Comer e beber à moda do inverno

O tradicional capão de Freamunde (Fotografia: Leonel de Castro/Global Imagens)
O frio está a chegar para arrefecer o ambiente ao mesmo tempo que nos aquece a mesa. Estamos no tempo dos pratos de caça, do peixe assado no forno, do incontornável bacalhau, das aves como o capão de Freamunde, da apreciada tríade terrosa de castanhas, cogumelos e trufas. E ainda, porque o Mundo a eles volta, aos frutos da horta e pomar. Todos merecem bem casar com vinho.

1. Caça – Lume lento e tintos com idade

Há uma ponte entre taninos poderosos e caça, pelos estufados lentos que são normalmente a ela associados. Vinhos com mais idade são os companheiros ideais para estas receitas.

(Fotografia: DR)

O receituário mundial deste grupo culinário corporiza uma actividade cinegética que o mundo geralmente está a condenar mais e mais. Há no entanto que ir às raízes para ver que começou com foco na sobrevivência da nossa espécie e que, pela beleza e distinção da mesa de caça, outra coisa não faz que honrá-la com a aplicação do talento e do coração. É nesta altura do ano, quando começam a acender-se as lareiras nos lares rústicos portugueses, muitas vezes com o fumeiro a curar, que se aviva o lume às panelas de ferro para longamente e sem pressas apurar os cozinhados próprios de perdiz, codorniz, galinhola e outros.

Saem das gavetas os cadernos de cozinha com as receitas da família, amarelecidos pelo tempo e tingidos pelos condimentos e pingos, e que contêm os segredos mais difíceis de descobrir. Está aqui muita da grande cozinha nacional, raramente se encontra nos restaurantes, com excepção daqueles que se instituem eles próprios nossas casas, convocando-nos à mesa como se pertencêssemos à família. Há uma ponte clara e aceite entre taninos poderosos e caça, justamente pelos estufados lentos que normalmente comporta, refogados fortes em tomate e condimentos apurados. Devemos por isso procurar tintos com alguma idade, das nossas regiões favoritas, mas sem bairrismos nem preconceito.


Três vinhos para acompanhar perdiz e outras carnes de caça


Antigamente aquecia-se o vinho junto à lareira, para o abrir, mas hoje sabemos que isso o desvirtua totalmente. Além de o adoçar, torna-o aborrecido e soturno, e por tabela quando fazemos sair o álcool prematuramente por efeito do calor, estamos a tirar a alma ao vinho. Só por si, já merece forte castigo. A idade do vinho já lhe arredonda arestas, a angulosidade e adstringência cedem o lugar a uma estrutura boleada e taninos macios. O Alentejo tem um bom manancial de vinhos aptos para pratos de caça, assim como o Douro. Ambas as regiões apresentam normalmente excelentes vinhos com acidez moderada.

Agora que já derrubámos o mito do vinho aquecido, podemos bem substitui-lo por vigor e força, que a caça merece e precisa. A acidez faz falta noutras aplicações, aqui neste capítulo culinário devemos procurar frescura, que é a simpatia subtil entre taninos e acidez, em equilíbrio. Os vinhos de solos de transição têm normalmente afloramentos graníticos e genericamente minerais, de que as vinhas velhas são o exemplo mais pungente. As notas de grafite, pedra molhada e tonalidades terra colocam a coroa sobre os vinhos de vinhas velhas. Vai talvez gastar mais dinheiro, mas o tempo e a mesa vão recompensá-lo vastamente. E se procurar bem, vai encontrar excelentes relações qualidade-preço. Puxe por eles a cozinhar, que a felicidade que vai ver nas caras dos seus à mesa é a melhor recompensa. FM

Cimas: neste restaurante do Estoril há receitas de caça o ano todo

A perdiz estufada com vinho da Madeira e a lebre com vinho tinto são dois dos pratos sempre disponíveis, neste restaurante aberto em 1952, no Estoril.

