Histórias e lendas de Trancoso: do sapateiro profeta ao padre repovoador

A cidade desenvolveu-se em torno do castelo medieval. (Fotografia: Maria João Gala/Global Imagens)
Passear pelo centro histórico de Trancoso, cidade do distrito da Guarda integrada na rede das Aldeias Históricas de Portugal, permite saborear sardinhas doces, mas também muitas histórias. Como a de Gonçalo Anes Bandarra, sapateiro, poeta e profeta; ou a do padre Costa, que, reza a lenda, terá tido 299 filhos e obtido o perdão do rei, por ter repovoado o território.

Trancoso é terra de feiras e mercados, conta Júlia Rito, técnica superior de turismo, na entrada principal do centro histórico de Trancoso: as Portas d’El Rei. Afinal, D. Dinis festejou ali o casamento com D. Isabel, numa igreja que acabou por ser destruída. O centro histórico é todo muralhado; uma parte tem escadas e pode ser percorrida do alto. Noutros tempos, as portas fechavam-se ao fim do dia e só reabriam de manhã.

As Portas d’El Rei. (Fotografia: Maria João Gala/GI)

A cidade cresceu em torno do castelo medieval, a 885 metros de altitude. Foi invadido pelos franceses em 1810 e, mais recentemente, alvo de obras de requalificação, com traço do arquiteto Gonçalo Byrne. A torre principal é um miradouro do qual, em dias de céu limpo, se vê a Serra da Estrela, e também Espanha.

 

Mas há muito mais para conhecer dentro de muros, da antiga judiaria ao pelourinho manuelino, passando pela Igreja da Misericórdia e pela Igreja de S. Pedro. É nesta última que está sepultado Gonçalo Anes Bandarra, sapateiro, poeta e profeta do século XVI, que tem uma estátua na Praça do Município e, perto, uma casa-museu: a Casa do Bandarra. Ele, que é dos vultos mais conhecidos da terra, foi perseguido pela Inquisição, preso e sentenciado a não voltar a escrever versos ligados à Sagrada Escritura.

A estátua de Bandarra. (Fotografia: Maria João Gala/GI)

No século XV, a comunidade judaica em Trancoso era das mais numerosas da Beira, e muitos judeus continuam a visitar Trancoso, ainda hoje. Na rua da Alegria, cheia de hortênsias que florescem em junho ou julho, são visíveis várias marcas nas paredes. Noutra zona, a casa do gato preto, cuja porta principal tem uma maçaneta em forma de gato, foi habitada por judeus, no passado. Na fachada principal vê-se um leão de Judá, símbolo usado na decoração das sinagogas e identificado como uma das tribos de Israel.

O Centro de Interpretação da Cultura Judaica Isaac Cardoso, que tem o nome de um judeu nascido na terra, autor de vários livros sobre o património judaico, é um espaço a ter em conta, num roteiro pela cidade. Integra uma sinagoga, preparada para o culto e visitável. Numa parede, a negro, estão escritos os nomes de 500 pessoas condenadas pela Inquisição, incluindo duas mulheres que foram condenadas à morte, acusadas de judaísmo, e cujos ossos foram desenterrados, ao fim de 20 anos, e queimados num auto-de-fé.

É uma cidade rica em história, mas também em lendas – como a do padre Costa, que séculos antes teria tido 299 filhos, de 53 mulheres, incluindo dois da própria mãe, e obtido o perdão do rei, por ter repovoado o território.

Quem quiser levar consigo algo para saborear mais tarde, encontra uma variedade de produtos característicos dali na famosa e longeva Casa da Prisca (a sua história começa em 1917). Há presunto de porco bísaro alimentado a castanhas, vinhos, queijos, enchidos, doces bio sem açúcar e as tradicionais sardinhas doces. Estas terão nascido no desaparecido Convento da Igreja de Santa Clara, entre os séculos XVII e XVIII, pela mão de freiras vindas do litoral. Têm forma de peixe, são confecionadas com doce de ovos e amêndoa, fritas e cobertas com chocolate e canela.

 




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