Bem-vindo ao novo Mercado do Bolhão

Mercado do Bolhão (Fotografia de André Rolo/Global Imagens)
O bulício voltou ao mercado portuense. O Bolhão reabriu, completamente renovado, sem perder a identidade. Os velhos comerciantes regressaram e há novos rostos a conquistar a clientela. É ela que vai determinar o futuro de um dos maiores símbolos da cidade.

André Amolador e a arte da cutelaria no Mercado do Bolhão

André aprendeu o ofício com o pai e é a terceira geração de amoladores no mercado. Agora, também produz facas e navalhas.

André Fernandes, o amolador, e agora também cuteleiro, do Mercado do Bolhão. (Fotografia de Pedro Correira/GI)

Presença diária no Bolhão, André, 34 anos, era a primeira pessoa com que os clientes se cruzavam ao entrarem no mercado pela Rua Fernandes Tomás. O amolador lá estava com a sua máquina, afiando facas, navalhas, tesouras, tudo o que cortasse. Agora, no renovado mercado, tem a sua banca própria. André Fernandes aprendeu o ofício com o pai Frederico, que ocupava o mesmo lugar à entrada que André ocupou até 2018. O negócio vinha já do avô José Correia. “Tinha eu 11 anos quando comecei a acompanhar o meu pai. Porém, fui tendo outras profissões”, conta.

Quando o pai morreu, em 2007, ele e o irmão deram continuidade ao negócio. “Estávamos só de manhã porque à noite trabalhávamos numa padaria”. Estava a “ficar cansativo” e, há 10 anos, decidiu dar continuidade sozinho.

Uma das facas produzidas por André Fernandes (Fotografia de Pedro Correia/GI)

Quando se mudou para o mercado temporário, iniciou-se também na venda de cutelaria, tanto industrial como artesanal, toda portuguesa. Com isso cresceu. “Fiz a minha marca: André Amolador. E já tenho alguma feita por mim – facas e navalhas. “Comecei a fazer há um ano. Ainda estou numa fase de aprendizagem, mas já faço algumas peças bonitas”. Além de vender os seus produtos na banca do mercado, também vende através das redes sociais e, admite, já está a ter bastante exposição.

 


Bolhão: a primeira casa da família Ferreira

A família Ferreira é uma das mais antigas a trabalhar no mercado. Tudo começou com duas bacias de azeitona e uma zanga.

Teresa, Delfina e Marcos Ferreira, da histórica banca Marcos Ferreira 5ª geração – Teresa das Azeitonas.

Com 83 anos, Delfina fez questão de estar presente no dia de inauguração do mercado. Espaço que foi a sua casa desde os 23 anos, quando começou a trabalhar com a sogra a vender azeitonas, no andar de cima. “Eram só duas bacias”, lembra. Depois de uma zanga com a sogra, conta, foi falar com o fiscal do mercado, o senhor Santos, e este deu-lhe um lugar cá em baixo, também para vender azeitonas. “Eu pedi-lhe um lugar para vender outras coisas, mas ele disse que não, que eu já estava habituadinha na azeitona, por isso ia continuar na azeitona”, lembra.

Continuou e a vida foi-se fazendo sempre no mercado. Teve a filha Teresa, que tomou conta do negócio quando a mãe já não podia. “Ela foi criada aqui. Ela e os dois irmãos. Ela deitadinha numa gamela da azeitona, um amarrado à saia, o outro na barriga… uns trabalhos… ainda assim ainda estive aqui 50 anos”, diz Delfina.

“Aos oito anos já estava no balcão a trabalhar”, acrescenta Teresa à conversa enquanto pesa mais um saquinho de azeitonas – porque o negócio não pode parar – “e vou fazer 60”. Marcos, de 41 anos, é a geração que se segue. “Aprendi a andar e a falar aqui dentro. Com sete aninhos já ia daqui para a minha escola. Éramos muito desenrascados”, conta. “As melhores recordações da minha vida foram passadas neste mercado. Costumo dizer que é a minha primeira casa, não é a segunda”, diz.

