Flores, o paraíso verde dos Açores

Flores, Açores (Fotografia de ©Martin Kaufmann)
Os miradouros, as lagoas e as cascatas são o cartão de boas-vindas de uma ilha em que a natureza é rainha e senhora. Nas Flores, a vegetação parece ser mais do que aquela que a vista alcança. Um território insular que mantém a alma das gentes e o peso da História na baleação, mas que não se fecha aos forasteiros. Muito pelo contrário.

Final da manhã de domingo. A chegada à ilha é pontuada por rajadas de vento, nuvens cinzentas e chuveiros ocasionais, que levam qualquer um a pensar que a estadia não será fácil e muito menos agradável. A maior das mentiras. “As Flores são mais bonitas com bom tempo”, dizem-nos. “Não poderemos sair amanhã”, aconselham. “Os voos serão cancelados”, antecipam. É o suficiente para ficar de pé atrás. No final, não há nada que um bom agasalho não resolva. Até porque a chuva passou e o arco-íris surge no céu. A maior ilha do grupo ocidental do arquipélago dos Açores é imponente, majestosa e muito verde. Nem o mau tempo lhe tira o encanto, mesmo que a Natureza imponha respeito, quando bem lhe convém.

Os florentinos sabem que não é fácil a adaptação à meteorologia das ilhas. Porém, estão mais do que habituados à agitação do mar e aos dias menos solarengos. Nas páginas de vida dos ilhéus contam-se histórias de valentia perante o maior dos oceanos. A baleação, nome dado à caça de cachalotes e baleias, está eternizada na antiga FÁBRICA DA BALEIA DO BOQUEIRÃO, localizada no município de Santa Cruz das Flores. Ali, o processamento de cetáceos começou em 1944 e prolongou-se até 1984. Desde 2015 que o espaço alberga o Museu da Fábrica da Baleia do Boqueirão, que preserva a memória de tantos. Andreia Freitas da Silva, natural do Corvo, a outra ilha do grupo ocidental, assentou arrais nas Flores e guia-nos pelo passado.

Museu da Fábrica da Baleia de Boqueirão (DR)

“Sabemos que era mau para os animais, mas os antigos baleeiros recordam este tempo com muita saudade”, aponta a técnica superior, enquanto explica os cantos e recantos da antiga fábrica, que esteve a laborar durante 40 anos. É fácil perdermo-nos no museu, porque a história é densa e faz-se de vários capítulos. Há cronologias e fotografias dos vários momentos da baleação nas Flores, uma história que se cruzou com os Estados Unidos da América. Muitos florentinos trabalharam para navios estrangeiros, antes da atividade se fixar nos Açores. Na ilha, os cachalotes passam com mais frequência entre maio e julho. É possível perceber o quão rudimentar tudo era, através da reconstituição da vigia da baleia e dos botes para a caça.

A baleação era perigosa, contudo ajudava a aumentar os rendimentos das famílias florentinas. Quando a caça corria bem, a euforia invadia as povoações das Flores, muito devotas às festas do Divino Espírito Santo. Quem visita o museu tem a oportunidade de ver a enormidade de um cachalote. No piso de cima do museu, as passagens entre as várias divisões mostram uma espécie de esqueleto do cetáceo. Ao lado, em fotografias, é feita uma homenagem aos baleeiros. A última baleia caçada na ilha foi em 1981. Houve quatro acidentes mortais, mas nem as fatalidades demoveram o território de preservar um passado de grande dureza. A proibição da baleação chega definitivamente ao arquipélago dos Açores em 1984.

Lá fora, perto da rampa onde o cachalote morto chegava arrastado pelos botes, era desmanchado pelos baleeiros e a carcaça era devolvida à água, há piscinas naturais, como a Poça das Mulheres. Pelo caminho não se assuste com a réplica em tamanho real de um cachalote dividido ao meio. Nos dias cinzentos e ventosos, os mergulhos não são aconselháveis naquela ponta da ilha. É o lugar apropriado para quem quer ver de perto o azul do mar, sentir o vento e escutar a revolta do oceano. Sempre com precaução e ciente de que a Natureza não olha a gentes e a lugares quando está no seu pico, especialmente nos meses mais frios.

A poucos metros, ainda na Zona do Boqueirão, o INATEL FLORES HOTEL oferece quartos com vistas desafogadas para o oceano. Nos dias em que o céu permite, vê-se a ilha do Corvo, que dista 13 milhas náuticas de Santa Cruz das Flores. Não se vislumbra somente o contorno da mais pequena ilha dos Açores. As casas da vila do Corvo são percetíveis e queremos acreditar que, nos dias de Sol, até os carros se veem a passar. Naquele alojamento, estamos mesmo na ponta das Flores. Estamos a metros das ondas do Atlântico e temos vislumbre do que é estar em casa como um florentino, num dia de outono ou de inverno. A unidade oferece 26 quartos: 19 com vista mar (um deles é uma suíte) e sete com vista terra.

“Quando se passa de carro por alguém nas Flores, todos se cumprimentam”, diz Conceição Nunes, diretora do INATEL Flores Hotel. “Mesmo que não saibam quem é”, acrescenta. O turismo de massas não chegou à ilha, no entanto a procura tem crescido. “O número de turistas nacionais tem aumentado, sobretudo de açorianos [de outras ilhas]”, afirma. Há outros forasteiros como holandeses, espanhóis e britânicos que veem à “procura da Natureza, da segurança e do sossego”. No hotel, os hóspedes têm a possibilidade de tomar banhos de Sol na piscina exterior, usufruir dos produtos locais do restaurante – no pequeno-almoço conte com o mel e os laticínios florentinos – e exercitar o corpo num pequeno ginásio.

