Os encontros presenciais de tricô e croché estão de regresso. Saiba onde

As mãos de Rita Quintela, a tricotadeira responsável pelo projeto Tricota a Ria (de Aveiro), que venceu o orçamento participativo do município. (Fotografia de Maria João Gala/GI)
Com o fim das restrições da pandemia regressam os encontros presenciais por todo o país. O tricot e crochet têm vindo a ocupar o espaço público nos últimos anos, desconstruindo o preconceito de qualquer um poder tricotar em qualquer lugar.

À mesa do café, na sala de espera do consultório, no comboio, no banco de jardim, mas também em encontros programados, o tricô democratizou-se nos últimos anos. Saiu para a rua, decidido, e é por isso que crescem instalações nas vilas e cidades (Vila Nova de Cerveira será o exemplo maior, no campo do croché). Mas o que fica escondido no avesso é muito mais importante – considera quem se dedicada a estas artes. Porque – tal como na malha – sustenta todo um projeto, uma peça: “há uma nova geração que aprendeu a fazer tricô e croché por vias que não as tradicionais; pela Internet. E é daí que decorre esta ocupação do espaço público.

Quem levou estas artes para a rua foram os grupos que nasceram a partir da Internet, que apareceram por espelho do que acontecia nos EUA e nos países nórdicos”, considera Rita Quintela, que dá corpo ao grupo TricotAveiro . “As novas tecnologias vieram revitalizar o que estava conotado com um conservadorismo. Porque fazer tricô era considerado uma atividade conservadora”, sublinha Rita, que por esta altura está empenhada no projeto TricotaRia, vencedor do Orçamento Participativo naquele Município.

Rita Quintela, tricotadeira, é responsável pelo projeto TricotAveiro. (Fotografia de Maria João Gala/GI)

Desde fevereiro e até julho próximo, na última sexta-feira de cada mês, a Casa Municipal da Cidadania recebe um máximo de 25 participantes por sessão. E até agora esgotaram, com gente de todas as idades. “Preciso dos mais velhos para ensinar e dos mais novos para aprender”, sustenta Rita, que paralelamente continua a promover os encontros das Tricotadeiras (ver agenda). “Tenho-me deparado com muitas pessoas que ainda têm vergonha de fazer tricô em público”, afirma, ela que sempre tricotou, desde pequena, e que assistiu ao boom – entre 2010 e 2015 – coincidente com a crise económica.

Mas há o outro lado da moeda, o quanto os encontros conseguem mudar a vida de quem os frequenta, fomentar partilhas que vão muito para lá de voltas e laçadas. “Há pessoas com a idade da minha mãe, com mais de 70 anos, que só sabem ler receitas em inglês. Isto era impensável há uns anos”. Muitas vezes “as pessoas não sabem que os grupos existem. Quando sabem, aparecem. Mas também é preciso dizer que estas coisas acontecem no espaço público porque há quem não desista, que gosta de juntar pessoas”, afirma Rita. Como ela, afinal. E como Lara Mafalda, a partir da Póvoa de Varzim.

 

Tricô, croché, passeios e vinho

Decorridos dois confinamentos e um ano particularmente difícil para ela e para a família, a artesão minhota promoveu em junho passado a primeira edição do Lavorada – Festival dos Lavores, inspirado no Dia Mundial de Tricotar em Público. Aconteceu no Jardim da Biblioteca Municipal da Póvoa, e quis mostrar que os lavores “não são somente um ofício do tempo das nossas avós, mas antes uma forma de estar na vida”.

O evento foi um êxito, levou muita gente, e cumpriu todos os requisitos, expondo “as múltiplas camadas do artesanato feito em casa e que se abre ao exterior no século XXI, mostrando como estes elevam o espírito, pacificam a mente, aumentam a autoestima, promovem o encontro social, estimulam a economia, criam artistas, e são salvaguarda do património. Fez-se num ambiente de convívio, mas tendo sempre como pano de fundo a cultura e a arte”.

Lara Mafalda, artesã minhota, é a mente por trás do festival Lavorada. (fotografia de Ivan Del Val/GI)

Depois, seguiram-se outras iniciativas, como o workshop “A agulha vai torta”, que juntou tricô e uma prova de vinhos. Agora, Lara lembrou-se de inovar outra vez: dia 3 de abril promove o I Passeio da Lavorada, em autocarro, à região do Douro. “É um passeio à Quinta da Avessada, em Favaios, Alijó, que vem na continuidade da ‘Agulha vai torta’. Esta junção aconteceu porque a dona da Vinharia (onde fazemos os workshops, também faz tricô. E o que é interessante nisto é esta partilha, isto de nos juntarmos e convivermos”.

Lara Mafalda aprendeu todos os lavores em criança, mas foi há 10 anos que despertou para o artesanato urbano e criou a sua marca de croché. “Enquanto estamos a trabalhar nessas artes é um lugar só nosso, um mantra, um nível interior de satisfação que até a psicologia explica. E levar isto para o espaço público é um poder imenso, o de saber fazer. Mostrar isto às crianças, até ao nível do desenvolvimento psicomotor, é muito valioso”.

