Racista, mas não só. O conservador e patriótico Archie Bunker (Carroll O’Connor) é também xenófobo, machista, antipático, preconceituoso, inconveniente, antissemita. Enfim, um ignorante, mas daqueles sem maldade, que apenas quer o que pensa ser melhor para si, para a mulher e para a filha. O genro, homem liberal, e o vizinho afro-americano são pedras constantes no seu sapato e aqueles que servem de contraponto aos ideais retrógrados que foram incutidos a este veterano de guerra, que vive no bairro nova-iorquino de Queens e que, há 50 anos, chegava à TV nos Estados Unidos como protagonista da “Uma família às direitas”. A série – a maioria gravada com público ao vivo – estabeleceu-se nos ecrãs durante nove anos, quebrando tabus e trazendo à discussão temas como homossexualidade, feminismo, aborto espontâneo, cancro de mama, menopausa e impotência sexual.
Antes de cada episódio ir para o ar, a CBS avisava os espectadores que o programa que estes estavam “prestes a ver” tentava “jogar uma luz cómica nas nossas fragilidades, preconceitos e preocupações”. “Por fazer destes motivo de riso, esperamos mostrar, de forma madura, o quão absurdos são”, acrescentava. De facto, “All in a family” (título original) conquistou aqueles que se identificavam, de alguma forma, com Archie, e também os que conseguiam olhá-lo como uma caricatura da América dos anos 1970.
A sua personagem surgia quase sempre sentada numa poltrona instalada a meio da sua sala de estar – foi este, aliás, o cenário de 90% da trama – e a partir da qual menosprezava a mulher Edith (Jean Stapleton) – muitas vezes sentada a seu lado, mas numa cadeira muito menos confortável, claro! -, ouvia as provocações da filha Gloria (Sally Struthers) e exaltava-se com o genro Michael (Rob Reiner), a quem chamava de “cabeça de abóbora”. Ao fim e ao cabo, acabava sempre por ceder. E a razão é simples: “O dilema dele passa pela forma como deve lidar com um Mundo que está a mudar diante dos seus olhos. Ele não sabe o que fazer a não ser perder a paciência, vociferar, olhar para outros e culpá-los para o seu próprio desconforto. Ele não é um homem mau. É astuto, mas não consegue perceber que a raiz do seu problema é ele mesmo”, explicou o ator que o interpretou.
Curiosamente, Norman Lear, o criador da trama (associado à libertação do conservadorismo da TV e homenageado, em 2020, pelo seu percurso na televisão com o Prémio Carol Burnett), fez nascer esta figura tendo por base o próprio pai, que era judeu. Ora, Archie não gostava de judeus, nem tão-pouco de feministas, nem de homossexuais… De vez em quando, expressões ofensivas como “fag” (“bicha”) e “nigger” (“preto”) eram pronunciadas para provar a ignorância que acarretam.
Dois factos que resumem a importância de “Uma família às direitas”: Richard Nixon mencionou-a numa das gravações do caso Watergate (1974) e a poltrona e a cadeira originais de Archie e Edith, compradas numa loja de venda de artigos em segunda mão, foram oferecidas em 1978 (para a última temporada foram construídas réplicas) ao Instituto Smithsonian (que integra 19 museus e sete centros de pesquisa) para fazerem parte de uma exposição sobre a história da televisão. Têm agora lugar de destaque no Museu Nacional da História Americana, em Washington D.C..
Quem é quem:
1# Carroll O’Connor/Archie Bunker
É o chefe desta família, um homem conservador cujas ideias do Mundo são motivo de discórdia e reflexão.
2# Jean Stapleton/Edith Bunker
Mulher de Archie e dona de uma inconfundível voz aguda, tem diálogos hilariantes quando questiona o que este pensa.
3# Gloria Bunker-Stivic/Sally Struthers
Filha única dos Bunker, acaba por ser obrigada a servir de mediadora das discussões entre o pai e o marido.
#4 Rob Reiner/Michael Stivic
Uma das pedras no sapato de Archie e o genro que este não queria: um homem com ideias do mundo opostas às suas.