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Da Ucrânia para Portugal, Alla Kravchenko trouxe a criatividade e o gosto pela moda

Alla Kravchenko vive há 17 anos em Portugal. (Fotografia de Pedro Correia/Global Imagens)

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Da janela do seu ateliê de moda Nutró, na Praça da Batalha, Alla Kravchenko vê a parede lateral do Teatro Nacional São João, mesmo em frente. “Lembra-me a arquitetura de Odessa, de inspiração francesa e italiana”, comenta. A viver há 17 anos em Portugal – nove no Porto – Alla deixou a sua terra-natal, aquela cidade costeira nas margens do Mar Negro, sul da Ucrânia, quando tinha 12 anos.

“Os meus pais vieram antes, em 2005, quando houve uma grande vaga de emigração”, lembra. Quando chegou, foi viver para Granja do Ulmeiro, nos arredores de Coimbra. “Isso foi um choque, vim de uma grande cidade para uma vilazinha”, conta. Lembra-se de outras angústias dos primeiros tempos, pois chegou uma semana antes de começar a escola e só sabia dizer “olá” em português. “Tinha aquele medo de criança de que toda a gente estivesse a falar mal de mim. Isso forçou-me a aprender português muito rápido. As pessoas não conheciam a nossa cultura, éramos considerados exóticos”, recorda. Aprendeu a língua, que hoje fala fluentemente e com pronúncia do norte, e os pais foram ganhando a vida, o pai a trabalhar nas obras e a mãe em restaurantes. “Na Ucrânia, ela estudou para ser cozinheira, mas depois de muitos anos cá, também fez limpezas e acabou por fazer um curso de cabeleireira. Até hoje é cabeleireira. O meu pai era carpinteiro lá e agora é serralheiro”.

Alla inaugurou o seu atêlie de moda em dezembro, na zona da Batalha.
(Fotografia de Pedro Correia/Global Imagens)

A ucraniana acredita que o gosto pelos têxteis vem da avó.
(Fotografia de Pedro Correia/Global Imagens)

Alla recorda outro “choque cultural” que a levou a faltar muito às aulas. “Não gostava daquilo. Estava muitas horas na escola. Na Ucrânia, era só metade do dia. Estranhei e no secundário comecei a desistir”, conta. Além disso, como estava a estudar Artes e não conseguiu escolher uma área a que se dedicar, optou por não ir para a faculdade. Mas isso não a impediu de desenvolver o seu talento. “Sou autodidata. Comecei a desenhar roupa e já faço isso há mais de nove anos, mas nunca foi o meu ganha-pão”, explica. Alla já geriu alojamentos locais e há cerca de um ano que trabalha no restaurante Maria Dentada, no Jardim Botânico.

Mas nunca deixou a roupa de lado. Acredita que o gosto por trabalhar os têxteis vem da avó. “Ela sempre fez bordados, tricô, croché… tínhamos uma máquina de costura para as coisas de casa. Nos inícios de 2000, não havia abundância na Ucrânia. Por isso, temos a cultura de que quando algo se estraga, arranja-se, não se deita fora”. Essa cultura do reaproveitamento espelha-se no ateliê que inaugurou em dezembro do ano passado, decorado com parco mobiliário, todo vintage, e alguns elementos repescados do lixo, como o tapete.

Antes de vir para o Porto, Alla ainda viveu na Lousã, para estar perto da natureza, mas, conta, percebeu que faltavam “pessoas criativas” na sua vida. Pensou em mudar-se para Lisboa ou Porto, e a escolha “foi fácil”. “Eu já vinha cá visitar amigos e sempre achei a cidade muito bonita esteticamente. Há nove anos ainda havia aquele misto de cidade abandonada que eu adorava. As pessoas fascinaram-me. Quando cheguei, não tinha onde ficar e andei pelas ruas e falar com as pessoas; entrava num café e perguntava se sabiam de alguma coisa. Elas ajudaram-me; senti-me imediatamente em casa”, recorda.

Durante a pandemia desanimou, mas em setembro do ano passado alugou o ateliê que inaugurou em dezembro. “Queria ter um sítio onde as pessoas pudessem vir conhecer o que faço e experimentar as roupas”, diz. “Em fevereiro, veio a guerra [na Ucrânia] e eu estive duas semanas sem vir aqui, só vinha regar as plantas para não morrerem. Deixei-me ir muito abaixo”, conta. Em Odessa, Alla tem ainda sua avó materna, a tia e os primos. “A mãe da minha mãe foi praticamente a pessoa que me criou. Tenho muitas saudades”, desabafa.

Três locais preferidos de Alla, no Porto:

Fontainhas

Para fugir da confusão e do barulho da Baixa, pedir uma cerveja num dos cafezinhos e passear a ver o rio.

Restaurante Migalhas II

Perto da igreja de Cedofeita (no Largo do Priorado), este restaurante serve arroz de pato às terças-feiras.

Café Almada

É um café e restaurante muito barato na baixa do Porto (Rua Ricardo Jorge a chegar ao cruzamento com a Rua do Almada) e tem sempre disponível boa picanha.