Olhão: guia pela cidade cubista que vive um renascimento

Nasceu como terra de pescadores e renasce agora como terra de artistas. Os pais da segunda vida de Olhão são apaixonados pela sua arquitetura e por uma personalidade que querem manter intacta.

Quando se explora o interior da Casa Fuzetta, no centro de Olhão, custa a crer o estado deplorável em que se encontrava quando Tara Donovan e Jonathan Tod a visitaram pela primeira vez. «Isto já não era uma casa, eram três. Tivemos de as voltar a juntar, como estavam no início», explica a britânica, que divide o seu tempo entre Londres – onde, durante mais de uma década, trabalhou no grupo empresarial de Jamie Oliver – e esta cidade algarvia, uma paixão um tanto ou quanto inesperada. «Nunca tinha estado em Portugal antes de setembro de 2013. E não tinha qualquer intenção de comprar uma segunda casa, muito menos uma noutro país e a precisar de obras», recorda. «Mas, não sei bem como, em apenas 24 horas, senti-me completamente em casa aqui».

As obras no edifício – que rouba o apelido ao advogado, deputado e filantropo olhanense que o mandou erguer, Carlos Fuzeta – duraram cerca de dois anos. O resultado é assinalável. Não apenas pelos doze quartos duplos, todos com casa de banho privativa, pelos terraços nos diferentes pisos, pelos salões de jogos e de estar, ou pela belíssima sala de meditação, mas, sobretudo, porque a reconstrução foi feita de acordo com os princípios da arquitetura local. E isso, nota-se, é uma preocupação evidente da comunidade estrangeira que está a revitalizar o centro de Olhão: não estragar aquilo que tanto os atraiu.

«Olhão tem uma personalidade especial, é um sítio ainda muito autêntico», diz Meinke Flesseman, uma artista holandesa que, curiosamente, até cresceu perto, em Cacela Velha, onde, nos anos 1970, os pais fundaram o parque de campismo local. Certo dia, conta, foi convidada pelo pintor Piers de Laszlo para uma festa em Olhão. Deixou-se encantar e, também ela, se mudou para a cidade. Meinke tem sua residência e galeria no piso térreo e aluga a parte superior da casa, terraço incluído, a turistas.

Foi também Piers de Laszlo a convencer outra artista, a britânica Antonia Williams, a juntar-se à comunidade. «O Piers começou este movimento. Foi ele o primeiro a mudar-se, há uns 20 anos», lembra Antonia, antes de ilustrar com números a obsessão do compatriota em salvar o centro histórico de Olhão: «Ele é um comprador compulsivo: tem quase vinte casas aqui, comprou-as para que não fossem demolidas».

E se a maioria destas casas estão habitadas ao longo do ano, pelo menos parcialmente, outras há, como a Casa Opala, que foram convertidas em unidades de alojamento local. Neste último caso, com direito a uma piscina no topo e vista panorâmica para a cidade. A grande maioria fica no bairro da Barreta, onde, por entre vielas labirínticas, se amontoam como cubos – daí o apelido «cubista» –, com açoteias e miradouros no topo: ali secava-se o peixe e conferia-se o estado do mar. É também na Barreta que ficam alguns dos bons restaurantes da cidade. No Tapas e Lendas, projeto de Renato Mendonça, petiscos como peixe-rei frito, biqueirões, amêijoas da Ria Formosa ou muxama de atum misturam-se com as famosas lendas locais: todas as sextas e sábados é feita uma invocação de Floripes, a moira encantada que, reza-se, aparecia aos pescadores locais nas ruas estreitas do bairro. No vizinho Bioco, a juntar a uma ementa fixa que inclui rissóis de berbigão, ovos rotos ou camarões panados, há também sugestões diárias com matéria-prima local. Atenção: o espaço não abunda, por isso convém chegar cedo. No Maré, o tradicional xarém é apresentado na sua forma rica, com camarão, amêijoas, conquilhas e berbigão. O recém-aberto Chá Chá Chá, do ex-jornalista, chef e consultor gastronómico britânico Kevin Gould, é mais um exemplo da nova dinâmica da cidade – quem estiver à procura de fish and chips pode dar meia volta: a cozinha aqui é portuguesa e de mercado, com uma aposta total nos produtos da terra. Já para provar os míticos folares olhanenses é preciso sair do centro e procurar pela fábrica João Mendes & Rita, à saída da cidade, onde uma trupe de doceiras se dedica à sua confeção. Um aviso: são muito doces.

O novo Chá Chá Chá aposta na cozinha portuguesa e de mercado, com produtos da terra.

Mas quando o assunto é comida, nada como ficar na mão de especialistas. António Guerreiro e Joana Martins, ambos farenses, põem de lado a rivalidade Faro-Olhão quando guiam os visitantes nas suas Eating Algarve Food Tours. «O Algarve tem uma identidade muito específica devido à acoplação de culturas. Só que nas últimas três décadas apagámos muito da nossa história», reconhece António, que, regressado a Portugal depois de um período fora, percebeu que estes passeios eram a forma ideal de desmentir a ideia que o Algarve é apenas praia e golfe.

Em Olhão, Joana e António começam sempre pelos Mercados locais, abertos desde 1916. Sim, mercados, no plural: são dois, contíguos, mesmo em frente à Ria Formosa – um dedicado a peixe e marisco, o outro a carne, frutas e legumes. No primeiro, é impossível não parar na banca de João Próspero, o autointitulado «mais antigo que aqui anda». Começou a trabalhar ali ainda criança, com o avô, antes de se aventurar ele próprio na faina. Hoje vende sobretudo cavala e carapau, sempre entre sorrisos, receitas e poemas da sua autoria, recitados a pedido. Em bancas vizinhas vê-se, por exemplo, o litão, peixe seco da família do tubarão que os olhanenses comem guisado à Consoada ou em feijoada quando calha. E também há muito atum, tanto fresco como em muxama, ou seja, seco e salgado.

Por falar em seca e salga, a paragem seguinte é na resistente-mor da outrora pujante indústria de conservas de Olhão: a Conserveira do Sul. Os descendentes do fundador, António Jacinto Ferreira, acabam de inaugurar um museu que conta a história da empresa e respetivas marcas (é daqui que saem, por exemplo, os famosos patés Manná). A visita dá direito a provar algumas das criações da casa, entre elas a medalha de ouro no recente Concurso Nacional de Conservas de Peixe: os filetes de cavala à portuguesa.

Nas imediações, há um conjunto de murais pintados a graffiti onde se recua no tempo: são reproduções de algumas fotografias antigas da cidade, protagonizadas por trabalhadoras fabris, pescadores ou homens em tabernas, entre outros, num trabalho de vários writers algarvios. Em Olhão, aliás, a arte está omnipresente. E não é apenas graças à tal comunidade internacional: há artistas locais que também vale a pena descobrir, caso da ceramista Célia Mendes, da galeria 4 Elementos, Maria José Caetano, que recria as fachadas da terra na sua Zea Arte ou as ilustrações de Joana Rosa Bragança, que se podem encontrar na Pinta Roxa, a galeria da sua mãe Graça, junto a outros objetos bem interessantes como as miniaturas de Vitorino Nascimento ou as cerâmicas da Casa Cubista.

A antiga Sociedade Recreativa, a chamada Recreativa Rica, foi recentemente convertida na Associação Cultural Re-Criativa onde, além de um bar com preços muito simpáticos e um cinema ao ar livre que espera por ser renovado, há espaços para exposições, oficinas, concertos e performances diversas que têm acontecido a bom ritmo. Ou seja, Olhão está a mexer. E mexe-se bem.

 

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