A galinhola à english-bar, flambeada, é um dos ex-líbris do Cimas, o histórico restaurante no Estoril aberto em 1952, descende de um antigo bar inglês que ali funcionava desde 1941. O prato está na carta desde o início, conta Sara Sobral, que com o pai gere o restaurante. A galinhola, carne de caça que ali chega vinda dos campos da Escócia e da Irlanda, pode vir diretamente da cozinha ou ser confeccionada na sala, à frente do cliente. De momento, o prato está fora da carta, mas irá voltar no inverno. A perdiz estufada com vinho da Madeira, a lebre com vinho tinto e a perdiz de escabeche são outros dos dois pratos de caça que se podem comer no Cimas. Esses, sempre disponíveis. LM

Perdiz estufada com Vinho da Madeira. (Fotografia: Diana Quintela/GI)

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2. Peixe no forno – Assadeira a pedir brancos e tintos elegantes

O peixe assado no forno tornou-se praticamente uma festa caseira, com poucos restaurantes a fazê-lo. É operação simples, porém, e na mesa dá-nos grande liberdade de escolha de vinhos.

(Fotografia: RitaE/Pixabay)

Mesmo os carnívoros mais afoitos não dispensam o luxo de um peixe assado no forno de casa, por rudimentar que seja. Há glória na romaria de manhã cedo à peixaria de sempre para resgatar o que comemos com os olhos logo ali, depois transformá-lo segundo as rotinas de sempre, que invariavelmente passam por arrepiar o peixe, temperá-lo ou mariná-lo.

Para quem não tem ideias, corte duas cebolas grandes em rodelas grossas, pique duas cabeças de alho grosseiramente, assente-lhes o bicho em cima, 2 dl de azeite virgem extra e tape com filme de cozinha a travessa funda em que a operação vai acontecer. Pode acrescentar tomate e louro se o assado se pretende à portuguesa, pimentão doce e pimentos quando se busca a variante asturiana. Mais simples é impossível e funciona mesmo com os mais básicos e baratos exemplares – caso da xaputa – apesar de nada chegar a uma dourada, robalo ou pargo do nosso mar e de bitola avantajada.

Tornou-se uma festa eminentemente caseira, já que os restaurantes praticamente deixaram de ter peixe assado no forno, optando pela deprimente versão de peixe de menos de um quilo, obviamente de viveiro. A alimentação é feita à base de farinhas e aditivos, com a consequente perda de qualidade e perturbação de sabor.


Três vinhos que vão bem com peixe assado


Alegremo-nos, contudo que o nosso peixe já está assado e prestes a ir para a mesa. Que tipo de vinho devemos alinhar? Curiosamente, é campo onde temos total liberdade de escolha. Confesso a minha predilecção por vinhos brancos da Beira Interior, com os olhos fixos na maravilhosa e única casta Fonte Cal, mas sei que se trata ainda de uma raridade. Esperemos que os produtores da região plantem mais, que o país peixeiro e marisqueiro precisa, literalmente como de pão para a boca.

Mas nem só de brancos vive o peixe assado. Um tinto pouco extrativo e elegante devidamente refrigerado para cerca de 15ºC pode dar muito prazer também. Isto porque a untuosidade do azeite, o toque da cebola abundante, batatas e condimentos utilizados recebem-no de braços abertos. Há contudo que ter cuidado ao promover o contacto de tintos com peixe de mar, genericamente. Na forma mais directa do peixe cozido, produz-se no palato dimetilamina, a que corresponde o sabor metálico do peixe em estado de decomposição.

No património do peixe assado no forno, contudo corremos menos riscos. Mas haverá no mundo prato de peixe melhor que um pregado assado com alcaparras? Claro que não, e o nirvana está no casamento de um branco com madeira que lhe faça justiça. Brancos poderosos e tintos ligeiros e frescos, ambos devem ter assento na sua garrafeira de Inverno para o prazer de um bom exemplar assado no forno. Há que aferir com o seu próprio gosto, cada um tem o seu jeito de gostar de peixe. FM

Chegou a melhor época para comer goraz dos Açores, no portuense Líder

O goraz dos Açores e a dourada do mar são servidos, por esta altura, assados no forno e acompanhados por batata, grelos ou legumes.

