Ana Carrilho: “Há pouca formação de azeites em Portugal”

Ana Carrilho (Fotografia: DR)
Desde 2013 que Ana Carrilho elabora os azeites da Herdade do Esporão. Recentemente, a oleóloga esteve no Mercado do Bolhão, no Porto, para apresentar a mais recente produção.

Como surgiu este interesse pelos azeites?
O meu avô tinha um lagar que fechou na altura do 25 de Abril. Eu nasci um pouco antes, por isso o contacto foi praticamente nulo. Fui para o curso de agro-indústrias, no ISA [Instituto Superior de Agronomia], em Lisboa. Alguns dos meus colegas escolheram os vinhos. No final dos anos 90 toda a gente estava a adorar o crescimento da enologia. Eu interessava-me por estimulantes como o café, o chá, o chocolate. Quis fazer um estágio numa empresa de São Tomé, mas recusaram. Nessa altura, optei pela cadeira de Tecnologia de Óleos e Gorduras. O primeiro lagar que visitei foi o da Herdade do Esporão e fiquei apaixonada.

Porque é que em Portugal não se valoriza tanto esta área como noutros países?
Temos grandes marcas de embaladores e as pessoas, principalmente das cidades, olham para o azeite de duas formas: o que vem da terra ou o do embalador, que acham que é português porque a marca é portuguesa. Em Itália, as pessoas iam apanhar a sua azeitona e eram tão obcecadas pela qualidade que a acompanhavam até ao lagar e ficavam à espera. A qualidade era disputada entre os vizinhos. Essa cultura fez com que houvesse concorrência e várias marcas locais.

Isso não aconteceu cá. Porquê?
O interior ficou desertificado e passamos a consumir as marcas de embaladores. As pequenas marcas têm dificuldade porque toda a gente acha que esse azeite é caro.

É mais caro do que as marcas mais comuns.
As pequenas marcas apostam no olival tradicional, que não é muito produtivo. E os agronegócios estão a plantar variedades mais produtivas, com colheitas mecânicas. Claro que produzem mais barato. Mas é um azeite indiferenciado.

 

As alterações climáticas também têm impacto?
Muito. Este ano tivemos uma quebra brutal por falta de água e por causa do calor na altura da floração. Temos fornecedores que nem sequer vão apanhar a azeitona porque não lhes compensa.

Quais as variedades que prefere?
Gosto muito da cobrançosa. Dá azeites intensos e equilibrados. Tem amargor, picante, doçura e um cheiro a verde que desperta os sentidos. A azeiteira surpreende, é uma variedade muito delicada, tem aromas de ervas aromáticas, mas tem pouco rendimento.

Muitos enólogos estão a recuperar castas tradicionais para fazerem vinhos diferenciados. Porque é que o mesmo não se passa com os azeites?
Os enólogos aprenderam com os erros do passado. A questão é que existe a cultura do vinho e não existe a cultura do azeite. Pouca gente escolhe a região ou a variedade da azeitona quando compra uma garrafa. As escolas de cozinha não têm uma cadeira de azeites. Temos pouca formação em Portugal e é muito dispendioso estudar lá fora. É preciso gostar muito disto.

Azeites da Herdade do Esporão
A herdade alentejana trabalha com vários pequenos produtores de olivais tradicionais e biológicos. As variedades galega, cordovil, cobrançosa e azeiteira, entre outras, são utilizadas para a produção das várias referências da casa. O lagar da Herdade do Esporão está aberto a visitas com direito a prova de azeites (marcações em www.esporao.com).

Azeite da Herdade do Esporão (Fotografia: DR)




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