Nesta banca, há muito que não se vende só azeitonas e tremoços. Há também azeites, frutos secos, frutas desidratadas, entre outros produtos.

 


A banca histórica de frescos da Dona Ilda no Mercado do Bolhão

Ilda Magalhães continua a vir todos os dias de Labruge, Vila do Conde, para vender legumes no Bolhão. Como a mãe fazia há mais de 30 anos.

Dona Ilda na sua banca no Mercado do Bolhão (Fotografia de Pedro Correia/GI)

“É Ilda! Botaram-me o ‘Dona’ quando fui para o La Vie, e aqui continua. Mas não sou dona. Dona de quê?”. Ilda Araújo Magalhães pode não ser dona de nada, mas é ela que manda na sua banca de legumes frescos. Apesar da língua afiada e discurso rápido, é avessa a vedetismos. Mas com um pouco de insistência, vai contando a sua história. “Não venho para aqui desde pequenina! Não sou do Porto. Sou de Vila do Conde, freguesia de Labruge”, diz com orgulho.

Uma vez por outra, aos sábados, vinha ao mercado ajudar a “falecida mãe”, Ana. “A minha mãe vendia grelos e hortaliças. Há 50 ou 70 anos, andávamos a apanhar grelos nos campos. Comecei aos 12. Fazíamos aquele molhe fiandeiro. Aos domingos, passávamos a tarde a fazer mesilhos de palha, às 50 dúzias”, para atar os molhos.

Todos os dias, lembra, havia uma camioneta que trazia cinco ou seis mulheres para o mercado. “Naquele tempo, vinham as senhoras da Ribeira, as das mercearias e dos supermercados comprar os molhos fiandeiros, que eram aqueles pequeninos. Colhiam-se mais curtinhos e amarrava-se com palha. Só queriam daquilo. Agora nem temos, só se vendem dos grandes”, conta.

Quando a mãe faleceu, há 32 anos, Ilda decidiu largar a fábrica onde trabalhava e ficar com a banca. “Comecei a vender de tudo, grelos, pencas, pimentos…”, diz. No centro da banca, uma preciosidade: uma máquina de cegar caldo verde, à manivela. Isto no São João não dá vazão. Tenho de cegar em casa, à noite. O ano passado nunca parei”, recorda. Com pouca couve para cegar, mas com muito trabalho, Ilda foi incansável no dia de inauguração. “Estou satisfeita, nunca vi tanta gente como hoje”, remata.

 


Leandro, a salsicharia do Mercado do Bolhão que ajudou a criar as francesinhas

Aqui nasceram as salsichas e as linguiças com que se começaram a fazer as primeiras francesinhas.

Vítor Ferreira, da Salsicharia Leandro, com a famosa salsicha fresca, imprescindível nas francesinhas clássicas. (Fotografia de Pedro Correia/GI)

 

Quando Vítor Ferreira entrou pela primeira vez no Mercado do Bolhão, como interno da Salsicharia Leandro, não tinha quase nada: só a roupa do corpo e um saquinho com meias. Tinha 11 anos e puseram-no logo a cortar pão para as alheiras. Estava longe de pensar que o Bolhão iria ser a sua vida, que ia construir uma fábrica e que as suas salsichas e linguiças iriam ajudar a criar a famosa francesinha da Regaleira, a original.

Quando vim para cá, o Leandro ainda era vivo, mas a casa já era centenária. O proprietário era já o Salvador Massada. Naquela altura, há 56 anos, “já estávamos a preparar a salsicha e a linguiça para as francesinhas. Mas não produzíamos muito, porque na altura era só a Regaleira que as fazia”. Mas já tinham tudo que uma salsicharia pode ter: carne de porco e derivados. “Os nossos transformados são quase únicos porque são fumados em estufas a lenha de azinho, coisa que já quase ninguém faz”, conta.

