Era uma Vez em Watership Down: esta minissérie só com coelhos é um murro no estômago

A minissérie nasceu de uma história que o autor contava às filhas, para lhes meter medo. (Imagem: DR)
Foi a única obra de Richard Adams que teve sucesso, apesar de o escritor britânico ter tentado o êxito com outras que se lhe seguiram. Diz o próprio que a culpa é dele: não sabe imaginar contos sem ser com animais. Este tem a aparência de ser para crianças, mas a profundidade é para adultos, que a devem ver, de preferência, munidos com um grande pacote de lenços.

Richard Adams tinha 52 anos quando o conto que inventou para aterrorizar as filhas – isso mesmo, aterrorizar as filhas – foi publicado. A história que o escritor britânico, a sua primeira, contava às crianças da família, em especial quando viajavam todos de carro, tinha sido recusada sete vezes antes de a editora Collings aceitar levá-la de Inglaterra para o resto do mundo. Corria o ano de 1972.

“Watership Down” acabaria por vencer a Medalha Carnegie, a Medalha Guardian Prize e outros prémios literários. Após várias adaptações ao grande e ao pequeno ecrã, a Netflix agarrou-a e, numa coprodução com a BBC, tem-na desde 2018 no seu catálogo, em formato de minissérie de quatro episódios. Apesar de aparentar ter todos os ingredientes para atrair os mais novos espectadores, a verdade é que “Era uma vez em Watership Down”, assim é o seu título, é aconselhada apenas a quem tem estômagos mais fortes e corações pouco moles.

(Imagem: DR)

A ação desenrola-se no ambiente rural idílico do sul da Inglaterra, onde um bando de coelhos abandona a sua coutada condenada à destruição pela invasão dos humanos. Liderados por dois intrépidos irmãos, o grupo ruma à sua terra natal de Sandleford Warren, enfrentando angustiantes provações causadas por predadores e adversários e colocando-os num confronto, muitas vezes mortal, com humanos.

Passar para o papel aquilo que estava apenas na imaginação de Richard Adams não foi tarefa fácil, contou o próprio, que foi instigado pelas filhas, Juliette e Rosamond. “Eu tinha 52 anos quando percebi que conseguia escrever. Quem me ter ter descoberto mais cedo… Nunca pensei em ser escritor até me transformar num”, revelou o britânico, que até criou uma língua para os coelhos (a língua Lapine), com direito a glossário e a notas sobre a pronúncia de algumas das suas palavras.

(Imagem: DR)

James McAvoy, Nicholas Hoult, Sir Ben Kingsley, Olivia Colman ou John Boyega são os atores que tiveram a seu cargo a tarefa de as dizer: são eles que dão voz aos protagonistas desta série animada. Ben Kingsley não conhecia o conto e deixou-se apaixonar pela forma como Tom Bidwell o adaptou e Noam Murro o realizou. “É muito próximo do original. Acho que, se queremos oferecer histórias às crianças, então essa história deve estar depositada em algo que as informe, que as estimule e que as oriente. Se olharmos para ‘Watership Down’ ou para ‘O Livro da Selva’, estes são refletem padrões de comportamento, lutas pelo poder, privação, migração, sobrevivência, alegria, amor, traição e todas essas coisas”, enumera o veterano, conhecido por uma longa carreira em Hollywood. “Mesmo que ambos envolvam animais, é claro que eles refletem o comportamento humano”, acredita.

O autor contradiz, garantindo que esta é apenas “uma história sobre animais”, criada para entreter as filhas enquanto os levava à escola de carro. “Era para ser apenas uma história e continua a ser apenas isso: Uma história. Uma história muito boa, devo admitir, mas apenas uma história. Não é para ser uma parábola”, referiu, numa entrevista ao The Guardian, negando qualquer intenção moral ou religiosa.

(Imagem: DR)

“Quando somos pequenos”, prosseguiu ainda Richard Adams, “não distinguimos entre ficção e realidade. É tudo realidade. E graças a Deus que assim é”, avisou. Porquê? Porque qualquer leitor, seja ele de que idade for, gosta de “ficar chateado, excitado e desorientado”. “Lembro-me de chorar quando era pequeno por me sentir perturbado com as coisas que me liam. Felizmente, a minha mãe e o meu pai foram suficiente sábios para continuar e nunca parar”, completou.


Richard Adams, o escritor tardio

(Fotografia: DR)

O escritor nascido em 1920, em Berkshire (agora West Berkshire), cresceu numa comunidade rural e teve uma infância solitária. Um dos seus passatempos preferidos era explorar as zonas bucólicas que rodeavam a propriedade da sua família e que certamente contribuíram para alimentar o seu imaginário. Chamado a combater na Segunda Guerra Mundial, foi obrigado a interromper os estudos, acabando por se formar em história moderna apenas em 1948, já com 28 anos. Trabalhou nos serviços civis do Reino Unido até 1974, quando se estabeleceu de forma definitiva como escritor. Um ano mais tarde, foi aceite na Royal Society of Literature, a mais importante organização literária da Grã-Bretanha. Morreu a 24 de dezembro de 2016, com 96 anos.




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