Da literatura marginal aos usados: quatro livrarias independentes no Porto

A Gato Vadio mudou de instalações: agora está a Rua da Maternidade. (Fotografia: Rui Oliveira/GI)
Livros acabados de publicar, de autores malditos, pouco conhecidos ou de temáticas queer, mas também velhos clássicos já manuseados, monografias históricas, revistas independentes, e ainda bar e agenda de eventos. Eis o que têm para oferecer estas quatro livrarias do Porto, inauguradas ou refrescadas em plena pandemia.

#1 LIVRARIA EXCLAMAÇÃO

Uma casa para a literatura marginal

A Livraria Exclamação dá visibilidade a autores malditos ou pouco conhecidos, publicados pela editora homónima e por outras que, como ela, trabalham por carolice. Não faltam atividades movidas a Bibliofolia – a alegria dos livros. CF

(Fotografia: Leonel de Castro/GI)

A Editora Exclamação abriu uma livraria com o mesmo nome, em inícios de julho, no Porto, tendo como mote a Bibliofolia, ou seja, a alegria dos livros. Um espaço de leitura e encontro, que acolhe lançamentos, oficinas de escrita, exposições ou atividades para crianças, e tem em marcha novidades como a Comunidade de Leitores “Boémia”, com curadoria de Saguenail. Mas a Livraria Exclamação distingue-se, acima de tudo, por ser uma casa para a “literatura marginal com qualidade”, onde cabem “autores malditos” e pouco conhecidos, explica o proprietário, Nuno Gomes.

Exemplo acabado do interesse da Exclamação pelas franjas é que se prepara para editar em português, traduzida do persa, por uma mulher, a obra completa da poeta afegã Nadia Anjuman, “a marginal das marginais”, na expressão de Nuno Gomes. A autora publicou o primeiro livro após a queda do regime talibã, em 2001, e tinha um segundo escrito quando morreu, depois de ter sido espancada pelo marido – um bibliotecário que não via com bons olhos a sua produção literária.

Nuno Gomes no jardim das traseiras.
(Fotografia: Leonel de Castro/GI)

“Portugal tem uma especificidade: muitas pequenas editoras que, como nós, trabalham por amor à camisola. A nossa editora é suportada por outros projetos e pela carolice”, prossegue Nuno, que, além de editor, é biólogo. Através da empresa Bluemater, disponibiliza soluções de tratamento de águas inovadoras e ecoeficientes – inventou sistemas já patenteados ou em vias disso.

Na edição, tudo começou com a Planeta Vivo, ligada à natureza, e que agora é uma das coleções da Exclamação, coordenada pelo próprio. Há várias, com diferentes curadores. Entre elas, a Avesso, dedicada a autores relevantes e muito pouco conhecidos, coordenada por Rui Manuel Amaral; a Novíssima, centrada em novos talentos da poesia e coordenada por Nuno Brito e Maria Bochicchio; ou a Afrikana, coordenada por António Cabrita.

Umas das peças da exposição “Livros-Objecto”, de Isabel de Sá.
(Fotografia: Leonel de Castro/GI)

Nas prateleiras, além da Exclamação, estão representadas outras pequenas e microeditoras, assim como algumas editoras maiores e outras chancelas, que se enquadram ali. Lado a lado com títulos da Hélastre, da Orfeu Negro ou da Língua Morta, estão outros da Assírio & Alvim, da Tinta da China e mais.

Existe uma loja online, mas vale bem a pena visitar a livraria, com um pequeno jardim nas traseiras, rés-do-chão e primeiro andar. Neste último, ficam as obras ligadas à natureza, à arte e infanto-juvenis – o ideal é celebrar os livros logo desde a infância.

Relíquias

Há algumas relíquias expostas na livraria, desde uma prensa do século XIX até uma máquina de escrever, dos anos 1930, que funciona com ponteiro.

SUGESTÃO DO LIVREIRO:

“Antes de mais e depois de tudo”, de Regina Guimarães
Editora Exclamação
14,90 euros

Eis a primeira antologia poética da autora portuense, com seleção e posfácio de Rui Manuel Amaral. “A Regina escreve poesia ao pequeno-almoço, num e-mail… Este é um livro que se lê em qualquer altura, como ela escreve em qualquer altura. É uma poesia de alegria”, defende Nuno Gomes.

