Há três maneiras de chegar à Quinta do Vesúvio, no Douro Superior: de carro, de comboio ou de barco. Seguimos a via fluvial e, já em terra, atravessamos horta e jardim, em direção à casa que se ergue, imponente, para lá do portão com as iniciais DAAF, de Dona Antónia Adelaide Ferreira. A Ferreirinha faz parte da história desta que ficou conhecida como “a quinta das quintas”, hoje propriedade da Symington Family Estates. Leva séculos de existência, e aguça-nos os sentidos: à visão do rio e dos socalcos que formam desenhos nos montes juntam-se o ondular das borboletas, a cantiga dos pássaros, o cheiro a alecrim nas mãos. Outro ponto de interesse é a capela, recuperada no ano passado.
Lá iremos. Agora é tempo de passear de jipe pelas vinhas, com as guias Maria Azevedo e Daniela Ferreira, para conhecer algumas singularidades e admirar as vistas sobre o Vale do Douro, Património Mundial. Isto depois de uma bebida fresca, e logo de manhã, que as temperaturas facilmente ultrapassam os 40 graus no verão. Durante a subida (a parcela mais alta fica a 530 metros de altitude), alguém pergunta se os terrenos em volta fazem parte da quinta. Maria responde com humor: “É quase como no filme ‘O Rei Leão’: tudo o que vês é o nosso reino”. No caso, “o reino do Vesúvio”, uma das maiores propriedades durienses, com 326 hectares, 133 dos quais dedicados à vinha (e os restantes mantidos em estado selvagem, ou reservados para outras culturas). São sete montes e 31 vales a descobrir.
Algumas uvas já começam a adquirir um tom tinto – dizem-nos que é a fase do pintor, o que só acrescenta poesia ao quadro. Pelo caminho, não faltam histórias e curiosidades. Por exemplo, ficamos a saber que ter um pombal era sinal de riqueza (permitia ter carne fresca, enquanto o estrume era usado como fertilizante). Também vemos os chamados pilheiros: há séculos, quando a vinha ainda não era dominante, as videiras cresciam em buracos cavados na face dos socalcos, de modo a aproveitar a água das culturas que estavam acima, como que a “pilhar” a terra.
Pelo caminho, não faltam histórias e curiosidades. Por exemplo, ficamos a saber que ter um pombal era sinal de riqueza (permitia ter carne fresca, enquanto o estrume era usado como fertilizante).
Depois de uma pausa para petiscar, chega ao fim o passeio todo-o-terreno. No regresso à casa, há prova de vinhos, almoço na varanda e visita à adega centenária. Faz tudo parte de uma experiência que visa dar a conhecer a quinta “sem maquilhagem”, segundo Maria Azevedo. “Queremos impressionar com o que é autêntico.”
Uma adega “revolucionária para a época”
Em 2021, a Quinta do Vesúvio abriu portas pela primeira vez a visitas, dando resposta aos pedidos que há muito caíam na caixa do correio eletrónico. A propriedade foi adquirida pela família Symington em 1989, mas começou a produzir vinho em 1823, pela mão de António Bernardo Ferreira, tio-sogro de Dona Antónia, que viria a assumir as rédeas do negócio. A Ferreirinha surge, aliás, representada na Sala dos Retratos, onde decorre a prova de vinhos. São cinco, produzidos ali: dois Douro DOC e três vinhos do Porto Vintage.
Há oito lagares de granito e, embutidas na parede, casas de banho femininas. “As mulheres começaram aqui primeiro a pisar a uva. Esta adega foi muito revolucionária para a época.”
As provas também podem ser feitas na adega, um dos pontos altos da visita, que dura cerca de seis horas e está disponível até 31 de outubro (por marcação, com uma semana de antecedência). Entre tonéis e pipas, fala-se sobre o envelhecimento dos vinhos do Porto e a tradicional pisa a pé, que ainda se faz, em setembro. Há oito lagares de granito e, embutidas na parede, casas de banho femininas, uma curiosidade que revela outra. “As mulheres começaram aqui primeiro a pisar a uva. Esta adega foi muito revolucionária para a época”, conclui Maria, na frescura daquele edifício com data de 1827, encaixado entre o rio e a linha férrea.
Uma “biblioteca” na vinha
No passeio de jipe, a guia Maria Azevedo fala-nos de “uma biblioteca na vinha”, mistério desvendado numa das paragens. Trata-se de um muro com pedras de xisto que, pela disposição, lembram livros numa estante. Foi construído para delimitar a propriedade numa fase delicada da história do Douro, com a economia em estado crítico: no século XIX, a Quinta do Vesúvio, como outras, foi atacada pela praga da filoxera. Para evitar o despedimento de centenas de trabalhadores, cujas famílias sucumbiriam à fome, D. Antónia encarregou-os daquela tarefa. “E, quando a situação foi revertida, ela continuou a ter mão de obra para trabalhar na vinha.”
Almoço à moda do Douro
É na varanda da casa, voltada para o rio, que decorre o almoço de tradição duriense, com margem para alguns ajustes. Entradas, prato principal (de carne, peixe ou vegetariano), sobremesa, fruta, queijos e café compõem a refeição. Aquando da nossa visita, houve pratos como sopa de meloa, salada de polvo, pato de laranja assado com batatas, crocante de grão de bico com espinafres e broa ou leite-creme. Pelo meio, um momento especial: a abertura de uma garrafa de vinho a fogo. E novo pretexto para brindar.
Longitude : -8.2245