura que perguntam se podem vir para aqui trabalhar para aprender”. Quem quiser aprender sem ser a trabalhar, pode frequentar os workshops orientados por Miguel Moura, filho de Cristina, que desde cedo se começou a interessar pela azulejaria. Aliando esta a outra das suas paixões – o skate – Miguel começou recentemente um projeto chamado Fachada 31. A ideia é recuperar tábuas de skate e decorá-las com azulejos para fins meramente decorativos. Outro dos projetos é trabalhar padrões diretamente nas tábuas, estas para serem utilizadas por skatistas. “A cerâmica não é uma coisa que está no passado”, lembra Cristina.

O que é tradicional de Lisboa está, na verdade, muito na moda. E isso percebe-se quando a 10 minutos a pé da oficina, junto ao Castelo, muitos tuk tuks e grupos de turistas param em frente à PASTELARIA SANTO ANTÓNIO. A razão é simples, os pastéis de nata desta confeitaria, aberta em 2017, ganharam este ano a 11.ª Prova Nacional do Pastel de Nata. O pasteleiro Sérgio Nascimento, braço direito do chef Luís Ascensão, que está à frente da produção, diz que quem por lá passa admite que “estes são realmente os melhores. O nosso folhado é muito bom, mesmo estaladiço. O creme tem um toque secreto” e o conjunto funciona.

 

Uma curiosidade é que aqui, os pasteleiros trabalham à vista de todos. “No início, fazia-me confusão, com as pessoas a fazer perguntas e a fotografar, pois estava habituado a estar no backoffice, agora já me habituei”. Não há um momento de descanso aqui, pois, por dia, são vendidas 2500 a 3000 natas.

Passado e presente também se unem naquela que é uma das mais antigas marisqueiras de Lisboa, a RIBADOURO, um “clássico da Avenida”, como lhe chama Maria Carvalho Martins, do grupo Portugália, que desde 1947 é proprietária do espaço. A longevidade da casa, que continua a ser um dos restaurantes favoritos dos lisboetas, prende-se com a sua história. Alberto Mota, gerente do espaço, conta como ali chegou. “Estou cá há 32 anos, vim como empregado de balcão e ao fim de dois anos houve oportunidade de passar para as mesas”. Depois de mais de duas décadas a servir, é, desde há três anos, gerente. Histórias do espaço, sabe várias, desde os tempos áureos do Parque Mayer, mesmo ali ao lado, quando atores famosos faziam dali poiso e ponto de encontro antes e depois dos espectáculos. Até à revolução de Abril, quando a casa começou a ser gerida pelos trabalhadores, em cooperativa. “Os trabalhadores pagavam o aluguer e faziam exploração direta. Sempre correu bem. Em 2001, achámos que fazia sentido voltarmos a fazer nós a exploração direta”, conta Maria Carvalho Martins. Não é só de história que o espaço vive, é também do rigor com que o marisco é tratado, desde a recepção até chegar à mesa do cliente. O camarão tigre e a lagosta são os best sellers da casa, que também serve muito marisco português: os percebes vêm das Berlengas, do Cabo da Roca ou Aljezur ou a amêijoa da Ria Formosa.

Marisqueira Ribadouro (Fotografia: Filipa Bernardo/GI)

 

Para cumprir um roteiro turístico também não há como fugir ao fado. No DOM AFONSO O GORDO, em noite de semana, o jantar atrai turistas de várias partes do mundo. E percebe-se porquê: as arcadas do século XVIII, a meia luz convidativa e as vozes dos fadistas cheiram mesmo a Lisboa. Até porque são o testemunho de um tempo em que esta se começou a definir, esteticamente, no que hoje é. “Antes do terramoto de 1755 já existia aqui um edifício, do qual sobreviveram algumas paredes, uma delas é a que está no bar, que fossilizou quando o maremoto que se seguiu ao terramoto aqui chegou. Tudo o resto foi reconstruído pelo Marquês de Pombal, que fez aqui as suas cavalariças”. Quem conta a história é Fábio Gomes, gerente da casa e, recentemente, também chef de cozinha (a par de João Fragoeiro). O seu nome não será estranho a muita gente. Foi um dos finalistas do mais recente Masterchef Portugal, experiência que mudou a sua vida.

 

O chef, que está a apresentar uma carta com novidades que fogem à pura cozinha tradicional, conta que estudou gestão hoteleira há 15 anos, no Canadá. A sua paixão era, na verdade a cozinha, mas naquela época, esta “não tinha o impacto que tem hoje nem a nível monetário nem de carreira”. Depois de 10 anos a trabalhar em gestão, “apareceu-me em pop up o telefone do Masterchef Portugal”, diz. Inscreveu-se e quando deu por isso, “estava numa casa, fechado com 15 pessoas”. “Tive formações com grandes chefs de cozinha, como o Avillez, o Sá Pessoa, o Rui Paula, Ficamos dois meses e meio a ter formações a fazer viagens gastronómicas. Depois dessa experiência, não fazia sentido voltar a vestir um fato e ficar sentado no escritório. Claro que tinha de ir para a cozinha”.

Chef Fábio Gomes (Fotografia: Filipa Bernardo/GI)

 

Nos pratos que entraram agora na carta, reinventa-se um pouco a tradição. “Não deixa de ser uma cozinha de sabores tradicionais, mas tem um pouco da minha história e da história do João. É impossível fazer uma cozinha tradicional crua e dura, não é a nossa essência de cozinha. Usamos os sabores tradicionais, os elementos estão lá, mas com um twist”. Fábio foi buscar sabores às suas memórias de infância (os pais vieram de Angola). “Estamos a falar de pequenos apontamentos que remetem para África, mas não vou fazer uma muamba, faço cozinha portuguesa e de autor”. Um carpaccio de polvo com chips de banana-pão, um pica pau de javali com mandioca frita, ou uma sobremesa com gelado de múcua são alguns dos exemplos.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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