É nas épocas mais frias do ano que o goraz dos Açores e a dourada do mar estão com as características ideais de consistência para se confecionarem no forno. E é assim que são servidos no restaurante portuense Líder, no Porto. Manuel Moura, responsável pelo mesmo, explica que são escolhidos apenas peixes grandes, com mais de dois quilogramas. Estes são escalados, cortados em postas e deixados a sangrar algum tempo em água e limão. O azeite, o vinho branco, a cebola, a salsa e o alho fazem o tempero. Depois de meia hora no forno é servido acompanhado por batata assada cortada em gomos e grelos salteados ou legumes cozidos. Alimenta quatro comensais. LM

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3. Bacalhau – A cada receita do fiel amigo, o seu vinho

Casar este clássico da cozinha portuguesa com vinho tinto é monotonia que ele não merece. Neste Natal, experimente casar o bacalhau cozido com um branco de acidez pronunciada.

(Fotografia: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

É o totem culinário nacional e nunca nos falhou. O fiel amigo põe-nos a mesa no Natal, nos dias de festa e não só, e glosa pratos de forno de antologia. Não devemos por isso falhar-lhe quando mais precisa, que é sempre que um português tem ânsias de bacalhau. E sempre que não pensamos melhor na harmonização vínica ideal para cada tipo de processamento estamos a falhar e há hábitos a corrigir.

Quando se demolha e coze com todos, tanto em casa como no restaurante ainda se recorre muito ao vinho tinto, vê-se por toda a parte. Merece bem uma espécie de secessão, e que pelo menos uma vez na vida se experimente com um branco de acidez pronunciada, o folclore das couves, ovo, batatas e azeite merece bem. Partindo do princípio que foi bem regenerado, a sua condição piscícola deve ser tida em conta, e como tal o tinto é de evitar. A afasia vinho-comida passa despercebida quando se rega abundantemente o bacalhau cozido com azeite, mas é inegável a sintonia mais feliz com um branco de acidez pronunciada.

Quando olhamos para o bacalhau à moda de Braga – posta frita, batata frita às rodelas e cebolada como vetores principais – um tinto com pouca ou nenhuma madeira até pode casar bem. Já o bacalhau à Brás clama por vinho branco, tanto pelo peixe desfiado em si como pelos ovos batidos com que se envolve, nenhum tinto entra no conjunto com eficácia. A mais excelsa receita de bacalhau é o Gomes de Sá e faz uma longa vénia tanto a tinto como a branco, tal a sua complexidade, pelo que se pode e deve deixar guiar pelo seu próprio gosto no momento. Há rosés encorpados e estagiados em barrica que funcionam muito bem com este prato.


Três vinhos que são boa companhia para o fiel amigo


A parafernália de variantes amalgamadas, a que convencionámos chamar espiritual, com natas ou equivalente, gostam mais de se chegar aos brancos do que as tintos e, quando têm queijo, pedem mesmo brancos de acidez em evidência, como é o caso de um vinho verde. O corte da gordura é mais eficaz e o rendimento de sabor mais bem conseguido. Os vinhos brancos que o Pico (Açores) tem produzido são excelentes para acompanhar estes gratinados. A introdução de camarão na amálgama pode decretar maior bondade nos brancos com madeira, mas o importante é provar e seguir o seu gosto.

Um arroz de bacalhau com fundo de tomate ou caldeirada leva-nos a um branco com madeira, enquanto uma caldeirada fica mais feliz com um tinto com madeira, sendo um dos pratos mais exigentes do receituário de pescador. Há quem lhe chame bacalhau à espanhola. Indo por este caminho e se for do seu gosto, não deixe de intensificar o sabor com um bom piripiri caseiro. O prato ganha toda uma nova alma. Também pode colocar pimento verde, a pirasina é excelente com um tinto. FM

Saborear o famoso bacalhau à Bem-Me-Quer, em Braga

O bacalhau à Bem-Me-Quer, servido neste restaurante de Braga, vai às origens daquilo que depois se convencionou chamar bacalhau à Braga.
Mas não haja confusões. José Silva, proprietário deste espaço aberto desde 1952, conta que Joaquina Sousa Gomes trouxe a receita original do bacalhau à Narcisa do restaurante homónimo onde trabalhou. Foi nesse Narcisa que outra grande cozinheira, Eusébia, criou este prato, onde o bacalhau é alourado e não frito. Tal como o bacalhau, as batatas, cortadas às rodelas grossas, e a cebola também são alouradas em azeite.