(Fotografia: Leonel de Castro/GI)

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

#2 LIVRARIA ABERTA

Espaço para se ler as margens

Foi no fim do primeiro confinamento que Paulo Brás e Ricardo Braun começaram a pensar em abrir um espaço próprio. Surgiu então a Aberta, primeira livraria de temáticas queer no Porto. LM

(Fotografia: Leonel de Castro/GI)

Paulo, investigador na área da literatura, produtor cultural e performer, e Ricardo, tradutor, encenador e professor de dramaturgia, pensaram em abrir um espaço cultural após o primeiro confinamento. “Não pensámos necessariamente numa livraria, mas sim num espaço para a cidade onde pudéssemos desenvolver o nosso trabalho”, conta Paulo. Mas logo perceberam que o espaço tinha de ser sustentável. “Podia vir para aqui fazer programação cultural mas como é que isso se pagava?”. Idealizaram, então, uma livraria, que inauguraram em junho e, agora que foram levantadas as limitações devido à pandemia, querem ter lá exposições, conversas, lançamentos de livros, entre outros eventos.

Desde o início que assumem o espaço como uma livraria queer, sendo assim a primeira do género na cidade. “Já tinha havido uma livraria LGBT [lésbica, gay, bissexual e transgénero] em Lisboa, a Esquina Cor de Rosa, da Jó Bernardo (funcionou entre 1999 e 2005)”, lembra Paulo. Aqui, optam pelo termo queer por uma questão de inclusividade. “A par das minorias sexuais, é importante falar de outras. A questão da intersecionalidade é muito importante. As lutas pelos direitos humanos não são todas a mesma coisa mas podem ser lidas em conjunto e podem aprender umas com as outras”, reflete. “Queremos ser abrangentes, por isso, para além das minorias sexuais, falamos de minorias raciais, de classe, de género”.

O espaço da livraria e o seu catálogo, ainda em construção, refletem isso mesmo. A loja é um espaço minimalista e arrumado, com muito espaço vazio “para que carros de bebés ou pessoas em cadeiras de rodas possam passar”. Nas prateleiras, os livros não estão dispostos por género literário, mas sim por ordem alfabética de autores. Começa pelos anónimos, “quase como uma brincadeira ao início da história da literatura” – o primeiro livro é mesmo o “Épico de Gilgameš” – depois vai de A ao Z. Na última prateleira estão as antologias e os livros com vários autores. As novidades estão junto ao balcão.

À parte, estão as secções infantil e juvenil. “São muito abrangentes, pois não era possível ter um catálogo exclusivamente queer em Portugal”, diz. Alguns dos livros disponíveis já foram publicados com esse objetivo, há outros que não, mas que permitem “ter essa conversa com as crianças e os adultos responsáveis por essas crianças”. Desde que os livros “falem de diversidade, de inclusão, já nos sentimos à vontade para os ter cá”.

Na parte dedicada aos jovens, há alguns clássicos para “se ler as margens de outra maneira. Muitos livros juvenis falam de crianças órfãs ou que estão sozinhas. Todos contam de alguma maneira histórias de superação a partir do isolamento ou da marginalidade. Faz todo o sentido ter aqui, por exemplo, ‘O Diário de Anne Frank’”, conclui.

(Fotografia: Leonel de Castro/GI)

Editora queer

Outra das facetas deste projeto é ser uma editora, dedicada à publicação de livros antigos de autores portugueses e estrangeiros. O primeiro será “O Barão de Lavos”, de Abel Botelho, originalmente publicado em 1891 e que é o primeiro romance homoerótico português.

SUGESTÃO DOS LIVREIROS:

“Menino, Menina”, de Joana Estrela
Planeta Tangerina
12,90 euros

“Este livro para a infância é de uma autora e ilustradora incrível do Porto e reflete o que queremos para esta secção. De forma descomplicada, fala de género para as crianças, mas ainda mais para os adultos responsáveis por essas crianças. Começa por falar das distinções de género, dos seus clichés, para depois os desconstruir”.

(Fotografia: Leonel de Castro/GI)

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#3 TÉRMITA

Um sítio para agregar livros e pessoas

Os donos do Café Candelabro, onde antes funcionou um alfarrabista, nunca deixaram cair a ligação aos livros, mas quiseram dar-lhes casa própria. Em fins de 2020, abriram a livraria Térmita mesmo ao lado, num antigo armazém de madeiras. CF

A equipa que se divide entre a livraria Térmita e o Café Candelabro.
(Fotografia: Pedro Correia/GI)

A pandemia não demoveu os primos Hugo Brito e Miguel Seabra, mentores do Café Candelabro, de abrir uma livraria na porta contígua: a Térmita. O nome assenta-lhe bem. Afinal, nasceu num antigo armazém de madeiras então tomado por bichos de natureza gregária que fazem daquela matéria-prima – e dos livros – refeição. “Os sítios também falam um bocado do que poderão ser”, comenta Hugo Brito, frisando que o projeto – de que também faz parte o livreiro Hugo Miguel Santos – pretende “agregar pessoas, livros, ideias”.