Depois, têm “os produtos exclusivos de qualidade superior: a linguiça e a salsinha própria para a francesinha e também para os cachorros” à moda do Porto, como os do Gazela. “Na cidade, diz-se que a francesinha sem as salsichas e linguiças do Leandro não é francesinha verdadeira”, conta. Hoje, são tantos os restaurantes que ali se abastecem que Vítor já nem os conhece a todos. E as salsichas até já são servidas ao pequeno almoço em alguns hotéis da cidade, “porque os ingleses adoram”.

Hoje, com uma capacidade financeira como nunca teve, continua a trabalhar todos os dias. “Gostei sempre disto, arranjei aqui namoradas. Não casei com nenhuma daqui porque tinha medo”, diz a rir. Mas lamenta nunca ter tido férias. “Valeu a pena todo o esforço e sinto-me realizado profissionalmente. Mas não soube o que é gozar a vida”, remata.

 


Café e infusões ao peso numa nova banca do Mercado do Bolhão

Novos no Bolhão, Renato e Susana trouxeram os cafés, os chás e as tisanas para a sua banca.

Renato Andrade, dos cafés e Chás da Tuca. (Fotografia de Pedro Correia/GI)

Em 2018, Renato Andrade e Susana Ribeiro abriram a cafetaria de especialidade C’Alma, no Ateneu Comercial, a dois passos do Bolhão. Passado um ano, lembra Renato, surgiu a ideia de abrir mesmo no Mercado do Bolhão. “Ficamos a aguardar porque não sabíamos como se iriam processar as atribuições de licenças”, conta Renato.

Quando surgiu a oportunidade, já se tinha instalado a pandemia e “foi complicado, mas decidimos na mesma arriscar”. Foram a concurso e conseguiram ganhar uma banca para o C’Alma, onde se vendem apenas bebidas de espresso feitas com café de especialidade. Mas não quiseram ficar por aqui. Pensaram ir de encontro ao que “agrada mais ao mercado português”, com café mais “democrático”, misturas tradicionais com cevada, chás e infusões. “Não podemos estar focados só no café de especialidade, por isso fizemos uma marca diferente”, diz. Assim nasceu a Tuca – uma homenagem à cadela já falecida dos proprietários.

O café é vendido a peso, em grão ou moído na hora. Quem preferir café de especialidade, também tem. “Trabalhamos com a Senzu e a 7G, só torradores portugueses. Mesmo nas infusões, trabalhamos com o Cantinho das Aromáticas e a Ervital”, conta Renato.

Têm também alguns souvenirs: os “parachutes”, saquetas de café já moído, seladas, que funcionam como filtro. “É só abrir, pôr em cima de um copo e preparar com água quente”, explica. O filtro é descartável e biodegradável. Os chás podem ser vendidos em latinhas com a imagem da Tuca.

 


Mercado do Bolhão tem uma nova banca dedicada aos cogumelos

Cogumelos produzidos em Portugal e no resto da Europa, bem como algas, são uma novidade no mercado. Vendem-se frescos e secos.

O Sítio dos Cogumelos, no Mercado do Bolhão (Fotografia de Pedro Correia/GI)

Pedro Catão não é um novato no negócio dos cogumelos. Já desde 2010 que produz em Amarante as variedades shiitake e pleurotus, vendendo para restaurantes, particulares e mercados. Aqui, vende não só o que produz, mas também as espécies que distribui, de outros produtores.

“Faço distribuição aqui no Porto e já tinha alguma experiência em termos de mercados. Quando soube que ia abrir o concurso para esta categoria – cogumelos e algas – concorri”, conta. “Foi um processo rigoroso de seleção de candidatos, depois, em hasta pública, arrematei a banca. Interessava-me muito estar aqui porque o Bolhão é a alma do Porto e tudo isto é carismático: o ambiente, as pessoas, os vendedores, os compradores… Estar no coração do Porto é um privilégio e um orgulho”, admite. Há aqui grande variedade de cogumelos, entre frescos e secos, vindos tanto de Portugal como de vários países europeus. Além disso, vende também algas.

