Comer, beber e passear no Douro à boleia da EN222

Da Régua ao Pinhão, pelas curvas da EN222, há muito para ver, fazer e provar. Sempre de mão dada com o rio.

Rumar ao Alto Douro Vinhateiro é sempre promessa de uma bela viagem. As cores e os contornos mudam com a passagem do tempo, pelo que em cada estação há um novo quadro a descobrir. O que se abre neste final de primavera do alto do Miradouro de São Leonardo de Galafura, mostra um mar de colinas a perder de vista, encavalitadas e esculpidas em socalcos já com um espesso manto de folhas verdes a cobrir os bagos ainda pequenos, e o rio a serpentear nos seus meandros, sereno.

É uma bela paisagem, embalada no silêncio apenas cortado pelo vento na folhagem e o chilrear dos pássaros, cujo encanto foi imortalizado nas palavras de um poeta que também se deixou arrebatar. «Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso de natureza […] Um poema geológico. A beleza absoluta.» escreveu Miguel Torga no seu Diário XII, a propósito desse postal que convida a partir dali e percorrer o vale.

Miradouro de São Leonardo de Galafura (Fotografia: Artur Machado/GI)

A descida até ao Peso da Régua faz-se em pouco mais de 20 minutos, mas o passeio quer-se pausado, já que em cada curva surge um novo quadro para contemplar – há mais de uma centena de miradouros na região.

Chegando à cidade a horas de comer logo se encontra um punhado de exemplos do feliz casamento entre vinho e boa comida que se prevê em todo o caminho. Um dos mais recentes é o Aneto & Table Wine Bar, instalado há dois anos no antigo armazém ferroviário da Régua, ao lado da estação de comboios, com um ambiente que preserva a construção original, mas de traço elegante. Tem um agradável mezanino e está decorado com peças relacionadas com o vinho, como a grande mesa redonda feita a partir da tampa de um antigo tonel.

No início foi projetado como ponto de venda dos vinhos Aneto, uma produção que a família Montenegro começou no início do século, mas depressa se transformou num restaurante vínico – galardoado nos prémios internacionais «Best of Wine Tourism 2019». Ali, cada prato é pensado para harmonizar com um dos rótulos da marca, utilizando produtos regionais na sua confeção, como o fumeiro e os queijos, mas em sugestões leves e frescas, que fazem sobressair o vinho.

«Trabalhamos de forma a que quem visita a adega passe também pelo restaurante e vice-versa», conta Francisco Montenegro, enólogo e um dos responsáveis pelo projeto de família. A adega fica na freguesia de Penajóia, a 12 quilómetros da Régua, na Quinta do Extremadouro, plantada à face da estrada nacional 222, e de portões abertos para quem quiser conhecer a produção dos vinhos de mesa, os colheitas tardias e o espumante da casa.

Quinta dos Lagares – azeite Zabodez (Fotografia: Artur Machado/GI)

É pelas curvas da EN222 que continua a viagem até ao Pinhão, por aquele que é considerado um dos mais belos e mais completos troços do mundo. Um percurso ladeiro ao rio, no coração do vale, e que passa pela foz dos seus vários afluentes: a ribeira de Temilobos, o rio Tedo, o Távora e o Torto. Vão desaguar ao grande Douro, também ele uma estrada pitoresca para as embarcações turísticas que o atravessam. Detêm-se apenas para subir na eclusa da barragem de Bagaúste, antes de chegarem ao destino comum, o Pinhão. É considerado o centro geográfico da região demarcada, por isso não são poucas as vezes em que o vaivém de autocarros turísticos faz condicionar o trânsito nas ruas estreitas.

Um desafio que vale a pena enfrentar, quanto mais não seja para fazer um desvio até à Quinta dos Lagares, em Vale de Mendiz, onde Pedro Lencart e Isabel Sarmento mostram que em terra de vinho também se faz bom azeite. O Zabodez, uma produção biológica proveniente dos 12 hectares de olival da quinta – em grande parte centenário – foi premiado com medalha de ouro por dois anos consecutivos (2018 e 2019) no New York International Olive Oil Competition.

Para dar a conhecer o azeite laureado – e os vinhos da casa, pois claro -, o casal acaba de inaugurar uma nova sala de provas, perfeitamente camuflada na encosta, feita a partir de um contentor marítimo, forrado a cortiça e suspenso sobre a paisagem, com vista para o vale. «Queríamos reutilizar materiais e estar mais próximos da natureza», palavras de um engenheiro florestal que não esconde o orgulho pela propriedade, na sua família desde 1920. «Esta mata é um repositório de biodiversidade que temos de preservar», defende.

