O Rumo à Pesca, que Helder Luís fotografou enquanto preparava “Sardinha, o sem fim da pesca do cerco”, “é um dos barcos mais antigos, ainda no ativo, da pesca do cerco em Portugal“. “Tem um percurso que remonta a Peniche e ao movimento cooperativista das pescas, ocupando um lugar especial na história da pesca da sardinha e na construção naval de embarcações desse género” no país, explica o autor, em entrevista por escrito.
Aquele barco “foi construído em 1979, em Peniche, numa época em que os pescadores locais enfrentavam grandes desafios económicos, impossibilitando a renovação da frota existente”, segundo Helder Luís. Os mesmos “decidiram organizar-se em cooperativas com intuito de financiar a construção de novas embarcações, refletindo os ideais de solidariedade e esforço pelo bem comum, tipicamente associados ao cooperativismo do pós 25 de Abril”.
A segunda vida a que alude o título da publicação começou em 2009, com a venda do Rumo à Pesca a um armador de Vila do Conde, onde foi sendo submetido a atualizações e manutenções. Daí que se mantenha ativo aos 45 anos, sem perder a ligação às origens: na altura da pesca da sardinha, ainda se desloca até Peniche.
A presente edição é, no essencial, resultado de duas viagens feitas, em setembro de 2020, com a tripulação. A bordo vão perto de 20 homens, provenientes, na sua maioria, de locais como Póvoa de Varzim e Vila do Conde e, não raro, unidos por laços familiares. Em jeito de complemento, o autor recorreu ainda a algum material de arquivo, não publicado, com data de 2018 e 2019.
“Foi impressionante acompanhar e registar a postura destes pescadores para enfrentar, não apenas as forças da natureza, mas também lidar com os limites impostos pela situação pandémica, contribuindo para que não faltasse peixe nos pratos dos portugueses.”
O trabalho coincidiu, em parte, com o estalar da covid-19, o que só fez o autor admirar ainda mais “a resiliência dos pescadores”. “Apesar das adversidades impostas pela pandemia, que se juntaram aos desafios inerentes à própria atividade da pesca, continuavam a embarcar nos seus barcos e a sair para o mar regularmente”, assinala Helder Luís. “Foi impressionante acompanhar e registar a postura destes pescadores para enfrentar, não apenas as forças da natureza, mas também lidar com os limites impostos pela situação pandémica, contribuindo para que não faltasse peixe nos pratos dos portugueses.”
O interesse pelo tema da pesca na atualidade deve-se à estreita convivência de Helder Luís, desde cedo, com os barcos e as suas gentes, na Póvoa de Varzim. Se o avô João Silva, alfaiate de profissão, lhe incutiu “o respeito e a admiração pelo mar”; os passeios pelos cais e as idas à lota, na companhia da mãe, ajudaram igualmente a criar uma ligação afetiva aos pescadores e ao seu ofício de alto risco, apesar de ninguém se ocupar dele na família.
“Sou movido pelo desejo de capturar a essência destas vidas particularmente duras, mas que são frequentemente desvalorizadas ou até mesmo ignoradas.”
“Documentar a atividade piscatória é a forma que tenho para honrar e preservar uma atividade que é fundamental para a identidade cultural portuguesa”, defende o fotógrafo. “Sou movido pelo desejo de capturar a essência destas vidas particularmente duras, mas que são frequentemente desvalorizadas ou até mesmo ignoradas.” Diz-se avesso à “glorificação póstuma que a sociedade tende a promover, reconhecendo os pescadores como figuras heróicas e corajosas após a sua morte, mas pouco fazendo para melhorar as suas condições durante a vida”. E aqui lhes dá, mais uma vez, rosto e voz.
Rumo à Pesca — um barco, duas vidas, uma história, de Helder Luís
Câmara Municipal de Vila do Conde
220 páginas
PVP: 30 euros