Lamego: um postal do Douro que merece um brinde

Lamego: um postal do Douro que merece um brinde

Nas igrejas, é barroca. À mesa, Lamego revela-se mais direta ao assunto, livre de artifícios – imperam o presunto, a bôla, os enchidos e carnes, os frutos. E o vinho claro, com o Douro Vinhateiro, também ele monumental, logo ali ao lado.

O ângulo de visão é indiferente. Seja entre braçadas na longa piscina exterior, na esplanada à sombra de oliveiras centenárias, num dos recantos criados para a leitura com nomes de escritores ou da porta de uma das 30 villas, por onde quer que se olhe, está-se diante de um autêntico postal. Ficar na Quinta da Barroca é estar rodeado de serras (do Marão ao Alvão e Montemuro, basta escolher) e pomares e vinhas a perder de vista, no coração do Alto Douro Vinhateiro, classificado como Património Mundial pela UNESCO há década e meia.

São 25 os hectares desta estância de agroturismo à beira de Armamar. A quinta já soma 30 anos mas foi ampliada e melhorada este ano, com a chegada de um novo proprietário. As três dezenas de villas, todas com nomes de castas ou frutos, têm capacidade para duas a quatro pessoas e mantêm o estilo rústico que pede a moldura em redor. Durante o dia, entre os dois bares, as duas piscinas, o restaurante e campo de ténis, fazem-se provas de vinhos da casa e passeios pelos pomares e vinhas.

Os números são significativos e mostram o peso da Barroca. Tratam-se de 25 mil macieiras, ou não fosse Armamar a capital da maçã de montanha, um hectare de pêra rocha e dezenas de nespereiras e outras árvores de fruto. A quinta produz vinho branco e do porto e os visitantes podem passear por entre os cinco hectares de vinhas das castas malvasia fina, folgazão e chardonnay. O resultado, esse, pode ser bebido e comprado ali mesmo, na quinta. «Em 2017, apanhámos 30 toneladas de uva», conta Manuel Cardoso, o caseiro, que conhece os terrenos melhor do que a palma das suas mãos.

Em terras de cereja de Penajóia, ali também se planta esta variedade de cerejeiras. Produzem-se, em média, 10 toneladas de fruto por ano. Por vezes, há um mimo aos hóspedes, «um cesto de cerejas deixado à porta da villa», explica Mário Magalhães, que gere e comunica o espaço. Ou então são os clientes que ajudam a apanhá-las da árvore.

 

Comer e beber ao lado do Santuário

Dos altos e baixos do imponente Douro aos intermináveis degraus do Escadório dos Remédios vão nem 30 minutos de carro. A escadaria que liga a praça principal de Lamego à entrada do Santuário da Nossa Senhora dos Remédios é tão longa como icónica na região – são 686 degraus, ao todo. É, também, um dos maiores símbolos do estilo barroco pela qual se caracteriza a cidade.
Descer tantas escadas leva tempo, subi-las ainda mais. Um possível problema que tem… bom remédio: ganhar energia com os sabores regionais. Junto ao início da escadaria, o Manjar do Douro mantém-se há quatro anos uma referência da gastronomia local, aliando-a a uma apresentação cuidada e atendimento afável. Uma extensa garrafeira divide as duas zonas do restaurante, uma destas mais sossegada e a pedir refeições prolongadas, em grandes grupos.

Os clássicos como o bacalhau à lagareiro marcam presença na carta, mas é das especialidades e produtos locais que se faz o nome do Manjar. Casos do naco de vitela maronês ao sabor do alho, do cabritinho assado à pastor, da posta de porco serrano ou do costelão maronês à cortador. Logo de entrada, serve-se a famosa bôla de Lamego. A original tem presunto e salpicão, e vende-se em todos os cantos da cidade. Mas há tantas versões quantas se imaginarem – bacalhau, sardinha e coelho incluídos.

Para brindar, uma extensa carta de vinhos e espumantes com vários títulos da região, como a famosa casa Raposeira. O vinho do porto também adoça o paladar como um dos ingredientes do bolo borrachão, uma das especialidades da casa. Também leva canela, anis e maçã. «O resto é segredo», diz o dono, Luís Almeida.

Mais acima, a meio caminho na escadaria do santuário, há outro porto seguro para trincar e beber. Não há quem não conheça A Presunteca em Lamego. O presunto, aliás, é um dos alicerces da gastronomia local e fica em cura natural durante, pelo menos, um ano. «Temos a sorte de ter um clima propício à produção do presunto com boa maturação», frisa Hamilton Ferreira, proprietário da casa. Quer seja na esplanada num terraço com relva e sombra, ou numa das salas interiores, petiscar é aqui palavra de ordem desde 2010.

O presunto de Lamego é, naturalmente, o rei da companhia, mas também há queijos (Serra da Estrela DOP, de Trancoso e do Sabugal), enchidos locais e mais de mil referências vínicas. E aqui, a democracia reina, com garrafas desde os quatro aos 3 mil euros, como é o caso de um «porto raro referente aos 150 anos da Taylor’s», diz Hamilton.