O espaço sofreu obras sem apagar as marcas do tempo, condizentes com a sua nova vocação. Na Térmita, livros usados e fora de edição surgem ao lado de outros bem recentes, “escolhidos a dedo”, de pequenas editoras como Sr Teste ou Edições do Saguão. Tanto se encontra publicações de aspeto cuidado, acabadas de sair, como velhos clássicos, monografias históricas, livros técnicos ou de arte. “Queremos ser um sítio onde o livro seja tratado de forma especial, e não simplesmente colocado por ordem alfabética”, resume Hugo Brito. Essa “desorganização organizada” gera surpresas, “faz parte da magia de ir a uma livraria: podes encontrar um policial na secção de filosofia”.

Os móveis e estantes desenhados pelo ateliê Still Urban Design, de Sofia Pera Fernandes, convivem com objetos curiosos, como figuras de robôs ou uma cadeira de cinema, a puxar pela leitura. Há ainda alguma música de editoras portuenses e espaço para apresentações de livros, oficinas e exposições – a propósito, “Pise com cuidado”, de Amanda Copstein, acaba de chegar ao armazém dos fundos.

A exposição “Pise com cuidado”.
(Fotografia: Pedro Correia/GI)

SUGESTÃO DOS LIVREIROS:

“Regras para a direcção do espírito”, de Pedro Eiras, com desenhos de Pedro Proença
Editora Flop
18,50 euros

A obra, em prosa, apresenta-se numa caixa contendo 31 cartas e um cartaz. É um objeto literário, foge ao formato tradicional do livro. “Este tipo de leitura convida à hipertextualidade; não tem de ter uma ordem”, sublinha Hugo Brito.

(Fotografia: Pedro Correia/GI)

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#4 GATO VADIO

A livraria da contracultura

No início de 2020, a livraria Gato Vadio – da Associação Saco de Gatos – saiu do espaço onde estava desde a sua abertura, em 2007, na Rua do Rosário, para reabrir numa artéria próxima. O espaço continua a juntar livraria, bar e espaço para eventos. LM

(Fotografia: Rui Oliveira/GI)

“Isto não é apenas uma livraria, é um espaço onde se fala de livros”, começa por elucidar Jorge Leandro Rosa, responsável pelas escolhas editoriais que aqui se encontram. O ensaísta e tradutor não quis, nesta nova fase do Gato Vadio após a mudança de instalações, deixar de parte a tradição ligada à poesia, mas quis aprofundar a atenção para outras áreas, “sobretudo o ensaio político, as alternativas ecológicas e o ensaio sobre arte”.

Assim, foi reforçada a presença de revistas nestes campos, “principalmente estrangeiras – espanholas, francesas, norte-americanas – porque não há muitas portuguesas”, diz. A linha continua a ser o pensamento alternativo, a contracultura, a atenção aos pequenos editores, ao fanzine e aos livros de autor. “O pequeno editor de qualidade interessa-nos muito – por exemplo, temos livros de uma editora aqui do norte, a Contracapa, que tem lançado antologias de poesia árabe, sueca, hispano-americana, italiana…”. Esta coleção vai ser o centro de vários eventos durante os próximos meses.

Como espaço de convívio que é, a Gato Vadio quer “promover a vida social em torno do livro”, mas não só. Continua a organizar sessões de cinema regulares às quintas-feiras e alguns jantares informais. Em novembro, pretende organizar um encontro internacional de revistas de pensamento alternativo.

SUGESTÃO DOS LIVREIROS:

Revista Salamandra (23-24)
Edição: Grupo Surrealista de Madrid
15 euros

Está à venda no Gato o mais recente número da “Salamandra”, a revista editada pelo Grupo Surrealista de Madrid. Aqui, em mais de 400 páginas, há ensaio, poesia e arte visual, sempre no espírito da “rebelião surrealista”. Para ser lida “à noite, com um bom suporte e com tempo disponível”.

(Fotografia: Rui Oliveira/GI)

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