Odeceixe: recuperar o fôlego entre praia e campo

Tem um pé em Odemira e outro em Aljezur, e reúne o melhor das duas costelas – a algarvia e a alentejana. Entre serra e mar, Odeceixe tem o melhor do Sudoeste: produtos frescos na mesa, a arte de bem receber e ar puro nos pulmões.

Chapéus de palha servem como candeeiros, troncos de sobreiros reaproveitam-se como bancos e as fruteiras são feitas de cortiça. O azul da longa piscina funde-se com o verde em seu redor. Trata-se de um pomar com mais de 500 árvores, entre limoeiros, nespereiras, pereiras, marmeleiros e muitas outras. Assim que se chega ao Craveiral Farmhouse percebe-se que a recém-inaugurada casa de turismo rural de São Teotónio condensa o que a Costa Vicentina e o Sudoeste Alentejano têm de melhor. Fica a cerca de 15 quilómetros de Odeceixe, para sul, e outros tantos de Odemira, a norte, e apresenta-se como sinónimo de pausa na rotina citadina e de dias vividos com calma.

O projeto acaba de nascer, mas o sonho é antigo. Na mesma altura em que nasce a ideia, há oito anos, nascia também o primeiro filho de Pedro Franca Pinto. Coincidências? «Isto é um anti-stress. Apaixono-me por este sítio todos os dias», conta um dos três proprietários desta aldeia de nove hectares. Pedro mantém a profissão de advogado, mas seguiu o instinto de apostar numa vida mais calma. Já em criança dizia que iria ser agricultor.

 

O Craveiral Farmhouse acaba de abrir em São Teotónio.

O Craveiral Farmhouse acaba de abrir em São Teotónio. (Fotografia: Paulo Spranger/GI)

 

Às 30 villas para duas ou quatro pessoas juntam-se oito estúdios mais pequenos, para dois. A grande maioria tem cozinha equipada e um pequeno alpendre com espreguiçadeiras onde se pode tomar um refresco, ler um livro ou sentir apenas a brisa do campo. Para confortar o estômago, a alternativa está no restaurante da quinta, com produtos regionais e pratos como açorda de ostras e perdiz, sopa da horta e javali no forno com alecrim.

O dia ocupa-se de várias formas: entre as três piscinas, uma delas interior, o ginásio, a sauna, o banho turco e as caminhadas pelo pomar onde só foram plantadas árvores autóctones. Ou pelo trilho de plantas com propriedades medicinais. Ou, quem sabe?, pegar numa bicicleta e ir até à praia – as mais próximas são Odeceixe e Carvalhal. Passear no Quinoa, o meigo cavalo da quinta, é outra hipótese. O Craveiral é, de resto, pet friendly. Para além de uma zona de canil, tem dois burros, o Cravo e a Ferradura, e a Pica, a pequena cadela de Pedro Franca Pinto, faz as delícias dos hóspedes.

 

Odeceixe nas alturas
A maioria tem as barras azuis. Depois vem o amarelo. E a terceira preferência espalha-se noutras tonalidades, como laranja, castanho, vermelho. Algumas estão adornadas com buganvílias, outras com hortênsias. Em comum, todas caiadas a branco, como são as típicas habitações do Alentejo. Odeceixe é, geograficamente, a primeira vila algarvia depois de terras alentejanas e assume traços de ambas as regiões. As diferenças nas cores das casas podem ver-se bem do ponto mais alto da vila.

É lá que está o Moinho de Vento de Odeceixe, acompanhado por um miradouro com vista panorâmica para o centro da vila, a serra de Monchique, os campos de pasto com vacas e a ribeira de Seixe, que irá desaguar no mar. Este moinho foi construído há quase 120 anos e ainda funciona. De manhã, durante a semana, pode ver-se a moagem de cereais. Chegar até aqui implica uma subida de 10 minutos, desde o centro de Odeceixe, com paragem a meio na igreja da Nossa Senhora da Piedade, para recuperar o fôlego.

