O histórico Café Santa Cruz, na Baixa de Coimbra, está encerrado desde 17 de março. O sócio-gerente, Vítor Marques, que é também presidente da Associação dos Cafés com História de Portugal, não vê a hora de reabrir portas. Sente falta do contacto com clientes e fornecedores. De vez em quando, ainda vai lá tratar de documentação e ver se há correio. Mas os dias agora são passados no seu apartamento, com a mulher, Alexandra, e as filhas Matilde e Margarida, de 13 e 15 anos, respetivamente.
Enquanto elas se ocupam das aulas (a mulher é professora), Vítor distrai-se experimentando receitas, organizando o escritório e os arquivos ou mudando de visual – já deixou crescer a barba e teve bigode, ambos desfeitos entretanto. Também está a preparar a publicação do livro “Os Cafés Históricos como Património Cultural: O Encontro”, com o designer Emanuel Dias e o tradutor Marcelo Félix. No ninho, tem corrido tudo bem. “De um a dez, estamos no nove; pronto, no 8,5”, graceja.

Vítor Marques anseia por voltar ao trabalho no histórico Café Santa Cruz, em Coimbra.
Fotografia: DR
As suas atividades:
1. Dar umas voltas de mota
“Sempre que possível parto à descoberta, com a minha mota (até ao confinamento obrigatório), das diversas freguesias em redor de Coimbra que não conhecia. É interessante saber onde são as freguesias de muitos dos nossos clientes, qual a distância a que estão do centro e recordar que, mesmo perto da cidade, há modos de vida diferentes”, conta Vítor, sobre este seu “passeio higiénico”. Às vezes, leva a filha mais nova.
2. Pôr as leituras em dia
Vítor concluiu agora o livro de banda desenhada “Café Budapeste”, de Alfonso Zapico, e virou-se para um que já tinha há dois anos: “Vamos comprar um poeta”, de Afonso Cruz. Tem lido sobre a história do Mosteiro de Santa Cruz, para perceber porque foi construída a Igreja de S. João de Santa Cruz (que é, desde 1923, o Café Santa Cruz), e a seguir vem “Património Cultural: Realidade Viva”, de Guilherme d´Oliveira Martins.

Fotografia: DR
3. Fazer experiências na cozinha
Ao contrário do que é habitual, Vítor tem aproveitado para fazer experiências na cozinha. Confeciona, de raiz, sopas de legumes, peixe e carne. No dia em que conversámos, tinha acabado de pôr na mesa sopa de alho francês com cogumelos e bacon. Também prepara massas e arroz chau chau, para acompanhar grelhados. E anda a treinar os movimentos de chef na hora de saltear legumes.

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A sua sopa de alho francês.
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4. Do iTunes às playlists das filhas
Diversos estilos musicais animam Vítor Marques, do jazz ao punk rock. Tem ouvido música no iTunes (como Pixies e The Clash) e posto a tocar velhos CDs (por exemplo, uma gravação de 1958 do Ahmad Jamal Trio). Paralelamente, vai escutando as playlists criadas pelas filhas, com temas de autores portugueses tão distintos como Tiago Bettencourt, GNR ou D.A.M.A.
5. Reconstruir prédio de família
O único trabalho manual que o sócio-gerente do Santa Cruz tem feito é ajudar a irmã na reconstrução de um prédio que têm na Baixa da cidade. Trata da limpeza da obra e do transporte de materiais – só quando é preciso, e com os devidos cuidados, como usar máscara e gel desinfetante.

Fotografia: DR
O que fez pela primeira vez nesta quarentena:
Vítor Marques nunca tinha estado três semanas sem trabalhar. Também foi a primeira vez que a família passou tanto tempo seguido junta – mesmo as férias costumam durar dez dias. “Aprender a ter tempo para tudo o que não considerávamos relevante ou prioritário. E gostar…” é o que retira de mais positivo deste isolamento. Pode ser algo tão simples como ler um livro ou saborear uma refeição com calma.
O que vai fazer mal termine o isolamento:
Retomar a vida profissional é o que Vítor mais deseja, por razões psicológicas e financeiras: “Gostaria, logo que seja possível, de abrir o Café. Salvaguardando a questão fundamental de saúde pública com a proteção daqueles que nos são próximos”.

Vítor Marques com Vasilis Stathakis, em frente ao Café Santa Cruz, em Coimbra. Ambos organizaram ali, há dois anos, o Encontro Internacional de Cafés Históricos.
Fotografia: Maria João Gala/GI