A norte há uma porta para o paraíso ainda em estado puro

A mesa farta, rente ao fumeiro, é só uma das razões para rumar a Montalegre, uma das cinco portas do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Na zona de Pitões das Júnias, a natureza reina quase intacta, as tradições do mundo rural ainda vivem, e um mosteiro em ruínas ensina a apaziguar.

Nem sempre os forasteiros tiveram onde comer e dormir, chegando a Pitões das Júnias, aldeia do concelho de Montalegre localizada a mais de 1000 metros de altitude, no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Foi por força da procura que António Fernandes, de alcunha Preto, criou a Casa do Preto, que hoje tem restaurante com fumeiro próprio e 15 quartos. «Começou a aparecer pessoal, não havia onde comer, e começámos a metê-lo na nossa cozinha e a sentá-lo na nossa mesa», recorda. «Para ceder a minha cama, cheguei a dormir no chão.»

Fumeiro da Casa do Preto, em Pitões das Júnias.
Fotografia: Rui Oliveira/GI

Tudo começou há 40 anos, com uma mercearia que evoluiu para um café com refeições, e foi crescendo até aos moldes atuais. O restaurante é de comida regional, muito centrada no fumeiro, porque era o que havia em casa quando alguém aparecia. Serve-se alheira e presunto, feijoada, posta de vitela, cozido e cabrito, numa aldeia que é «ainda muito tradicional, não tem aquela confusão do turismo de massas», observa Albertina Fernandes, filha de António. «Pode-se passar uma tarde numa lagoa, na serra, sozinha.»

Isso mesmo se confirma seguindo o mapa que leva às Caldeiras de Pereira, lagoas frequentadas pelos residentes, só para visitantes mais aventureiros, desacompanhados de crianças, já que os acessos não são os mais fáceis. Mas compensa: depois de passar uma ponte de madeira, um parque de merendas e um abrigo para animais, avista-se finalmente a água, cujo som quebra um silêncio pintado, sobretudo, de verde. O mapa, desenhado à mão para os clientes da Casa do Preto, também aponta o caminho para a Capela de São João da Fraga, isolada lá no cimo. Albertina aconselha a subir, pela vista que oferece sobre a serra e a Barragem de Paradela.

Caldeiras de Pereira, lagoas frequentadas pelas gentes de Pitões das Júnias.
Fotografia: Rui Oliveira/GI

A caminhada segue para a Cascata de Pitões da Júnias, onde se chega em pouco mais de uma hora. O caminho, já perto da cascata, inclui passadiços em madeira e alguns degraus que têm de ser vencidos, mas não tornam o percurso demasiado exigente. A paisagem, onde cabem serranias imponentes, ajuda a chegar ao destino – uma «varanda» e um banco para repor o fôlego, de onde se aprecia a queda de água com 30 metros. Subidos os degraus, volta-se a descer, desta vez para o lado contrário. A escassos minutos, aguarda-nos o Mosteiro de Santa Maria das Júnias, construído no século XII e classificado como Monumento Nacional. Repousa num vale e tem como companhia o Ribeiro do Campesinho. O facto de se encontrar em ruínas só parece reforçar a beleza do conjunto.

O Mosteiro de Santa Maria das Júnias repousa num vale e tem como companhia o Ribeiro do Campesinho. O facto de se encontrar em ruínas só parece reforçar a beleza do conjunto.

A cerca de 15 minutos de Pitões das Júnias fica outro lugar sedutor e que acusa a passagem do tempo: a aldeia Ecomuseu de Paredes do Rio, integrada no Ecomuseu de Barroso. «Acaba por ser um museu vivo», descreve José Carlos Moura, presidente da Associação Social e Cultural de Paredes do Rio, que dinamiza visitas guiadas à povoação, com 55 residentes no inverno, ainda muito ligados à terra e aos animais – basta pensar que «todas as casas fazem fumeiro».

