Opinião: À mesa, voltamos a ser crianças

José Dias, proprietário do restaurante Quarta-Feira, em Évora. (Fotografia: Luís Pardal/GI)
Fazem falta sítios destes, que nos tirem as manias, que nos limitem ao que há, tendo certeza de que o que há é bom. Daí aos menus de degustação é um pulinho.

Da primeira vez que entrei na Taberna Quarta-Feira, não tive qualquer voto na matéria. Combinei com o meu entrevistado que a conversa seria mais proveitosa à mesa, e ele tratou de me indicar aquele restaurante discreto, escondido no centro histórico de Évora. Ninguém vai parar ao Quarta-Feira por acaso. Há sempre uma qualquer força que nos faz desaguar naquela salinha acanhada de duas dúzias de lugares. O destino, talvez, para quem acreditar nisso.

Eu não acredito no destino, tão-pouco em iluminações repentinas, mas aquela refeição abriu-me os olhos. Não para a cozinha em si, maravilhosa como ali se espera – dez anos passados, ainda me lembro do queijo gratinado que abriu o almoço, das migas de couve-flor que acompanhavam o entrecosto, dos rojões com batatas salteadas em vinagre. Não, a magia do Quarta-Feira está na receção calorosa de José Dias, anfitrião de mão cheia que adora meter-se com os clientes e tratá-los por «meninos», sem olhar a postos ou idades. E está também na falta de voto na matéria que o cliente tem quando toma o seu lugar. Feitas as devidas exceções para quem tiver restrições, parte da graça da casa está em ir com a corrente. Se José Dias nos põe o prato à frente, é para comer. E jurar, cá para dentro, «Tenho de vir aqui mais vezes».

À mesa do Quarta-Feira voltamos a sentir-nos crianças. Como quando perguntávamos «O que é o almoço?» e nos respondiam apenas, «O que te puserem à frente». Fazem falta sítios destes, que nos tirem as manias, que nos limitem ao que há, tendo certeza de que o que há é bom. Daí aos menus de degustação é um pulinho.

Na primeira ida a um restaurante com estrela Michelin, também em trabalho, foi-me útil esse almoço de iniciação em Évora. Sentia-me inquieto, a perfeição pode ser intimidadora, e a imprevisibilidade de não saber o que iria ser servido – ou pior: se eu iria gostar – preocupavam-me. Nuvens passageiras. Provado o primeiro prato, o segundo, o terceiro, voltou o tal conforto da viagem no tempo, e entrámos em velocidade de cruzeiro. De repente, ocorreu-me que só teria de fazer aquilo que os nossos pais, à mesa, esperavam de nós. Que comêssemos o que nos era posto à frente. Que confiássemos em quem estava a cozinhar para nós, que tudo seria bom. (Tudo era bom, de facto.)

Passaram uns anos, e uns quantos menus de degustação, e esse sentido de descoberta continua presente. A satisfação de não saber o que aí vem sabe quase ao filme cujo desfecho não se adivinha em conclusões óbvias. Uma ansiedade miudinha, quase a desafiar, «Deslumbrem-me!».

Há um par de semanas, apercebi-me de onde vinha toda esta comparação nostálgica. À mesa do Quarta-Feira, uma vez mais. E uma vez mais sem voto na matéria, tanto na escolha do restaurante como da ementa. Agora com o João Dias a ajudar o pai na sala, com o mesmo espírito bonacheirão, antevê-se ali outro mestre-de-cerimónias. Só não trata toda a gente por «menino». Ainda. Mas eu sei como me sinto quando me sento ali à mesa.

 

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