Com o estômago reconfortado, fica mais fácil continuar a subir até ao santuário. Mas quem preferir outro ponto alto e panorâmico de Lamego pode subir antes pela Rua da Olaria, conhecida pelos seus bares, até ao castelo. A recompensa destes cinco minutos de caminhada é uma vista de 360 graus pela cidade, pelo dorso das muralhas.

 

 

Fazer amigos entre os animais

Para passeios entre a natureza, não é preciso fugir para muito longe da cidade. Meia dúzia de quilómetros encosta acima e chega-se ao Parque Biológico da Serra das Meadas, destino ideal para um programa em família, e perfeito para quem gosta de estar rodeado de bosque e vida selvagem. Merece que se reserve uma manhã ou uma tarde inteira.

Hélder Santos é veterinário municipal e o responsável pelo parque de 50 hectares. Ao todo, são 200 animais de dezenas de espécies diferentes, que se podem visitar em percursos a pé de três quilómetros. Caminha-se pela sombra, em trilhos sinalizados. «Todas as espécies vieram de centros de recuperação e não podem ser devolvidos à natureza», revela Hélder.

Entre gralhas, rolas, raposas, mochos galegos, javalis, cavalos, papagaios, patos, burros, pavões, corvos, águias-cobreiras, milhafres e veados (inclusive quatro crias nascidas este ano), a grande maioria são animais de fauna autóctone. As raras exceções exóticas são duas jiboias, a Pink e a Floyd, apreendidas na região por posse ilegal.

De volta ao centro de Lamego, não é ao som de Pink Floyd que se come e bebe. No Vindouro, quando não se ouve pelas colunas bossa nova e jazz, é porque alguém está a tocar piano no centro da sala. O restaurante abriu há seis anos, pelas mãos de Vítor Silva, lamecense de gema. Era funcionário público, mas o «bichinho» de ter trabalhado em restaurantes nas férias da escola, para ajudar nas despesas, ficou. A média luz, em tons dourado, combina com o ambiente elegante e moderno do espaço. Aqui, comer e beber é sinal de felicidade. Como se lê na parede envidraçada onde estão afixadas mensagens como «sorria sempre», «comemore», «amor».

Com amor são feitos os pratos da casa, apoiados nos produtos da terra. Isso nota-se logo no arranque, com o estaladiço de brás de alheira de Lamego. Também de seguida, com o lombinho de porco bísaro envolto em presunto e com esmagado de castanhas. E no fim, com a tarte de reineta de Armamar, cozinhada em vinho do porto, e acompanhada com gelado de banana da Madeira. O vinho Quebra-cabeças é um dos sugeridos, mas a problemática fica-se apenas no nome.

 

Comida de conforto junto à Sé de Lamego

Lamego convida a andar. E ali, quase todos os caminhos acabam por dar à Sé, outra representante máxima da cidade. Junto à catedral gótica, uma loja de produtos regionais dá enfoque ao talento manual de artesãos e fabricantes da região e dos arredores.
Há precisamente dez anos que cabe um pouco de tudo na Sé Gourmet. Aos vinhos do Douro e aos espumantes da Murganheira, casa vizinha, juntam-se azeites virgem de Trás-os-Montes, licores de cereja, cogumelos e mirtilo do Fundão, e mel e azeitonas de Mirandela. No artesanato, o destaque vai para os azulejos pintados à mão por artistas e fábricas locais, e para as variadas peças de Bordallo Pinheiro, com cores vivas.

De tonalidades vibrantes é também feita uma das paredes em pedra do Trás da Sé, um clássico de Lamego. Tem as portas abertas há cerca de duas décadas. «21 anos, na verdade», diz Maria de Fátima Freitas, responsável pela cozinha e matriarca da família que gere o restaurante. A paixão pela cozinha nota-se na forma como fala com todos. Nas restantes paredes, estão dezenas de papéis com mensagens e desenhos deixados por clientes e visitantes, dando um lado humano e confiante à casa. A receita para o sucesso é tão simples como infalível: comida de conforto. O que escapa em pretensão, compensa-se em sabor. Local, sempre.

A vitela arouquesa com batatinha assada no forno e o arroz de salpicão com feijão são dois chamarizes do restaurante, que também já se celebrizou na cidade pelo seu arroz de galinha de cabidela e pela feijoada à moda do Porto. Aos fins de semana costuma haver cabrito assado e chanfana. Para comer ali ou levar como take-away. Um conselho: as meias doses são generosas. Num dos quadros do restaurante lê-se: «Não se come e bebe. Saboreia-se.» Uma simples frase ilustra uma das paredes do Trás da Sé mas resume, na perfeição, a essência de Lamego. A essência do Alto Douro Vinhateiro.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

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