A recuperação do património comunitário é outra missão que tem sido cumprida. A aldeia tem recuperados nove moinhos (para moer o cereal para os animais, já que agora «o padeiro está à porta») e sete canastros (para armazenar e secar o milho, impedindo os roedores de entrar). Há ainda um antigo complexo hidráulico, com as funções de pisão, moinho, serra e dínamo, idealizado por Adelino Gil.

A aldeia Ecomuseu de Paredes do Rio conserva muito do seu património – como a Capela de Santo António, que foi recuperada.
Fotografia: Rui Oliveira/GI

Mas «a menina dos nossos olhos», apresenta José Carlos, é a também recuperada Capela de Santo António, que se presume ser do século XVI. No acesso subsiste uma estrutura que evitava que os porcos, criados ao ar livre, entrassem e «profanassem os túmulos». A base alimentar do povo era a carne de porco e o pão de centeio, que pode durar 15 dias, e é numa típica cozinha barrosã que a visita termina.

A próxima paragem faz-se na aldeia de Parada, que acolhe a Taberna Ti Ana da Eira. O nome é uma homenagem de Bruno Pereira à sua avó materna, cujo sorriso e boa disposição recorda: «Sentava-se à mesa e não comia. Dizia: só de vos ver comer, já estou satisfeita». Só de apreciar a paisagem da sala do restaurante, que funciona como miradouro, já apetece sorrir. Por alguma razão a mesa do canto, com vista mais privilegiada, «uma semana antes está reservada».

É uma casa familiar, por isso, há sempre alguém a garantir que chegam à mesa a posta de vitela e o creme catalana com ananás, dois dos pratos mais pedidos, mesmo quando o impulsionador do negócio não está. Bruno, que se divide entre a aldeia e Bordéus, em França, onde trabalha na construção de campos de ténis, abriu este espaço devido à sua paixão pela terra e pela vida que ela proporciona. Vai-se lá fora «e só se ouve os passarinhos a cantar, ou os grilos». «Deixa-se a chave na porta e, quando se chega lá, ninguém entrou.»

Bruno Pereira abriu a Taberna Ti Ana da Eira em Parada devido à paixão pela aldeia e pela vida que ela proporciona. Vai-se lá fora «e só se ouve os passarinhos a cantar, ou os grilos». «Deixa-se a chave na porta e, quando se chega lá, ninguém entrou.»

É um viver tranquilo, enriquecido pela beleza da paisagem, para conhecer mais intimamente em passeios de jipe ou a caminhar. Em Parada, há um trilho que passa por um fojo do lobo (armadilha para aquele animal, outrora visto como inimigo) e por outros locais curiosos e distantes do turismo de massas. «Aqui está-se no verdadeiro Gerês; é a serra no que há de mais puro», comenta o responsável da Taberna Ti Ana da Eira. A natureza já enche a vista quando, na albufeira de Paradela, junto ao chamado monte da Malha, a menos de uma hora a pé desde a aldeia, surge o ponto ideal para apanhar sol e tomar banho em sossego.

Na albufeira de Paradela, junto ao chamado monte da Malha, não há turismo de massas, só beleza e tranquilidade.
Fotografia: Rui Oliveira/GI

E quando o corpo pede descanso, e o sol desce no horizonte, a viagem prossegue subindo até Tourém, uma freguesia raiana, onde se encontra a Casa dos Braganças. Para se chegar a esta moradia do século XVIII, a dois passos da Galiza, exige-se alguma atenção ao GPS quando se entra nas labirínticas e castiças ruas do centro, mas o edifício em pedra está bem identificado. Quem nos recebe é o casal Fernando Carvalho e Maria Elisa Carvalho, que faz questão de, logo à chegada, nos fazer sentir em casa, não fosse aquela a sua.

O edifício recuperado para turismo de habitação, na família há 40 anos, está dividido em nove quartos e uma suíte, salão de jogos, sala, um bonito pátio interior e a cozinha, onde são servidos os pequenos-almoços e os jantares. A última refeição é sempre caseira, e geralmente partilhada com os donos. Marcante, como o território.

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