Para finalizar, vai tudo ao forno, unindo-se assim os sabores, que ficam bem presentes na batata. No final, para decorar e cortar um pouco da gordura, são acrescentados pickles picados. Este pormenor é mesmo da autoria de Joaquina. LM

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4. Aves – Os tesouros da criação

Peru, galinha, galo e uma ave muito nossa – o capão de Freamunde – dão alegrias na cozinha. Na mesa, a nossa ave gorda de Paços de Ferreira pede vinho verde Loureiro ou um tinto encorpado com boa frescura.

(Fotografia: Leonel de Castro/Global Imagens)

É ofício bem mediterrâneo a criação, com a galinha à cabeça, seguida de um séquito de animais domesticados que há milhares de anos o mundo civilizado foi integrando na sua pirâmide alimentar. Leite, manteiga e outros derivados foram corporizando e fazendo crescer de forma quase orgânica o colossal edifício avícola que chamamos a nós.

Na altura do Natal, importámos da América o peru, onde a grande ave dá pelo nome de turkey, por ter sido levada para Inglaterra pelos mercadores turcos que atravessavam o Atlântico e de certa forma dominavam as rotas comerciais entre o Velho Continente e a América do Sul, acabando por ser eles a fazer chegar o peru à América do Norte. Os franceses chamavam-lhe poularde des Indes – Galinha das Índias Ocidentais – evoluindo depois para dinde. Nós por cá chamamos-lhe perú, porque tudo o que outrora vinha da América do Sul dizíamos que vinha do Perú. Os espanhóis chamam-lhe pavo, pelas semelhanças com o pavão.

Certo é que o caminho sacramental de elevação a grande iguaria de Natal, especialmente na capital, estava praticamente escrito nas estrelas. Isto se os romanos não nos tivessem deixado o importante legado do capão no triângulo de granitos altos e frios chamado Chãs de Ferreira, composto por Ferreira, Paços de Ferreira e Freamunde. É de resto aí que está definido o território consagrado na certificação do Capão de Freamunde enquanto Indicação Geográfica Protegida (IGP). Há que dizer que é graças a esta certificação que se pode vender e processar fora da região, uma vitória de grande alcance, semelhante ao que sucede com a galinha de Bresse (França).


Três vinhos que casam bem com aves


Tem o seu momento máximo de qualidade, sabor e tenrura por altura da feira de Santa Luzia, no dia 13 de Dezembro, e é de pleno direito a nossa grande ave de Natal. O preço ainda é elevado, mas estima-se que se torne mais democrático quando novos criadores investirem na região e façam aumentar a cobertura geográfica das unidades em produção.

O capão é uma ave gorda que tem de ser desengordurada antes de assar e quando se domina o principal dá grandes alegrias na cozinha. Sabor, textura e flexibilidade são as principais características. Adora um bom espumante e um vinho verde Loureiro faz-lhe bem as honras. No entanto, que isso não demova os que gostam de acompanhar o capão com um vinho tinto encorpado com boa frescura.

Mas há vida para além do capão, pelo Inverno. A galinha de cabidela é uma verdadeira guloseima, assim como o galo estufado que se abate e come após tratamento primoroso nos potes de ferro distribuídos pelos lumes de chão de todo o país. O pato assado também gosta de se passear pelas mesas da estação fria. Faz o arroz de antologia que todos conhecemos e veneramos. FM

No Aidé, serve-se o premiado capão à Freamunde

Tendo ficado famoso pelo seu capão à Freamunde, vencedor de vários prémios, o restaurante Aidé serve o prato desde meados dos anos 1980.

Na época, o prato era mais preparado em casa pelas famílias locais em épocas festivas, mas o restaurante quis começar a servi-lo até porque os clientes começaram a pedir, conta Fernando Pinto.

Aqui, o capão é temperado e fica a marinar alguns dias. Depois, é assado lentamente no forno a lenha. O recheio é feito com os miúdos do próprio, aos quais é adicionado um refogado com presunto e um pouco de vitela. Durante o assamento, é regado com vinho do Porto, o que lhe confere doçura e refresca a pele, ajudando-a a ficar alourada e crocante. LM

(Fotografia: Leonel de Castro/GI)

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5. Horta e pomar – O grande desafio da harmonização

A cozinha vegetal não tem proteína animal, aquela em que se baseia a sugestão de vinhos. Há que procurá-los mais abrangentes, na busca de um casamento feliz.

