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Filipa Gomes: “Às vezes, mando vir takeaway. Também sou humana”

(Fotografia: DR)

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Estreou há dias no 24 Kitchen mais um programa. Quer explicar-nos qual a premissa de “Cadernos da Filipa” e o que distingue este formato dos outros que apresentou no mesmo canal?

Este é um programa de receitas, em que em cada episódio explico como se põem em prática três delas. Na verdade, as receitas e o nome do programa surgem de uma coisa pessoal e muito real, que são cadernos meus. Gostava de poder ser romântica e dizer que os tenho desde que sou pequenina, mas não. Tenho-os desde que comecei a cozinhar, com 24, 25 anos. Ando sempre com eles atrás de mim.

São cadernos onde aponta apenas receitas?

Tanto conseguem ter receitas como o apontamento de uma reunião ou a data de uma consulta dos meus filhos. Quando estávamos a pensar no programa, o nome veio logo daí. É também uma forma de eu conseguir reunir todas as receitas que tenho estado a colecionar e que criei ao longo destes últimos anos.

Estas suas receitas surgem espontaneamente ou são estudadas?

Eu diria que são receitas para todos os gostos. Tem algumas de uns suplementos que eu fiz há uns anos, tem receitas do tempo de pandemia e tem receitas de família. É uma reunião muito eclética.

Mas o processo de criação surge como?

Há de tudo. Desde pensar numa receita com um objetivo específico, como uma refeição super prática para o começo das aulas, como surgir depois de ter frequentado um restaurante e ter experimentado, por exemplo, uma mistura de canela e cominhos. Isto pode dar-me uma ideia. Ou ainda receitas que herdei da minha mãe ou da minha avó, o que torna isto mais íntimo porque tem pratos que faço no meu dia a dia.

É então o seu programa mais pessoal?

Bem, todas as receitas de todos os meus programas, à exceção do que fiz com a Filipa Vacondeus, são criadas por mim ou passadas a mim. Nisso não difere. Acho só que é um bocadinho mais intimista, até do ponto de vista da estética e da realização. A câmara está mais próxima de mim e da comida. Não se sente tanto aquela coisa de me verem atrás de uma bancada enorme, numa cozinha enorme. Os espectadores estão mais dentro do set do programa. Além de partir dos meus cadernos, claro.

Quantos cadernos tem? E quantas receitas eles incluem?

Não sei (risos). Nós fizemos 30 episódios e cada um deles é sobre um tema diferente. Eu fui percorrendo as receitas que tinha e vendo em qual deles encaixava melhor. Eu tenho muitas receitas. Isto de criar receitas e ir apontando faz parte do meu dia a dia.

A Filipa não se considera uma chef…

Porque eu não chefio uma equipa. Eu não tenho um restaurante, não tenho uma equipa. Nem tem a ver com ter um curso ou não, porque há chefs ótimos que são autodidatas.

No seu caso, ser autodidata passa por estar muito tempo a experimentar ou isto das receitas requer outro tipo de estudo?

Acho que é preciso testar muita coisa, sim, mas também ler muitos livros e ver muitos sites de receitas. Eu costumo dizer que a Coca-Cola já foi criada. O que nós fazemos, a não ser que estejamos a falar de uma coisa mais científica, são reinterpretações.

Testa todas as suas receitas?

Todas e às vezes mais do que uma vez, para ter a certeza que as pessoas em casa conseguem reproduzir.

É preciso deixar esturricar muitos pratos primeiro.

Completamente. E, às vezes, quando esturrica um bocadinho, até fica bom (risos). Há erros que se tornam mais-valias.

E quando está nesses testes, dá aos seus a provar?

Aos meus e tenho de distribuir pelos vizinhos, se não já rebolava (risos).

São uns sortudos!

Ou não, porque há coisas que não correm assim tão bem. Eu aviso-os sempre. Sou a primeira a chegar com um bolo a casa da minha vizinha e a dizer, por exemplo, que está um bocadinho seco.

E eles costumam criticar os seus pratos ou dizem aquela mentira condescendente e afirmam sempre que está tudo bom?

Eu nem dou hipótese. Afirmo logo que não está perfeito e eles acabam por concordar. É muito importante para mim que a receita esteja bem para que depois, em casa, com as falhas extra – como esquecer de pré-aquecer ou forno – que acontecem naturalmente não prejudique
o prato final.

Quantas horas por dia passa na cozinha?

Bastantes. Aliás, metade do meu atelier é cozinha e a outra metade é secretária e estúdio de fotografia. Eu estou sempre entre o computador, o fogão e a máquina fotográfica.

Sei que já lhe perguntaram isto várias vezes, mas cá vai mais uma: não pensa em abrir um restaurante?

A ideia depende do meu papel nesse restaurante. Estar 16 horas atrás de uma bancada de cozinha, que normalmente não tem janelas para a rua e em que quase não se respira, a fazer sempre os mesmos pratos, não me atrai muito. A ideia de criar uma carta interessante, ter uma cozinha aberta e o meu nome num espaço, garantindo que as coisas saiam exatamente como eu queria, atrai-me imenso. Mas, não é um projeto que tenha em mente para já. Não digo que não, porque a vida já me ensinou que acontecem coisas de que não estamos à espera.