Mas existe outro motivo para subir à parte alta da vila. O Altinho – percebe-se o nome – é uma das novidades da zona, configurado para agradar a todos. Esplanada para quem prefere o calor, sala interior fresca para quem quiser fugir deste. Os sons latinos que se ouvem lá dentro denunciam a influência ibérica do que aqui se come. «Restaurantes típicos há muitos. Queria um que fosse diferente», explica Arnaldo Couto, proprietário do novo espaço, que acumula com a gestão das Casas do Moinho, projeto de turismo de aldeia, que ficam junto ao Altinho. Um homem que domina a arte de bem-receber e isso vê-se, também, no copo de sangria que serve a todos os que ali vão comer. «É para dar as boas-vindas.»

O carré de porco ibérico, o entrecosto e o atum braseado em sementes de sésamo com batata-doce de Aljezur e salada rosa são destaques nos pratos principais. Assim como os filetes de polvo com arroz malandrinho, como Arnaldo se habituou a comer no Porto, onde nasceu. Nos petiscos, dança-se entre folhados de alheira, tostas de sardinha com tomate e cebola doce, ceviches e as croquetas de presunto e queijo que uma das suas pequenas filhas gosta de fazer. «Não há wi-fi. A melhor rede social é grátis, a companhia de amigos», lê-se numa mensagem escrita a giz, no quadro que decora uma das paredes. Aqui o cliente pode deixar o seu feedback. «Seja feliz», lê-se também.

 

O Altinho é um dos novos restaurantes de Odeceixe, e inspira-se na gastronomia ibérica. (Fotografia: Paulo Spranger/GI)

 

É de felicidade também que se faz o novo caminho de Leonor Arenga, de 27 anos. «Entrei em rutura com a cidade.» E assim foi. Deixou Lisboa e mudou-se para Odeceixe, onde está a casa que pertenceu aos avós, e abriu o Café Luna no início deste ano. Fica situado no centro de Odeceixe, zona que apela a tranquilos passeios a pé, e é a mais recente oferta da zona para vegetarianos e veganos.

Os hambúrgueres de feijão caseiro com pimentos vermelhos assados, cenoura, beterraba e sementes de girasol são a especialidade da casa, assim como o húmus caseiro com palitos de cenoura ou com pão alentejano torrado. Há ainda bolinhos de amendoim e papas de aveia, que levam maçã, passas de uva, xarope de chai, e são servidas com granola caseira, mel de rosmaninho e fruta da época. Chai é uma bebida típica na Índia, preparado a partir de uma infusão de chá com especiarias, e também se serve ao copo. A versão com álcool tem um extra: conhaque.

Leonor é quem põe a mão na massa e grande parte dos produtos que usa são de cultivo próprio. Na casa dos avós, a poucos metros desta cafetaria, tem uma horta e uma estufa e é dali que vêm, por exemplo, piri-piri, limões, pimentos, cebolas, couves e alho-francês. A frescura da matéria-prima é garantida, assim como os serões de música na esplanada, onde é normal alguém ter uma guitarra na mão a tocar alguns temas entre amigos.

 

O acesso pedonal para a Praia da Amália. (Fotografia: Paulo Spranger/GI)

 

Comer e mergulhar na falésia
A menos de 10 minutos de carro dali, a música é outra. É fado. A sossegada Praia da Amália é uma boa alternativa à concorrida Odeceixe e é ideal para quem gosta de praias tranquilas e com pouca gente. Este era o refúgio de Amália Rodrigues e é com vista para esta praia que está a casa de férias para onde ia no verão, e que hoje recebe hóspedes em regime de alojamento local. O caminho pedestre até lá é curto e de difícil acesso. Mas vale a pena.