(Fotografia: Paulo Spranger/Global Imagens)

Mais tarde ou mais cedo, o Mundo vai tornar-se vegetariano. Ou pelo menos regredir para os padrões e modelos de alimentação de antes da revolução industrial e da pecuária de grandes volumes. Além disso, os caminhos de desenvolvimento preconizados para a agricultura apontam de forma clara para menos manipulação de proteínas e aprofundamento dos conhecimentos de explorações biológicas e biodinâmicas, em detrimento do impulsionamento de plantação em extensão de OGM (organismos geneticamente modificados).

É pouco provável que vamos a tempo, mas há que tentar infletir com as forças que consigamos reunir. Há uma nova consciência a que todos podemos e devemos aderir, e curiosamente basta-nos voltar aos cardápios dos que nos antecederam. A cozinha de hortelão, baseada em raízes, rizomas, tubérculos e frutos, apresenta uma grande diversidade de declinações possíveis. Estamos neste momento em plena época de marmelos e basta uma leitura breve de cadernos de cozinha de há cem anos para vermos como eram acompanhamento semelhante ao da batata de hoje, em pratos sofisticados e prazerosos.

A rotação de culturas e espécies na horta é suficientemente variada para que as semanas à mesa sejam todas diferentes. O desafio vínico é que não é tão simples de ultrapassar; a cozinha vegetariana não tem proteínas animais, justamente aquelas em que normalmente nos apoiamos para elaborar e experimentar harmonizações. Mas que isso não nos faça esmorecer, antes fazer-nos munir de vinhos mais tolerantes e abrangentes.


Três vinhos que vão bem com produtos da horta


Há que buscar menos força de álcool, para nos permitir abrandar também nos polifenóis e acidez, permitindo-nos manter bom equilíbrio e a mesma sensação de completude. Apoiamo-nos mais nas proteínas vegetais e aprendemos a ligar os alimentos de outra forma. Leguminosas, arroz e ovos podem entrar num outro balanço sem nos impor elementos contundentes nos pratos. Grão-de-bico e arroz juntos constituem proteína completa e suficiente para a alimentação humana, utilizamos brancos para receber as nuances de sabor e os condimentos com que gostamos de marcar as refeições.

Os restaurantes vegetarianos que temos entre nós raramente contemplam os vinhos, pois o álcool é considerado tóxico – há que dizê-lo – e por isso mesmo fora do léxico da refeição vegetariana. As experiências que tenho vindo a fazer apontam contudo na direção contrária, e tenho assistido a várias conversões ao vinho, desde que acauteladas as premissas fundamentais da salubridade e respeito pela origem. O vinho vence como sempre, se for escolhido e preparado com critério. FM

Receita de puré de batata doce, nozes e bacon do Bocados, em Ponte de Lima

Palmira Pereira, à frente da cozinha do Bocados, em Ponte de Lima, sabe bem como preparar com criatividade o que vem da horta. Sugere aqui uma receita de puré de batata-doce com nozes e bacon, para acompanhar assados ou só uma boa salada.

O seu método preferido para bem assar as batatas é “lavá-las, picar com um garfo e embrulhá-las em papel de alumínio” e levar a forno num tabuleiro. LM

Puré de batata doce, nozes e bacon (8 pessoas)

Ingredientes:

4 batatas-doces médias
1 colher de chá de canela
1/4 chávena (chá) de leite integral
2 colheres de sopa de manteiga com sal derretida
2 ovos grandes batidos
2 colheres de sopa de uísque (opcional)
sal q.b.
nozes pecan ou das normais
4 fatias de bacon em fatias grossas picado
3/4 chávena de açúcar mascavo
1/3 chávena de farinha trigo normal
1 1/2 chávena de nozes cruas picadas grosseiramente
6 colheres (2 para o puré) de sopa de manteiga com sal derretida
1 colher de chá de pimenta, usando mais ou menos a gosto
1 colher de chá de sálvia picada
1-2 colheres de chá de alecrim fresco picado (opcional)

Preparação:

Pré-aquecer o forno a 250º. Fazer alguns buracos nas batatas-doces e levar a assar por uma hora ou até ficarem macias. Depois, cortá-las ao meio e deixar esfriar. Retirar as cascas da polpa da batata-doce e deitar numa tigela. Amassar bem. Misturar a canela, o leite, a manteiga, os ovos e o uísque até incorporar. Temperar com sal.