Como por exemplo?

Como eu ter deixado publicidade e passado a ser cozinheira e apresentadora de programas de culinária.

Isso aconteceu porque levou um empurrão do seu namorado, Jorge Trindade, e agora pai dos seus filhos [Viriato e Julieta].

Sim. Eu estava um bocadinho aborrecida em publicidade e a cozinha era um escape. Eu já fazia bolachas e cupcakes para vender e ele incentivou-me a ir a um casting para o 24 Kitchen. Eu não queria (risos). Agora, sou muito grata por o Jorge me ter apoiado, assim como aos meus pais, durante este tempo todo, porque de outra forma não teria sido possível.

O que aprendeu em publicidade tem servido de complemento?

Muito. Ajudou no sentido estético e de conteúdo. Por falar em conteúdo, até há uns anos, os programas de TV de culinária e gastronomia eram completamente diferentes dos de agora, que são também formatos de entretenimento, voltados para todos, mesmo para os que não têm especial jeito para os tachos.

Acredita que os seus programas também têm contribuído para isso?

O mundo mudou muito. As pessoas têm uma mente muito mais aberta. É preciso olhar para a História e ver que as mulheres começaram a sair de casa, a querer ter as suas carreiras, começaram a não querer cozinhar, porque cozinhar estava muito associado à vontade mais patriarcal. Agora, elas têm carreiras e querem cozinhar, os homens também já não têm vergonha de estar na cozinha. Depois, beneficiamos muito de chefs como o Jamie Oliver, a Nigella Lawson, que puseram o lado do entretenimento em cima da bancada e os programas deixaram de ser uma coisa séria e chata.

E depois também surgiram concursos como o MasterChef, o Hell’s Kitchen…

Sim, são programas que mostram que qualquer pessoa pode cozinhar.

A questão é que nem todas as pessoas gostam de o fazer.

Eu sou a primeira a dizer que é muito diferente cozinharmos todos os dias para nós mesmos ou para uma família, com o tempo contado, e cozinhar com tempo, ao fim de semana, enquanto os nossos amigos conversam connosco e bebemos um copo de vinho. São registos completamente
diferentes.

Olhando para o último ano e meio e para os períodos de quarentena, a cozinha foi um grande aliado.

Completamente. Muitas pessoas que não tinham sequer experimentado cozinhar viram-se obrigadas a isso e descobriram um talento escondido.

2020 foi aquele ano em que os portugueses fizeram pão como ninguém…

A receita do seu “pãodemia” foi um sucesso.

A Filipa aproveitou para se dedicar ainda mais à cozinha ou estando tanto tempo em casa a conversa foi outra?

Eu andei um pouco contracorrente nessa altura, porque quando toda a gente estava a trabalhar a partir de casa, eu continuei a vir para o atelier. Revezava-me com o meu namorado. Eu tive muito trabalho porque as pessoas estavam mais ligadas às redes sociais e o trabalho aumentou muito. Começou com o “pãodemia” – e eu decidi partilhar a receita de pão porque percebi que ia ser uma primeira necessidade – e a partir daí quis dar ideias, dar dicas… Havia muita gente que já não sabia o que havia de cozinhar e eu tentei estar próxima e ajudar, dando sugestões.

Uma das suas maiores preocupações prende-se com o consumo de alimentos não processados.

Muitas pessoas perguntam-me mais sobre açúcares e óleos. Acho sempre preferível que se vá para a cozinha fazer umas bolachas de chocolate com chocolate, com açúcar, com ovos e com óleo do que passem no supermercado e apanhem um pacote. A versão caseira será sempre mais saudável. É nesse sentido que tento que as pessoas comam o menos processado possível.

A Filipa não come?

Às vezes, como. Da mesma forma que, às vezes, mando vir take away. Sou humana e também tenho essas necessidades. O importante é mudar mentalidade nesse aspeto, como é importante o comprar localmente, consumir alimentos de época, evitar o desperdício e usar sobras. Um terço da comida que está nos supermercados acaba no lixo e isto é horrível.

Das receitas que tem nos seus cadernos, algumas surgiram de sobras?

Muitas delas e acho que isso se vai perceber, porque nasceram de necessidades reais.

Há algum ingrediente que recusa usar?

Há um que eu não adoro, que é aipo, mas não me recuso. Fico mais triste, por exemplo, por ter de usar tomates no inverno. Mas uma coisa é o que eu faço em minha casa, para eu comer e para alimentar a minha família. Outra é a cozinha que faço para os programas e que vão passar durante o ano inteiro. Tenho de pensar que as pessoas podem estar a vê-lo em agosto ou em janeiro e quero dar várias alternativas.

Isso quer dizer que, em casa, não usa tomates no inverno?

Sim!

E um ingrediente que não dispensa?

O azeite. É um bom ponto de partida para fazer tudo o que é tradicional.

Para terminar, uma receita rápida com apenas quatro ingredientes.

Ai (risos). Então… ovos, açúcar, manteiga e cacau e temos um bolo de chocolate incrível e pronto para ir ao forno em menos de nada! Podem ficar atentos, que eu vou mostrar a receita neste programa.