É também no cimo de uma arriba, onde há vista panorâmica para o mar e cheira a maresia na esplanada, que se saboreiam os pratos do A Barca Tranquitanas. O restaurante familiar fica no porto piscatório de Entrada da Barca e é já um clássico da Zambujeira do Mar. Aqui, o rei é, obviamente, o peixe, que salta quase do porto a poucos metros dali para a mesa. «Só trabalhamos com peixe do dia», diz Arménio Silva, de 74 anos, que herdou o espaço do pai – aquilo que nos anos 1980 era uma barraca de apoio a pescadores e é hoje uma acolhedora casa.

Os percebes do restaurante A Barca Tranquitanas, na Zambujeira do Mar, estão sempre a sair. (Fotografia: Paulo Spranger/GI)

O sargo, uma das espécies mais pescadas na Costa Vicentina, é quase presença garantida na carta. Mas também robalos, douradas e linguados. No marisco, os percebes, as navalheiras e as lagostas estão sempre a ir para as mesas d’A Barca, onde produto de aquacultura não entra. Arménio é peremptório: «Não trabalho com peixe de viveiro.»

A boa fama que tem ganhado ao longo dos anos e a sua proximidade à Zambujeira do Mar fazem que alguns músicos que tocam no festival Sudoeste passem por ali. Tim, dos Xutos & Pontapés, é um admirador da feijoada de búzios e do polvo frito com batata-doce, duas das especialidades da casa. O choco à Barca, acompanhado com amêijoas da ria Formosa, e os filetes de pampo com migas de grelos também são razão suficiente para se voltar.

Quem não tem segredos entre si são as irmãs Ana e Lu Morais. São elas que gerem uma das únicas lojas de artesanato de Odeceixe. A missão é clara: potenciar o talento dos artesãos locais. No Arte Natural, situado no centro da vila e num ponto de passagem de muitos habitantes e turistas, a variedade de peças rima com a diferença de matérias-primas usadas. Pedras, cristais, madeira, resina, cortiça, mármore, calcário, arame, a imaginação é o limite. A loja junta um pouco de tudo no que toca às artes manuais, incluindo brincos, pulseiras e colares, esculturas em arame e barro, cintos e bonés de cortiça, pintura, incensos artesanais. Os artistas vizinhos são, quer de Odeceixe, quer de localidades próximas como São Teotónio e Aljezur.

 

A doce batata de Aljezur

Em Roma, sê romano. Foi o que fez Paulo Águas, nascido e criado em Rogil, quando abriu o restaurante que promove um dos maiores ícones do concelho de Alzejur. A sua batata-doce, da variedade lira, é tida como mais macia, doce e pouco fibrosa, e está classificada como produto com Indicação Geográfica Protegida. Até se realiza anualmente um festival temático no concelho. O Museu da Batata Doce nasceu há cinco anos, e, apesar de não estar na rua principal da aldeia de Rogil, poucos não o conhecem nos arredores.

A qualidade no que se serve à mesa e o facto de não existir nenhum restaurante especificamente dedicado a este produto em Rogil para isso contribuíram. O seu horário abrangente, das 07h00 à meia-noite (duas da manhã, às sextas e sábados), dá ao espaço uma dinâmica multifunções, que vai do simples «tomar um copo» a pequenas e grandes refeições. Para além de proprietário, Paulo é também produtor da batata-doce que usa. Ou parte dela. No ano passado, cultivou 10 a 15 toneladas, mas já chegou, em tempos, às 100 toneladas num ano. «Há cada vez menos. O custo de produção é maior, o tempo também não ajuda e a mão de obra nem sempre há», lamenta.

Preocupações à parte, no restaurante serve-se batata-doce em quase tudo – nos pastéis caseiros, na sopa, na torta com recheio de amêndoa e gila, no pudim, basta escolher. E acompanha também o polvo, à lagareiro, ou em molho de tomate e cebolada, dois dos pratos preferidos de quem ali come. Como se razões faltassem para uma visita, a esplanada que espreita por detrás do restaurante mais parece um pequeno jardim secreto. Uma boa surpresa, que convida a ficar ali, à conversa e a comer – e perder sentido às horas, um «desnorte» que se vai repetindo ao longo da Costa Vicentina.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

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