Enquanto isso, numa frigideira grande em fogo médio, cozinhar o bacon até ficar crocante. Misturar o açúcar mascavo, a farinha, as nozes, a manteiga, a pimenta, a salva e o alecrim (se usarem). Reduzir a temperatura do forno para 150 graus.

Colocar a mistura de batata-doce numa assadeira e deitar uniformemente por cima o preparado das nozes e do bacon. Levar ao forno por 35-40 minutos, até as nozes dourarem. Servir quente, coberto com sal marinho em flocos (opcional).

O restaurante Bocados.
(Fotografia: Pedro Rocha/GI)

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6. Cogumelos, trufas e castanhas – Todos os vinhos gostam desta tríade

A trufa, petisco de luxo, é uma iguaria que poucos chegam a provar. Já as castanhas e os cogumelos chegarão ao nosso prato em abundância nesta estação. Este trio terroso, se falasse, pedia vinhas velhas.

(Fotografia: Kulli Kittus/Unsplash)

Uma parte bem significativa do património micológico nacional revela-se com a instalação do outono, exatamente o período que estamos a atravessar. Abrilhantam os cozinhados, conferindo tonalidades terra a todo o tacho em que fervilham. Uma trufa não é um fungo, mas o fruto de um fungo. Melhor: é uma excrescência da raíz de algumas árvores. Encolhem os ombros os que acham que se trata de preciosismo de linguagem e escandalizam-se quando se lhes pergunta se uma maçã é uma árvore. Claro que não. Temos o caviar e o foie gras em boa conta e pagamos valores chorudos por ambos mas também pouco sabemos sobre eles, menos ainda o que queremos saber.

O luxo tem essa ambivalência em quase todas as frentes, deseja-se mas abandona-se depois da estaca da conquista. A fina e delicada rede de microfilamentos que vive no mundo subterrâneo das raízes alimenta vagarosamente e de forma sustentada alguns fungos e a esmagadora maioria frutifica à superfície, na forma de cogumelos. Alguns – muito poucos – frutificam debaixo de terra e é aí que temos as trufas. Pretas – tuber melanosporum – ou brancas – tuber magnatum pico -, os antigos reconheciam-lhes poderes sobrenaturais e inebriantes, para os romanos eram um afrodisíaco, depois da introdução da batata na alimentação chegaram a ser conhecidas como batatas malcheirosas e de há um século para cá são alimento muito desejado e apreciado pela elite gourmet.


Vinhos que casam bem com castanhas, cogumelos e trufas


O conhecido cheiro a gás enlouquece os animais, outrora as porcas, hoje os cães treinados, dão com elas só pelo aroma. Para onde apontam, escava-se um pouco e lá estão os pequenos ou grandes frutos, em jeito de recompensa. Em Alba, no Piemonte, Itália, há no final de outubro um festival que o país elevou a símbolo universal da trufa branca, com honras de Estado e leilão global. Isso não quer contudo dizer que só naquele pedaço de território há trufas brancas, na verdade existem em todo o mundo.

Os aborígenes australianos consumiam-nas avidamente e eram extraídas das raízes dos eucaliptos. Sérvia e Croácia são palco tanto ou mais importante da trufa branca do que Itália, de resto muitas trufas que entram no mercado pela porta grande provêm dali, o receituário desses países nos capítulos da caça e fundos de cozinha não deixa margem para dúvidas; há séculos que a trufa existe e é apreciada. As castanhas partilham por cá ainda o espaço emocional e histórico das batatas, e muitos pratos, como os rojões à transmontana ainda apresentam umas e outras lado a lado nas travessas festivas; ainda não as dispensamos e talvez nunca as dispensemos. Todos os estilos nacionais de vinhos gostam da companhia desta tríade terrosa. Provindo de vinhas velhas, então, o sucesso está garantido. FM

Solar Bragançano: saborear pratos com castanhas, junto à lareira

A castanha é por esta altura o ex-libris da carta do Solar Bragançano, seja na sopa de castanhas ou na bilhós, uma entrada com chouriça de javali ou veado.