 

Dinamizar um grupo em Lisboa

O nome de Filipa Carneiro é incontornável no universo do tricô, embora o seu berço de fios tenha sido o croché. Autora do canal “Nionoi” (diminutivo de Leonor, o nome da filha), descobriu o universo das duas agulhas precisamente quando foi mãe, ao mesmo tempo que lhe escapava o emprego. Filipa é engenheira civil de formação, dirigia obras, e viu-se confrontada com a crise na construção civil. Começou por tricotar na técnica continental (fio nos dedos), mas mais tarde “reconciliou-se” com a técnica portuguesa (fio no pescoço). Entusiasmou-se tanto com tudo, que acabou por fazer deste o seu modo de vida.

Embora seja natural do Porto, é em Lisboa que vive há muitos anos. “Hoje é muito mais comum ver pessoas outra vez a tricotar na rua, nos parques, nos cafés, nos transportes públicos, coisa que durante muitos anos não aconteceu”, afirma a designer, que atribui uma enorme importância ao facto, em duas dimensões: “Assumi-lo como um hobby que não é só para ser feito em casa, por pessoas reformadas. Que também é uma coisa divertida, jovem e deve ser vista dessa forma. Também acho que tem uma importância muito grande, porque durante muito tempo as crianças se desvincularam muito – e as pessoas mais jovens – do que é o ver fazer. Nós deixamos de saber como é que se faz muita coisa. Como se faz uma camisola, como se faz um gorro. Passou a ser ir à loja e comprar”.

A importância de valorizar cada peça, de compreender o processo de realização, é intrínseca no ato de tricotar. “Mesmo para as gerações mais novas é muito enriquecedor, mesmo quando não fazem, mas percebem como é que surge uma peça, porque quebra essa distância entre o produto final e saber como é que ele surge. É como ver costurar”. Nos últimos tempos, Filipa Carneiro promoveu (em parceria com a marca Rosários4) uma iniciativa que juntou mais de mil pessoas num mesmo grupo online, a tricotar o mesmo modelo de camisola por si idealizado. O que espera agora é que, com o fim das restrições anunciado para abril, seja possível transportar esse “tricotamos juntos” para espaços físicos. “Eu espero em breve poder dinamizar um grupo aqui em Lisboa”, anuncia à EVASÕES, sublinhando que “há muita procura, e é um ótimo momento para nós nos reunirmos com um conjunto de pessoas que têm o mesmo interesse que nós, um ponto em comum, e depois são grupos onde acabam por surgir muitas partilhas, muito para lá do ponto ou do modelo”.


Guia do Tricô

Tricotadeiras do Porto
São um dos grupos mais antigos do país. Os encontros acontecem no quarto sábado de cada mês, atualmente no café Ateneia.
Web: facebook.com/Tricotadeiras-do-Porto-122741227812006


Tricot’Aveiro
É um grupo comunitário de partilha de saberes, com uma componente de ação pública: leva o tricô e o crochety para a rua, promovendo encontros em lugares públicos. Existe desde 2011.
Encontros mensais combinados na página facebook.com/groups/tricotadeirasdeaveiro
Web: tricotaveiro.wordpress.com


Malharia (Leiria)
Este grupo nasceu em plena pandemia, pela mão de Liliana Carvalho. Os encontros acontecem mensalmente, uma ou duas vezes, no inverno em cafés da cidade, no verão em jardins ou parques. Em novembro, a Malharia promoveu um encontro internacional que juntou várias designers portuguesas e brasileiras, além de influencers da “tricosfera”, como a emblemática Nara Takeda, que passou dois meses em Portugal, percorrendo as retrosarias de todo o país.
Web: facebook.com/malharia.comunidade.criativa
Instagram: @malharia_leiria


Tricotadeiras de Oeiras
O grupo existe desde 2004 e reúne duas vezes por mês. Na base está precisamente a ideia de “acabar com o tabu criado acerca deste tipo de trabalhos manuais, de serem tendencialmente femininos e para pessoas de idade avançada”. Web: facebook.com/Tricotadeiras-de-Oeiras-142008799242128


Clube do Tricot
Reúne na loja Talica, na Benedita (Alcobaça), todas as sextas-feiras à noite. Foi criado em 2016 pela antiga proprietária. Parou na fase mais agressiva da pandemia, mas retomou os encontros neste inverno, pela mão da mentora Patrícia.


PÁGINAS A SEGUIR

Companhia das Agulhas (Escola de Costura e Malha)
Rua Cardeal Mercier, nº 23B, Lisboa
Tel: 213 870 436
Web: companhiadasagulhas.pt

Pontos & Voltas
Web: pontosvoltas.blogspot.com

NIONOI (Filipa Carneiro)
Web: filipacarneiro.com

Clube de Tricot da Maria
Web: facebook.com/Owl_Mania-268282927559
Youtube: Maria G Knits

Loft das Mantas (André Oliveira)
Web: instagram @loftdasmantas


AGENDA

Passeio da Lavorada (3 de Abril)
Viagem até à Quinta da Avessada, Favaios
Web: lavorada.pt

Lavorada (18 de junho)
Jardim da Biblioteca Municipal, Póvoa de Varzim
Web: lavorada.pt

Knit with Friends (4 e 5 de junho)
Seminário de Vilar, Porto
Web: knitwithfriends.pt




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