Os florentinos de gema, como Conceição Nunes, não se deixam intimidar pelas amarguras que, por vezes, a insularidade traz ao de cima. Como em 2019, quando o furacão Lorenzo destruiu o porto das Lajes das Flores e os habitantes temeram ficar sem abastecimentos. Também os turistas “procuram saber mais sobre a História do lugar” e aventuram-se em caminhadas ou procuram o relaxamento no mero vislumbre das paisagens. O saber estar: sem a pressa de marcar pontos no roteiro. Porque o que não faltam são lugares dignos de descoberta. Não estivesse a ilha, desde 2009, na lista da Rede Mundial de Reservas da Biosfera da UNESCO.

Um dos pontos de eleição é o POÇO DO BACALHAU. A cascata da Fajã Grande, na freguesia da Lajes das Flores, tem cerca de 90 metros e arriscamos dizer que é um dos sítios mais fotografados. A lagoa que se forma da queda de água é usada como zona balnear. Nos dias mais quentes, dizem-nos, que nem uma toalha se consegue colocar por perto. Tanta é a gente que quer refrescar o corpo. O caminho até ao Poço do Bacalhau tem um percurso ladeado por uma vedação, que torna a chegada até lá mais confortável. Água não falta: chega das nascentes das zonas mais altas da ilha, que se apoiam na humidade das nuvens acumuladas na Laurissilva, um tipo de floresta húmida subtropical que se encontra nos Açores.

A umas centenas de metros, no antigo porto da Fajã Grande, que se tornou também uma zona balnear, somos invadidos pelas palavras do poeta florentino Pedro da Silveira. “Só isto:/O céu fechado, uma ganhoa/ pairando. Mar. E um barco na distância:/olhos de fome a adivinhar-se à proa/ Califórnias perdidas de abundância”. O município da Lajes das Flores prestou-lhe ali uma homenagem numa placa evocativa. Daquele ponto avista-se o ilhéu do Monchique, tido o ponto mais ocidental da Europa. Um grande rochedo no meio do oceano, que chegou a servir de referência para rotas marítimas e ajudou a calibrar instrumentos de navegação. Uma ilha virada para o Mundo e o infinito do Atlântico.

Bem perto do oceano, numa casa típica da aldeia da Fajãzinha, de pedra e rodeada por flores, a cerca de 13 quilómetros de Santa Cruz das Flores, encontramos José António Corvelo, um dos responsáveis pelo restaurante PÔR-DO-SOL. Há pouco mais de 20 anos que aquele lugar não passava de ruínas. Não se falava de turismo e a ilha padecia com a emigração. José e a esposa Noélia resistiram: transformaram a decadência em futuro e abriram três casas de alojamento local e um restaurante. À mesa são servidos pratos florentinos, onde o porco, os enchidos, o peixe grelhado ou na chapa e as tortas de algas fazem as delícias dos locais e dos que visitam as Flores. “Era como se comia há 40 ou 50 anos”, aponta José. A ilha lutava por ser autossustentável. Não havia outra opção.

O florentino de 57 anos sabe, no entanto, que apesar de “75 por cento dos clientes serem estrangeiros”, por vezes não é possível agradar a todas as bocas, nem arranjar mesa nos meses de verão (aconselha-se a reserva). “Não temos prato do dia”, afirma. A comida assenta nas tradições das Flores e nem todos os produtos estão disponíveis na hora. “Fazemos criação de porco e borrego. A batata, o inhame e as hortícolas são produção local”, acrescenta José. O espaço com 45 lugares sentados faz-se valer da localização privilegiada e da “paz de espírito”, aponta o responsável, que se obtém todos os dias quando o Sol se põe na Fajãzinha.

Restaurante Pôr-do-Sol.

É cada vez mais percetível para os florentinos do paraíso verde que têm em casa e da importância de o preservar eternamente. Mesmo com a procura turística a crescer todos os anos. Não fosse a ilha conhecida pelo conjunto das Sete Lagoas: a Lagoa Negra, a Lagoa Branca, a Lagoa Comprida, a Lagoa Rasa, a Lagoa da Lomba, a Lagoa Funda e a Lagoa Seca. São sete crateras que nasceram de um dos vulcões que deram origem à ilha. Cada uma delas com as suas particularidades e paisagens, que lhes atribuem o nome. Haverá poucas fotografias que possam fazer justiça à beleza natural de estar perto e de passear bem junto a um sistema vulcânico ativo. Leu bem, ativo. A última erupção foi há cerca de três mil anos.

Deambular pelas Flores é dar de caras a cada instante com a Natureza vulcânica, como a ROCHA DOS BORDÕES. Considerada um dos ex-libris da ilha, a formação geológica é composta por grandes colunas rochosas verticais de basalto e tem uma altitude máxima de 493 metros. Pode ser vista da estrada, na parte sudoeste da ilha, entre as freguesias de Lajedo e do Mosteiro. Basta apenas escolher um dos miradouros e deixar-se maravilhar. Um pouco como acontece em todo o território das Flores: é ir e estar mais de metade do tempo a contemplar.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 




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