Pode um hotel de cinco estrelas assumir uma vertente museológica? Ainda que hotéis com componentes históricas e museológicas não sejam propriamente uma novidade, o Palácio Ludovice Wine Experience Hotel mostra que sim, apresentando um novo percurso constituído por oito pontos de interesse patrimonial, artístico e histórico relacionados com a vida de quem construiu e habitou o imóvel onde o hotel se instalou, há dois anos, entre o Chiado, o Príncipe Real e o Bairro Alto.
A história
O Palácio Ludovice cruza o reinado de D. João V com João Frederico Ludovice, um multifacetado alemão que começou por aprender ourivesaria com o pai e depois foi para Itália estudar escultura e arquitetura. No princípio do século XVIII mudou-se para Portugal a convite dos jesuítas e abriu uma ourivesaria em Lisboa, conjugando o negócio com projetos de arquitetura. Elevado a arquiteto-mor do reino, foi-lhe então pedido que dirigisse o projeto e construção do Palácio Nacional/Convento de Mafra.
Como agradecimento, D. João V ofereceu-lhe o terreno daquele que seria o único palácio a ocupar um quarteirão em Lisboa. A construção foi construída em 1747, em estilo barroco tardio e com fachada monumental, tendo já vista panorâmica para o castelo de São Jorge e para o rio, numa altura em que a noção de luxo ditava a vista para o campo. Pensado para servir de residência da família do arquiteto do reino, a verdade é que Frederico morreu em 1752 e não chegou a habitá-lo.
A 1 de novembro de 1755 deu-se o grande terramoto de Lisboa, seguido de devastadores incêndios e de um maremoto, mas o edifício resistiu, ao que se acredita, graças ao tipo de arquitetura e construção. Marquês de Pombal, primeiro-ministro do rei D. José I, terá ficado intrigado e visitou o edifício, nascendo aí a ideia do que viria a ser a “gaiola pombalina” – o uso de uma estrutura de madeira em cruz no interior das paredes em alvenaria.
No início do século XIX o edifício sofreu várias alterações, sendo o consulado da Rússia em Portugal e, já no século XX, o Solar do Vinho do Porto. A transformação em hotel deveu-se ao investimento de Miguel Câncio Martins e do seu sócio francês Jacques Chahin na compra do edifício.
De forma a manter a identidade do palácio, o projeto recuperou três mil azulejos do século XVIII, frescos, tetos de reboco e outros pormenores, como as pedras de mármore das escadarias e os tetos abobadados em tilojo-burro. Os 61 quartos e suítes de diferentes tipologias tiveram de respeitar as áreas originais, por se tratar de um imóvel de interesse público, e foram decorados com uma paleta de cores suaves e com peças de mobiliário desenhadas pelo arquiteto, num estilo contemporâneo.
O percurso
O percurso de oito pontos – acessível apenas a hóspedes, uma vez que abrange áreas de circulação entre quartos, cuja tranquilidade tem de ser mantida – inicia-se no átrio do hotel, com um retrato de João Frederico Ludovice. O segundo ponto revela a escadaria principal com corrimão em mármore, imponente, mas que à data era uma escada de serviço. No terceiro piso, há quartos adaptados em antigas cozinhas, carpetes com a vista aérea dos socalcos vinhateiros do Douro e antigos garrafões de vinho transformados em candeeiros suspensos.
O quarto ponto de interesse – sendo que todos têm um QR code que encaminha os visitantes para uma página com informação, através da Internet no telemóvel – situa-se junto do quarto 305 e permite admirar frescos originais, que se crê que possam ter emoldurado quadros decorativos ou representar cenas de caça, por exemplo. A capela do hotel é, por sua vez, o quinto ponto do percurso. O sexto é a maciça construção em abóbada de tijolo-burro onde se situa o ginásio (e que poderá ter sido uma despensa ou adega, por ser um local fresco).
Admirado o painel de azulejos encontrados e restaurados durante a obra do hotel, mas que já não tinham parede correspondente, no acesso do restaurante às casas-de-banho (sétimo ponto), o percurso histórico termina na Fonte do Leão, uma estrutural ornamental que centraliza uma das paredes do restaurante Federico, a cargo do chef executivo Ricardo Simões.
O restaurante
O menu, renovado em abril, mantém a matriz portuguesa original, baseada nos produtos da época, com técnicas francesas. Salada de polvo com puré de pimento e souflé de pimento doce; tártaro de salmão com gaspacho de cereja; ostras de Sagres com gel de pepino e maçã; carpaccio de vitelo tonnato, maionese de alcaparras e ceboleto; magret de pato com puré de batata-doce, laranja, compota de cebola, molho sésamo e legumes; bife Wellington; e bacalhau com açorda de camarão foram alguns dos pratos recentemente adicionados ao menu.
No bar do hotel, hóspedes e clientes externos podem provar até oito cocktails de autor feitos com vinho e técnicas de mixologia moderna. Dispondo de mais de 100 referências de vinhos portugueses na garrafeira, o hotel organiza vários tipos de provas, a começar pelas Grape Expectations. Sempre às quartas-feiras, estão incluídas nas estadas e são abertas ao público, gratuitamente, entre as 17h e as 18h30. O objetivo é divulgar o vinho nacional, contando ou não com uma apresentação de um produtor.
Durante os outros dias da semana, o hotel organiza ainda provas de vinhos com início às 18h, incluída para os hóspedes e vendida pelo valor de 25 euros a clientes não-hospedados. Tem a duração aproximada de uma hora, na qual o sommelier aborda as regiões vitivinícolas de uma forma genérica, explicando as castas, os terroirs e outros aspetos do vinho. Inclui a prova de três vinhos (branco, tinto e rosé). A pedido, existem outros modelos de provas de vinhos, quer de mesa, quer fortificados, que podem ser personalizadas, mediante reserva prévia.
O Palácio Ludovice tem ainda um spa da marca francesa Caudalie, com duas salas de tratamentos faciais e corporais de vinoterapia, cuja experiência pode incluir um chá com mistura de canela, amora, vinho tinto, zest de laranja e groselha preta. A boutique tem acesso direto para a rua de São Pedro de Alcântara, mesmo em frente ao ascensor da Glória.
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