O invejável silêncio instalado na aldeia de Aveleda, incrustada no belíssimo Parque Natural de Montesinho, é interrompido a espaços pelo bater do martelo no aço. Quando as mãos de Gilberto Ferreira amanham outra tarefa, é o correr acelerado do rio Pepim que se faz ouvir. A pacatez desta povoação de Bragança ajuda o cutileiro a concentrar-se. É preciso minucioso rigor e redobrada atenção para, dominando os quatro elementos (ar, água, terra e fogo), dar corpo (e alma) a navalhas e facas totalmente artesanais. Há quem por elas pague milhares de euros. Porquê? Tem a palavra Gilberto, o “alquimista”.
De onde vem esta paixão pelas facas e pelas navalhas?
Um transmontano tem que andar sempre com a navalhinha na mão. Comecei a comprá-las, para coleção, desde muito novo. Surgiu-me a ideia de as querer fazer com as minhas próprias mãos. Tentei uma vez ou duas, mas a coisa não me saía bem. Fui desistindo, mas chegou um momento em que disse: tenho que ser capaz! E fui!
Fez alguma formação, ou foi sempre aprendendo por moto próprio?
Nunca fiz qualquer formação. Aprendi a cutelaria testando e errando. Estraguei muito até chegar onde queria, mas valeu a pena estragar. Fiquei a conhecer todas as áreas, das madeiras aos aços.
Costuma dizer que um transmontano precisa sempre de uma navalha para cortar o presunto e que, para si, andar sem navalha é como andar sem telemóvel.
[Risos] É isso mesmo! Uso a navalha para tudo: fatiar o pão, cortar um baraço, descascar uma maçã.
Tem que dominar bem os quatros elementos da Natureza para fazer o seu trabalho: o fogo e a água para domar o aço, o ar para aquecer o carvão e a terra para o fazer. É assim uma espécie de alquimista.
[Risos] Nunca tinha pensado nisso, mas é verdade. Tenho colegas que não conseguem trabalhar se não tiverem uma oficina cuja montagem custa um milhão de euros. A mim basta-me um martelo, uma rebarbadeira e uma forja.
Produz o seu próprio carvão. Como é que isso se faz?
Pegamos na raiz da urze, a que chamamos cepa, enterramos numa poça de terra e deixamos queimar até ficar incandescente. Além de ter maior durabilidade, este carvão permite-nos chegar a temperaturas mais elevadas, o que é fundamental para trabalhar o aço.
Quem são os seus principais clientes?
É um leque muito alargado. Trabalho cada vez mais para a restauração, sobretudo para restaurante de luxo. Trabalho com o Óscar Geadas [chef do restaurante G, em Bragança, uma estrela Michelin] com o Ricardo Costa [chef de The Yeatman, Vila Nova de Gaia, duas estrelas Michelin], com o Hans Neuner [chef do Ocean, Porches, duas estrelas Michelin], entre outros, nacionais e estrangeiros.
Os chefs têm exigências próprias, ou confiam cegamente no seu trabalho?
Há os que me dizem apenas que querem uma faca para isto ou para aquilo. E há os que mandam o desenho da faca que pretendem.
Qual é o valor de cada peça que vende para esses restaurantes?
À volta de 100 euros.
A peça mais cara que já vendeu custou quanto a quem a comprou?
Alguns milhares de euros [risos]. Foi um cliente que me pediu para incrustar diamantes no cabo. Ficou lindíssima. Foi o pedido mais fora da caixa que tive: marfim, damasco e diamantes.
O faqueiro lá de casa é todo feito por si?
Não, não. O único que tem uma faca, um garfo e uma colher feitos por mim é o meu filho de cinco anos. Ele adora.
Navalhas Gilberto Ferreira
A oficina situa-se na Rua do Santo, 19, em Aveleda, Bragança. Mesmo ao lado está a loja com centenas de facas e navalhas expostas. Email: navalhasgferreira@gmail.com. Antes de ir, espreite o site navalhasgferreira.pt.