Seja nas entradas, nos pratos principais ou na sobremesa, a castanha é por esta altura o ex-libris da carta do Solar Bragançano, restaurante que trabalha a tradição familiar e rural do seu proprietário Desidério Rodrigues. Além da afamada sopa de castanhas (4 euros), outra das entradas é a bilhós (castanha assada descascada) com chouriça de javali ou veado (5,5 euros). A caça está também presente nos pratos faisão ou javali com castanha (14,5 euros), cozinhados em pote de ferro no lume de chão. São acompanhados com puré de castanha e maçã e esparregado de grelos. Para sobremesa há bolo de castanha e de castanha com noz. Tudo para saborear entre lareiras e muitos livros. LM

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7. Porco – Festa portuguesa, com certeza

Festeja-se em todo o país e há muitas gerações que comemos o porco na íntegra. Proteína e sabor forte e franco da cozinha tradicional, pode e deve harmonizar com vinhos do Alentejo, da talha aos brancos.

(Fotografia: DR)

Apesar das muitas desconfianças que sobre ele ainda recaem, o porco, os seus muitos cortes de carne, as suas diversas curas, a imensa salsicharia que a partir dele desenvolvemos e o inefável presunto que aprendemos a extrair e aprimorar ficam ao rubro a partir de agora e por mais uns bons meses. Quando o malogrado chef Santi Santamaria deu num certo Madrid Fusion uma palestra que ficou para história, mostrando como o porco se cozinhava e comia na íntegra, sem qualquer desperdício, já nós aqui no cantinho luso sabíamos e praticávamos isso há muitas gerações.

Do porco come-se e aproveita-se tudo. E não há salmoura ou marinada que não o aprimore. Sem gordura e aparas de porco, nem uma alheira fazemos, apesar dos muitos dizeres e escreveres parangoneiam a história de sobrevivência de judeus e marranos ao inventar o enchido supostamente livre de carne de porco. O caminho da ficção está ao alcance de todos sem excepção mas antes das obras completas convém deitar olho e dente às farinheiras do Sabugal, que são feitas desde os tempos das fogueiras da inquisição com carnes de porco e outras, unto e alho, tal e qual como… as alheiras.


Três vinhos que vão bem com pratos de porco


Para o que aqui é relevante, a universalidade do porco é indiscutível e nós portugueses não o dispensamos. Os torresmos do riçol – ou rissol – que fazemos na altura da matança produzem logo de seguida a banha mais alva e pura, ingrediente estruturante da cozinha tradicional portuguesa. Os alentejanos comem lombo de porco assado pelo Natal, como que renunciado ao jejum imposto pela igreja, passando a consoada pelas ruas e de umas casas para outras, em lugar da patriarcal ceia de porta fechada. Também se come peru assado, de resto como em todo o país, mas não com a mesma devoção pagã e festiva com que se toca a reunir.

O barrocal algarvio criou a carne de porco com amêijoas, e são muitos os encontros mar-terra lavrados naquela língua de território entre o mar e a serra de Monchique, com a cataplana a servir de bandolim integrador de sucos, molhos e temperos. Tem forma de bivalve e anima os natais um pouco à maneira do Alentejo, com o aspeto da festa alegria mais vincado ainda.

Os vinhos alentejanos afinaram muito com o tempo e hoje acompanham bem os pratos finos da melhor tradição mediterrânea, assente principalmente em pisos e caldos. Antigamente eram pesados e monolíticos, hoje são finos e prontos para abordar qualquer gastronomia nacional. Comidas mais consistentes pedem a leveza e equilíbrio dos maravilhosos vinhos de talha do Alentejo mais a sul, peixes e caldos requisitam sem medo os favores eficazes dos brancos que medram perto do mar. Mas o porco, esse festeja-se em todo o país, sem exceção. FM

Receita de bochechas de porco ao vinho, do chef João Cura

O chef João Cura, do restaurante Almeja, no centro do Porto, procura substituir o sal por ervas e especiarias que traduzem o seu gosto pelas viagens. Este prato de bochechas de porco ao vinho é prova disso – e pretexto para reunir a família, num dos próximos fins de semana.

