Guimarães: a cidade-berço está de novo a renascer

Desde que foi Capital Europeia da Cultura, Guimarães ganhou novo fôlego. Aos últimos projetos juntam-se uma galeria de ilustração, dois bares e uma loja com design português. Novidades que vão bem com a tradição.

Todas as histórias têm um antes e depois – e a de Guimarães não foge à regra. Houve antes e depois de a Condessa Mumadona ter mandado erguer nas suas terras um castelo, em torno do qual se desenvolveu Guimarães; outro «antes e depois» do Condado Portucalense; e ainda mudanças mais recentes: um antes e depois de o centro histórico ser considerado Património da Humanidade, em 2001, e do fervor gerado pela iniciativa Capital Europeia da Cultura, em 2012, que resultou na criação da Plataforma das Artes e Criatividade no antigo mercado da cidade. É aí que fica, desde então, o Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG), que recebeu no final de junho os trabalhos de Pedro Paixão e a exposição com projetos inéditos de Julião Sarmento, intitulada Leopard in a Cage. A mostra recua até 1975, ano em que o artista pediu à Sociedade de Belas-Artes para soltar um leopardo na sala principal de exposições –ideia que nunca avançou.

O Centro Internacional das Artes José de Guimarães

O Centro Internacional das Artes José de Guimarães.

«Ainda quero passar no CIAJG para ver esses trabalhos», diz em conversa Pedro Cunha, responsável pela nova galeria de ilustração da cidade, Área 55. Divide a responsabilidade do primeiro negócio com a namorada Joana Ribeiro, também vimaranense. «Abriram muitas galerias de arte há uns anos, mas depois da Capital Europeia da Cultura fecharam todas. Só se mantêm os grandes projetos, como o CIAJG», recorda o casal, acabado de regressar à cidade depois de concluir os estudos: ele, em desenho, na Faculdade de Belas-Artes do Porto, ela em música. Na Área 55 estão, claro, expostos alguns trabalhos de Pedro, mas todas as restantes ilustrações são assinadas por artistas de Lisboa, do Porto e madeirenses. Ser português não é obrigatório, mas é bem-vindo nesta casa, onde há ainda espaço para livros de ilustração infantis.

A nova Porta 61, loja de design de interiores. (Fotografia: Miguel Pereira/GI)

A meros minutos de distância da Área 55 está outro recente espaço que faz também do número da porta a sua assinatura. O Porta61 é a extensão artística de Ana Roriz, até há um ano terapeuta ocupacional em Guimarães. A paixão por design de interiores fê-la voltar à escola e, em maio passado, abriu uma charmosa loja no prédio de família, o número 61 da Rua Camões. No interior há candeeiros da Boomerango, uma marca limiana que só usa materiais naturais, peças de cerâmica do ateliê lisboeta Mufla e esculturas feitas em gesso por Iva Viana, de Viana do Castelo; isto além de T-shirts com frases originais e candeeiros de estilo nórdico. «Quero, sobretudo, ter aqui peças diferenciadoras», explica Ana, parte da nova geração que está a dar um novo fôlego à cidade.

Nos últimos três anos, Daniel Cardoso pôs também todos a fazer fila para comer os seus hambúrgueres no Dan’s Finger Food & Drinks. O sucesso foi tal que ainda hoje é preciso esperar para comer na hamburgueria, mas para beber há opção de ir ao novo Dan’s Drinkery, o bar que o vimarense abriu em novembro passado e onde serve apenas cocktails. Mojitos de gengibre, de coco, ananás, sangrias e outros clássicos com twist são as estrelas da casa, que celebra a arte da coquetelaria. Também na Praça de São Tiago, centro da movida local, há um bar para amantes de música e cinema, desde março. O Oub’Lá foi buscar o nome a um tema dos Mão Morta e é o reflexo daquilo que Jorge Lopes e a sua equipa gostam de ouvir, ver e beber. Há vinho a copo, cerveja e gin, e pela noite fora põem-se discos pedidos e música alternativa. Todas as terças tem lugar um ciclo de cinema com a exibição de filmes e séries – a última foi Black Mirror. Cultura democrática a troco de um copo.

 

Manter viva a tradição

«Havia um segredo de culinária, um tão segredo que a mãe só o passava a uma única filha: e essa filha, mais tarde passaria também o segredo a uma única filha», escreve Gonçalo M. Tavares. «A receita culinária de um alucinante doce (…) era tatuada nas costas da filha preferida. E sim, o segredo ali estava bem guardado, passando de geração para geração». O romancista foi convidado a ficcionar onze narrativas sobre Guimarães para a Casa da Memória – visita obrigatória desde 2016, para quem deseja conhecer melhor os mitos, os factos e as personalidades da cidade.

A história é ficção, mas os doces de que fala podem bem ser as famosas tortas de Guimarães ou o também tradicional toucinho do céu, feito com gemas, amêndoa e gila. As receitas secretas terão sido herdadas do convento de Santa Clara e no centro histórico há duas grandes pastelarias a dividir os vimaranenses: uns preferem a Casa Costinhas, outros a Pastelaria Clarinha, no Largo do Toural. Mas há quem trabalhe esta doçaria conventual de forma menos convencional.