“Os vendedores históricos foram muito simpáticos e recetivos comigo, não tenho o que dizer. Mas também é fácil, porque sou o único a vender cogumelos, não sou concorrência de ninguém”, diz. De resto, o mercado, considera, é uma grande família. “Pode existir alguma picardia entre eles, mas até é saudável. E percebe-se que, negócios à parte, gostam uns dos outros”, diz.

 


Há empadas alentejanas no renovado Mercado do Bolhão

Há mais de 20 sabores nesta nova banca do Bolhão. O alentejano Flávio Tavares já há muito queria vender empadas no Porto.

Flávio Torres, responsável pela banca das empadas.
(Fotografia de Pedro Correia / Global Imagens)

No dia da inauguração do mercado renovado, faltavam ainda 20 minutos para as 17h e já se tinham vendido 600 empadas. “Até ao fecho”, diz Flávio Tavares, cara nova no Bolhão, “pretendo chegar às mil”. Acabou por vender 900, um bom número para este alentejano que já há algum tempo queria abrir uma loja de empadas alentejanas e outros produtos da região no Porto. Abriu então as Empadas do Mercado.

Natural de Casebres, aldeia em Alcácer do Sal, Flávio abriu há cinco anos a A Empadaria Alentejana, em Lisboa. “Tem sido sempre um sucesso. Já tinha o objetivo de vir para o Porto quando surgiu esta oportunidade do Bolhão”, conta. Sempre valorizou as empadas da sua terra, de massa alentejana. Nada a ver com as empadas de massa folhada que se vendem noutros sítios. “Nem consigo comer empada dessas”, ri.

Aqui, a diversidade manda. São mais de 20 recheios e feitios. Mas não é Flávio que faz as empadas. Ele é só o mestre em fazer parcerias com quem sabe, só micro-produtores. “Peço que me façam de determinada forma”, conta. Nos recheios, destaque-se a tradicional de galinha, já diversas vezes premiada. Mas há mais: javali, perdiz, camarão, cachaço com castanha, farinheira, atum com cogumelos, cogumelos com alho francês, requeijão com abóbora e noz, bacalhau, vitela, pato com laranja, cozido à portuguesa, entre outras. Na banca, podem encontrar-se outros produtos regionais alentejanos, como doçaria conventual.

 


A nova banca do Bolhão que aposta nas especiarias tradicionais

Na Massas e Temperos do Bolhão, nova banca do Mercado do Bolhão, há massa fresca, temperos e molhos tradicionais. Tudo para levar ou para comer na hora.

Massas e Temperos do Bolhão. (Fotografia de Pedro Correia/GI)

“Muita gente procurava no mercado condimentos para a comida portuguesa e não havia ninguém a vender”, diz Ana Rita Teixeira. Assim, em parceria com Ana Filipa Nogueira, decidiu abrir uma banca dedicada a esse tipo de produtos. A sogra tem também ali uma banca, de frescos, por isso Ana já estava familiarizada com o mercado. “Fomos a concurso e ficamos. É um começar diferente mas bom, porque temos os mais antigos que nos podem sempre ajudar”.

Além de condimentos, molhos e temperos, a maior parte de pequenos produtores, aqui também se vende massas frescas. Uma parceria feliz entre a dupla e a marca de massas Pastifício Sophia, empresa da família Pacheco, vinda de São Paulo. Mayara Pacheco explica que produzem as massas em Ermesinde e já abastecem vários estabelecimentos de restauração. A ideia foi de Sinei Pacheco, em Portugal há cinco anos. “Trabalhei no grupo Cafeína e percebi que havia uma deficiência na oferta de massas frescas, quase não se encontrava”, conta. Como já trazia essa experiência de São Paulo, decidiu apostar no negócio.

A nova banca dedicada às massas e temperos. (Fotografia de Pedro Correia/GI)

Nesta banca, vendem as massas por cozer ou já prontas a comer. “Cozemos também massa na hora. O cliente escolhe a massa, o molho e os temperos”, informa.




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