Nem a pandemia impediu o chef João Cura e a mulher, a responsável de sala Sofia Amaral Gomes, de levar a viajar quem entra no Almeja. As especiarias que remetem para outras partes do Mundo continuam bem presentes na carta, que se tornou “mais dinâmica e mais vegetal”, segundo ele. Por estes dias, inclui pratos de conforto e assentes em ingredientes de época – dos cogumelos silvestres, raízes e caldo de cebola e cerveja preta aos clássicos arroz de miúdos e cabrito assado no forno.

Os confinamentos trouxeram tempo para refletir e mudar algumas formas de trabalhar no restaurante, onde “toda a gente sabe fazer tudo”, ou seja, quem está na sala facilmente passa para a cozinha, e vice-versa. Da pandemia resultou também a criação de uma linha de produtos congelados que continua disponível para encomenda, com pelo menos 24 horas de antecedência. Há desde tartes folhadas (de cogumelos, bacalhau, frango estufado…) até empadão de bochechas de porco, caril de gambas ou almôndegas, por exemplo.

Sofia Amaral Gomes e João Cura à entrada do Almeja.
(Fotografia: DR)

Já fora da ementa, mas pronta a ser reproduzida em casa, está esta sugestão de bochechas de porco ao vinho. À carne, junta-se puré de cenoura e batata-doce e ainda salsifi, uma raiz que pode ser substituída por cherovia, tupinambo ou mandioca – o procedimento é o mesmo, basta ajustar o tempo de cozedura. E, depois, saborear. CF

BOCHECHAS AO VINHO, CENOURA/BATATA-DOCE E SALSIFIS

Bochechas ao vinho

Marinada Bochechas

100 g Cenoura
100 g Cebola
25 g Rama de Aipo
1/2 u Cabeça de Alho
Q.b. Óleo de girassol

1 u Folhas de Louro
225 g Vinho Tinto
200 g Caldo de Carne
4 u Bochechas de Porco
Q.b. Óleo de Girassol
Q.b. Caldo de Carne ou Água

Limpar e cortar as cenouras, as cebolas e o aipo em mirepoix. Cortar a cabeça de alho ao meio e marcar as duas faces com um pouco de óleo de girassol. Adicionar os vegetais cortados e cozinhar até estarem dourados. Adicionar o vinho e as folhas de louro e deixar levantar fervura. Flamejar até queimar todo o álcool. Arrefecer rapidamente e adicionar o caldo de cozido.

Limpar as bochechas de porco (reservar os recortes para a redução ou para caldo). Deixar tudo em água fria e gelo 1h, para retirar sangue e impurezas. Secar e marinar durante 12h no frigorífico. Coar as bochechas, temperar com sal e pimenta e marcar muito bem com óleo de girassol por ambos os lados. Cobrir totalmente com a marinada (se for necessário, adicionar mais um pouco de caldo de carne ou água). Deixar levantar fervura, tapar e deixar cozer no mínimo durante umas 3/4h. Uma vez cozidas, deixá-las dentro do caldo até estarem mornas. Uma vez mornas, retirá-las do líquido, escorrer bem e reduzir caldo para servir. Ligar o caldo com um pouco de manteiga e se necessário para aproveitar e não reduzir tanto com um pouco de maizena.


Puré de cenoura e batata doce

Cenouras
Batata doce
Q.b. manteiga
Q.b azeite
Q.b. água ou caldo de legumes
Sal e Togarashi

Assar as batatas-doces e as cenouras no forno até estarem bem douradinhas. Triturar com manteiga, temperar. Se necessário, por textura, adicionar um pouco de caldo.


Salsifis

Q.b. Sumo de limão
Q.b. Manteiga, sal e pimenta

Descascar os salsifis e deixar de molho com água e umas gotas de sumo de limão para evitar que oxide. Escaldar em água os salsifis, deixando-os ainda com alguma textura. Terminar de os caramelizar em manteiga.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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