Quinta dos Lagares (Fotografia: Artur Machado/GI)

É também ele quem conduz os dois percursos pedestres que passam pelas vinhas, o olival e a floresta. Um desses passeios guiados termina com uma visita aos lagares e à capela da quinta, originária do século XVIII. E não há como não passar pelo marco pombalino à entrada da propriedade, que não deixa dúvidas – ainda as houvesse – de que se está em pleno Douro vinhateiro.

 

#OUTROS DESVIOS E PARAGENS

Quinta das Carvalhas
Um filho da terra

É na colina voltada para o Pinhão, na margem esquerda do rio, onde Álvaro Martinho, duriense de gema – nascido ali muito perto, em Covas do Douro – passa grande parte do seu dia, entre vinhas, manchas de floresta e os jardins com que teima em embelezar ainda mais aquelas encostas. É agrónomo, responsável pela viticultura da Quinta das Carvalhas, e ainda, ocasionalmente, guia turístico. Mas nada tem de típico a sua Vintage Tour. Toda a visita é feita ao ar livre, à boleia do jipe que Álvaro vai parando em pontos estratégicos. Ora para mostrar o antes e depois da paisagem com o auxílio de fotografias, ora para desencantar algumas ervas aromáticas do meio da mata – funcho, oregãos, erva de caril, alecrim – e dar a conhecer os aromas, as texturas e os sabores daquela terra. Se esvoaça um pardal, um chasco ou um melro, logo aproveita para contar que por ali se encontram 65 espécies de aves, entre elas cinco de rapina.

«Conheço esta região como a palma da minha mão», admite Álvaro. Pelo que as duas horas de duração da visita passam a voar, enquanto se ouve e observa os ensinamentos do guia.
«No Douro é preciso paciência e é importante compreender a natureza» lança, enquanto desenha o vale vinhateiro no chão, com um pedaço de xisto, e explica como aquele lugar, não poucas vezes caracterizado de pobre, tem uma riqueza e biodiversidade incríveis. Defende com convicção de que é uma região abençoada pelo clima, o solo e as pessoas que trabalham a terra.

A visita termina com uma prova de vinhos no novo terraço da quinta, instalado este ano junto ao rio, com várias mesas de piquenique em madeira, e a ponte do Pinhão, a vila e a encosta carregada de vinhas como plano de fundo. «O vinho é emoção e nós queremos proporcionar emoções a quem nos visita», remata Álvaro, e com alguma sorte, até vai buscar a guitarra para envolver tudo com um pouco de música.

 

Quinta de Foz Torto
Viver o Douro, com tempo

Na Quinta de Foz Torto, a cara sorridente que dá as boas-vindas, de entre as vinhas, a horta ou o pomar, é a de alguém que se deixou conquistar por todos os encantos da região. Há 15 anos, Abílio Tavares da Silva trocou Lisboa pela tranquilidade do Douro. Era informático e sócio de várias empresas de software e call center, mas vendeu tudo para se dedicar às lides do campo.

«Eu vim para cá porque me disseram que aqui eram nove meses de inverno e três de inferno, e eu como gosto do frio não pensei duas vezes», ri-se. «Vim pelo vinho mas depois descobri o que o Douro tem mais para oferecer», acaba por dizer.

Dessa resolução, desenhada ao pormenor, nasceram os primeiros vinhos da marca, das colheitas de 2010 e 2011 – assinados pela enóloga Sandra Tavares da Silva. Mas outro dos motivos de orgulho de Abílio é a sua horta, carregada de legumes, e as centenas de árvores de fruto que tem pela quinta, por esta altura já prontas a colher.

«Todo o ano o turista tem o que ver, cheirar e comer», garante. E o melhor é que «tudo aqui tem sabor». Confirma-se. As nêsperas e as cerejas que puxam os ramos para baixo com o peso, os morangos doces e até a rúcula, que deixa um travo picante na boca ainda por um bocado.

Para já, as visitas são feitas apenas por marcação, para que Abílio possa guiar o passeio por aquela que diz ser «uma quinta pedagógica para adultos». O que se aprende ali? A viver o Douro com calma, a desacelerar da vida urbana, e a apreciar a paisagem, os sons, cheiros e sabores da região.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

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