Menu Matéria: alta cozinha aproxima-nos da origem das coisas

Menu Matéria, Feitoria: alta cozinha aproxima-nos da origem das coisas
O chef João Rodrigues, do restaurante Feitoria. (Fotografia de Paulo Barata)
No novo menu de degustação Matéria do restaurante Feitoria, com uma estrela Michelin, João Rodrigues e a sua equipa trazem o produto — literalmente — à mesa para que saibamos o que estamos a comer.

O que esperamos de um restaurante com uma estrela Michelin e de um chef apontado como um dos mais assertivos da sua geração? As respostas vão, quase apostamos, incluir palavras como experiência, surpresa e até mesmo provocação. No novo menu de degustação Matéria (quatro pratos: 105 euros; seis pratos: 135 euros; bebidas não incluídas), João Rodrigues e a equipa do Feitoria, situado no Altis Belém Hotel & Spa, conseguem tudo isso com uma elegância e uma subtiliza enganadoramente simples, sem sobreposição de sabores ou excesso de informação no prato.

Mas vamos por partes. Todos os anos, este restaurante apresenta duas cartas, fora os menus de degustação. É precisamente nestes últimos que a equipa procura ir mais longe, aproveitando a natural predisposição de quem chega disposto a ser testado no melhor dos sentidos — ou seja, em todos e com todos os sentidos.

2017 ainda mal vai a meio, mas João Rodrigues não tem dúvidas em afirmar que «está a ser um ano de muita experimentação» em que procuram lançar bases para colher frutos nos próximos tempos. A metáfora dos frutos encaixa aqui na perfeição, uma vez que estão não só a mapear os produtos como também a referenciá-los — «o trabalho dos chefs está a ser feito, agora falta uma sustentação científica», esclarece João Rodrigues.

E porquê esta fixação com o produto? Partindo do princípio que querem cada vez mais contar com o que a Natureza nos dá, primeiro eles tiveram de encontrar as pessoas certas, ou seja os produtores, estabelecer com elas uma relação e entender, de uma vez por todas, que não se pode ter produtos o tempo todo: «Há coisas que só estão disponíveis duas semanas por ano», continua. Num sistema relativamente rígido de gestão de estoques, em que cerca de sessenta por cento do que é consumido tem origem nacional, os menus de degustação permitem-lhes precisamente uma maior flexibilidade; porque há liberdade criativa para reinterpretar um prato e substituir um ingrediente por outro. Por outro lado, no Feitoria está a fazer-se uma aposta, a médio prazo, na produção própria a nível dos legumes e vegetais — uma parte vem de um terreno do subchefe e na Quinta do Poial, um dos fornecedores de eleição de boa parte dos chefs em Portugal, vão passar a dispor de um talhão para produzir apenas o que querem em ciclos completos de um ano.

Tudo isto para dizer que, quer no menu vegetariano Terra (75 euros), quer no Matéria, eles insistem em trazer-nos — literalmente — o produto à mesa para que saibamos o que estamos a comer, proporcionando uma comunhão rara numa época em que a maioria de nós vive afastada da origem das coisas. Antes de nos colocarem os pratos à frente, a equipa vem com o produto em bruto à mesa explicar-nos o que vamos comer a seguir. É assim com os percebes, que para nos chegarem frescos foi preciso que um mergulhador arriscasse a sua vida para os capturar debaixo das rochas; é assim com o choco de Setúbal, gigante, que será trabalhado como um todo feito das suas várias partes (até a tinta); é assim com os carabineiros algarvios, a quem se retira o jus (caldo) das cabeças com a ajuda de uma prensa com mais de 40 anos e que vai a emulsionar nas brasas; é ainda assim com uma homenagem à cidade de Lisboa que quiseram prestar através de uma açorda de camarão, evocando a sua origem na tharid árabe e usando um tipo raro de camarão, o marreco, que nosso território apenas se encontra numa falha do mar de Peniche. Sejam quatro ou seis pratos, no Matéria, o desfecho far-se-á com a sobremesa Alcácer do Sal, uma explosão de sabor graças aos óleos do eucalipto e aos pinhões do pinheiro manso que se juntam ao arroz.

Alguns estrangeiros, sobretudo, ficam um pouco intimidados com a presença das espécies, mas esse desconforto, a existir, é facilmente ultrapassado pelo lado didático desta experiência e pela oportunidade de interagir diretamente com quem está do outro lado — e isso não há cozinha aberta que consiga suplantar.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

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