Restaurante A Cozinha Por António Loureiro.
(Fotografia: Miguel Pereira/GI)

Como o chef António Loureiro, que após 20 anos afastado da cidade minhota, regressou para abrir, há dois anos, a sua Cozinha. «O António começou por trabalhar num restaurante tradicional aqui em Guimarães», conta Isabel, sua mulher. «Depois houve uma viragem da sua carreira para a hotelaria e passou por várias cozinhas de hotéis e restaurantes Michelin.» O prémio Chefe Cozinheiro do Ano, em 2014, foi o empurrão que faltava para o retorno da família a casa e, depois de muito procurar, encontraram um discreto espaço, afastado das principais praças da cidade. É lá que trabalha a gastronomia local de forma inovadora, com uma garrafeira à altura e alguns pratos a quebrar a tradição. Como a sobremesa inspirada pelas tortas de Guimarães: leva calda de morangos, gila e doce de ovos em crocantes canudos.

Além da tradição, a horta é uma das armas da Cozinha por António Loureiro, e encontra-se no terraço do restaurante, de onde vêm muitas das aromáticas usadas e celebradas em pratos como a cavala com foie gras, sorvete de tomate e folhas de capuchinhas. Se a horta muda, a carta também, graças ao respeito pela sazonalidade dos produtos e a política de desperdício próximo de zero.

O restaurante Cor de Tangerina. (Fotografia: Miguel Pereira/GI)

Preocupações em comum tem o Cor de Tangerina, o único vegetariano da cidade, aberto há 12 anos, junto ao Paço dos Duques de Bragança. «Na altura foi difícil as pessoas compreenderem o que era o restaurante», conta Dinis Mendes, cozinheiro e um dos cinco amigos responsáveis por esta cooperativa que queria «começar uma revolução no mundo pela comida». Hoje, a revolução continua nos workshops de pão que fazem nas escolas e nas oficinas sobre alimentos que acontecem na Casa da Memória. Agricultura biológica, de proximidade e sustentabilidade são praticamente os seus lemas. Os cogumelos e os mirtilos vêm de um fornecedor local, bem como muitos dos legumes ali usados. «Com os shiitake fazemos umas bolinhas de “alheira” que parecem ter carne», conta Liliana Duarte, outra das responsáveis. E acrescenta: «95 por cento dos nossos clientes não são vegetarianos». A carta é rotativa, consoante o que é da época, mas entre as opções vai encontrar-se um arroz caldoso, uma sopa de alfazema com beterraba e o naco (de seitan) à conquistador.

Se o dia estiver bom, o melhor é rumar ao jardim do restaurante, com mesas e forno a lenha, de onde sai o pão caseiro (natural, feito com fermentação lenta) todos os dias. Boa parte é vendida no claustro do Museu Alberto Sampaio, onde acontece o mercadinho de produtos biológicos, todos os sábados, mas diariamente pode-se prová-lo no couvert do restaurante. É trançado e colorido, graças à espirulina, curcuma e alfarroba que são adicionadas à massa – e é difícil não parar de o comer quando chega quentinho. «Além do pão, que é natural, feito com fermentação lenta, tentamos ao máximo investigar produtos sazonais que tenham ligação à cidade. Como a abóbora porqueira, que davam aos porcos e que com o tempo se descobriu que era usada para a gila dos doces conventuais». No meio da modernidade, não haja dúvidas de que se mantém a tradição.
Centro Internacional das Artes José de Guimarães
Abriu no ano em que a cidade foi Capital Europeia da Cultura no antigo espaço do mercado local. É um ponto incontornável de visita para os amantes de artes, já que reúne o espólio de José de Guimarães (que faz parte da exposição permanente) e também obras de artistas contemporâneos. Até outubro estão expostos os trabalhos de Pedro Paixão e vários inéditos de Julião Sarmento; e em setembro é tempo de ver as instalações em têxtil da reputada norte-america Ann Hamilton, que está em residência artística no CIAJG, a propósito da Contextile – Bienal de Arte Têxtil Contemporânea, arranca no dia 1 em Guimarães.
Santa Luzia ArtHotel

Falar em artes em Guimarães é também falar do Santa Luzia ArtHotel, um projeto de dois irmãos de Braga, arquitetos de profissão, que abriram há dois anos um quatro estrelas com 99 quartos numa antiga casa senhorial. A inspiração foi a simplicidade escandinava, com linhas retas e muito uso da madeira por todo o edifício. Apesar de quase todos os espaços comuns estarem orientados para o espelho de água interior do hotel, há que dar uma oportunidade ao terraço, no último andar, onde fica também uma piscina. Desde o início deste verão servem-se cocktails e bebidas a quem ali aparecer, seja hóspede ou visitante.

 

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