Ana Carolina Mendonça, da Mão Esquerda: “Nós picamos pedra, vamos à procura dos tesouros”

Ana Carolina Mendonça já antes de abrir a loja era caçadora de tesouros vintage, com um fraco por carteiras. (Fotografia: Maria João Gala/GI)
Os vestidos japoneses dos anos 1940 são a marca da Mão Esquerda, no Porto, mas há mais para descobrir nesta loja vintage criada por duas mulheres ligadas à investigação. Tem a palavra Ana Carolina Mendonça, caçadora de tesouros e socióloga.

A Mão Esquerda tem um site novo. Porque sentiram necessidade de o criar?

Já tínhamos muita vontade de ter um site, não pelas vendas, mas para termos uma plataforma onde agrupar vários trabalhos que continuamos a fazer a título pessoal – tem um blogue, algo que queríamos há muito tempo. Sou socióloga, trabalhei muitos anos em investigação, e a Lígia é psicóloga, mas sempre trabalhou também em investigação. Quando vemos uma peça e nos lembramos de algum estilista, de alguma época, gostamos muito de fazer um trabalho que, costumo dizer, é um bocado o regresso ao futuro. Pegamos na peça e fazemos uma contextualização histórica, enviamos artigos de revistas antigas… Quando algo nos remete para um filme, uma música, um vídeo ou uma exposição, gostamos de fazer essa ligação. Quisemos tornar isso num compromisso mais duradouro, e ter um registo, além das nossas intermináveis conversas em WhatsApp ou Messenger (risos).

As vossas peças são sobretudo dos anos 1950 até aos 1990, certo?

Temos peças mais antigas. Por exemplo, muitos vestidos da década de 1940, sobretudo japoneses, pretos, que acabam por ser um bocadinho a imagem da loja.

Costumavam ir buscar as peças ao Japão e a outros sítios.

Sim, temos fornecedores europeus e japoneses. No ano passado, conseguimos fazer uma viagem apenas, ao Japão, no final de janeiro. Depois estalou a pandemia. Pensámos conseguir fazer pelo menos uma viagem, mas não foi possível, e tivemos de nos adaptar, fazer compras por Zoom… Fomos escolhendo peças através destas plataformas, o que é estranhíssimo.

Continuam a ter o vosso critério apurado, mas perde-se a parte do toque.

Sim. E também não quisemos arriscar em determinadas peças sem ver, ou sem ver bem. Então, diminuímos a quantidade de compra, que vamos ter de ajustar este ano.

Antes da pandemia, já vendiam pelas redes sociais. Nesse aspeto, não tiveram de se adaptar muito.

Não. Tivemos foi de recorrer a tudo o que está disponível, reinventar as formas de conversação. Temos muitos clientes novos, mas também clientes que já conhecemos e a quem é mais fácil aconselhar. Se bem que o ato da compra não é apenas uma transação, sobretudo neste tipo de comércio. As pessoas têm, muitas vezes, curiosidade em perceber a história da peça, a década, os materiais… há uma relação que vai crescendo. Não podendo atender presencialmente, torna-se mais difícil e um bocadinho mais frustrante para nós, que estamos habituadas a fazer uma acompanhamento diferente nestes processos de compra.

Sentiram uma quebra grande nas vendas?

Sim. Sobretudo neste segundo [confinamento]. O que é perfeitamente compreensível. Muita gente perdeu os postos de trabalho. As pessoas estão piores, no geral. Não só nas questões económicas, mas também nas questões emocionais. E estávamos a contar com um segundo confinamento, mas não que fosse tão cedo.

Tinham pensado fazer alguma viagem?

Sim. Estamos a adiar viagens desde dezembro.

Devem estar ansiosas por voltar a ir…

Sim, porque a procura, para nós, é uma parte fundamental. É como na investigação, procurar o objeto… Este trabalho de arquivo tem sido interessante, mas o trabalho de terreno é muito importante. Nós picamos pedra, vamos à procura dos tesouros e, a partir daí, começa todo o processo.

Por falar em tesouros, têm peças únicas e em bom estado de conservação, o que também vos rendeu muitos clientes.

Sim, há essa preocupação. O toque e o ver ao vivo fazem muita diferença, em relação ao estado de conservação, e é essa garantia que nós tentamos ao máximo cumprir.

Calçado e outros acessórios integram a oferta da Mão Esquerda.
(Fotografia: Maria João Gala/GI)

Voltando às questões emocionais: num momento tão desafiante como este, continua a ser importante para algumas pessoas esse ato da compra de peças mais trabalhadas, menos comuns ou mesmo únicas?

As pessoas estão a precisar de ânimo. Na primeira quinzena de janeiro, não estavam com vontade de comprar peças de inverno, porque imaginavam que só poderiam voltar a sair numa fase mais próxima da primavera. Notámos muita diferença quando começámos a postar peças desta da nova época. Percebe-se que o comércio online teve um incremento muito grande com esta pandemia, e as pessoas estão com vontade de comprar.

Mas peças de primavera-verão, a pensar no momento em que vão desconfinar.

Sim, estão com esperança de fazer piqueniques e sentar em jardins… Muitas vezes, escrevem: vou usar isto no primeiro concerto a que for. A ritualização do uso de uma peça é agora muito importante, porque as pessoas estão desejosas de fazer quase tudo o que faziam antes. Noutro dia, enviei uma peça a alguém que me escreveu a dizer: obrigada, fui ao centro de saúde e levei isto (risos)!

Qual a peça mais especial que lhe passou pelas mãos, nos últimos anos?

Tenho peças com as quais fiquei eu, confesso (risos). Sempre fui caçadora, tenho muitas carteiras. Numa das minhas idas a uma feira de tralha, muito de longe, vi uma carteira no meio de uma lixeira e pensei: parece-me bem. Comprei-a e depois vi que era de uma marca bastante dispendiosa (risos). Custou-me 5 euros. É da Céline. Estava perfeita. Não a comprei pela marca, consegui foi ver que era mesmo de muito boa qualidade. Na loja, tivemos há pouco tempo uma saia de um estilista japonês de que gosto muito, o Issey Miyake, e fez uma montra muito bonita. Mas todas as semanas tenho peças favoritas, essa é a parte divertida. E, como fizemos uma compra antes do confinamento, o material chegou já em confinamento, portanto, temos passado os dias a desembrulhar presentes.

A moda é cíclica, observa a também socióloga.
(Fotografia: Maria João Gala/GI)

Costuma falar-se do estilo vintage, mas não há só um.

As pessoas associam muitas vezes o vintage aos anos 1950, às pin-ups, ou aos anos 60, mas o vintage não tem nenhuma década ou estilo definidos. Basta ir a uma multinacional para perceber que os modelos são baseados em peças de diferentes décadas. É tudo muito cíclico. Os anos 1990 estão presentes nas coleções atuais, como os anos 1980 já estiveram, e como muito em breve [vão estar] os inícios dos anos 2000, tão próximos para nós, mas que já são vintage.

Para uma peça ser vintage, basta ter mais de 20 anos?

Tem de haver uma distância, mas, basicamente, é o melhor de uma determinada década. Como no vinho do Porto.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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