Vila a uma hora do Porto é uma pérola por descobrir

A uma hora de carro do Porto e a meia hora de Aveiro, Sever do Vouga é uma vila bafejada pela natureza. A capital do mirtilo é uma caixinha de surpresas.

Lá em baixo, um rio corre e, de repente, desce com toda a força em cascata e cai numa bacia fluvial com rochas e vegetação à volta, pontes e um parque de merendas. Depois, segue o seu percurso esguio por entre as pedras. É domingo à tarde, está calor e bastante gente na cascata da Cabreia. Sandra Félix conhece aquele pedaço de paraíso desde miúda, quando fazia piqueniques de dias inteiros com as amigas. Ontem como hoje não consegue resistir à intensidade da água a cair no corpo. De biquíni às riscas, Sandra estica os braços e fecha os olhos debaixo da cascata. «É muito relaxante», confessa num intervalo dos banhos de cascata.

Há mais sítios em Sever do Vouga onde a natureza se espreguiça à vontade. Raul Soares mora numa quinta com vista para uma pequena ilha no Vouga, que foi conquistando espaço depois da construção da barragem de Ribeiradio. «A gente acorda e começa a respirar», diz. Acrescente-se festas nas aldeias, duas mãos cheias de trilhos, cascatas, escarpas, gentes do campos, pomares de mirtilos, de laranjas e outras árvores de fruto para se perceber que «Sever é uma pérola», como refere Raul.

Na água ou em terra, Sever espalha-se por quase 130 quilómetros quadrados onde moram pouco mais de 12 mil habitantes. Neste território não se apagam peças importantes da história. Os trilhos por onde o comboio Vouguinha circulou são agora a ecopista do Vouga, com mais de 10 quilómetros que acompanham o rio. É um percurso de ar puro e paisagens que enchem os pulmões, e que atravessa a Ponte do Poço de S. Tiago, um postal do concelho, a mais alta ponte em pedra do país com 28 metros de altura. Foi feita com a força dos braços há 105 anos para a passagem dos comboios da linha do Vouga.

A antiga estação ferroviária da Paradela está transformada no café Paradela Eco Café, ponto de partida e de chegada da ecopista. tem bolos caseiros, biscoitos, iogurtes naturais com frutas e petiscos salgados, além de batidos de abacaxi, acerola, coco, manga, maracujá. «É uma cafetaria com esplanada, aluguer de bicicletas, onde se pode tomar duche, preparada para acolher grupos, tem uma sala de exposições e organiza workshops de bem-estar», refere Denise Oliveira, a dona do espaço.

 

A cascata da Cabreira. (Fotografia: Maria João Gala/GI)

 

Mirtilos por todo o lado

A vila tem uma densa história industrial em laticínios e massas. Restam alguns vestígios em betão que lembram essa atividade e as memórias da exploração de chumbo nas minas do Braçal e da Malhada, até meados do século XX, não são colocadas na gaveta. Passado, presente e futuro encontram-se no Museu Municipal de Sever do Vouga, inaugurado há dois anos, inclui na sua coleção artefactos arqueológicos do paleolítico, objetos da indústria dos produtos lácteos e das massas alimentares e testemunhos gravados num filme de 19 minutos com as gentes que trabalharam nas minas. No final, vê-se uma parede estampada de mirtilos, ou não fosse Sever terra de mirtilos, que foram trazidos por holandeses nos finais do século passado, após perceberem que o microclima era benéfico para a baga azul escura e sumarenta.

A vila tornou-se a capital dos mirtilos, com muitos hectares ocupados e toneladas colhidas. A 11.ª edição da Feira Nacional do Mirtilo, que decorreu no início do mês, reuniu profissionais da fileira e de outros pequenos frutos, no parque urbano da vila. Houve palestras, visitas a plantações, showcookings e apanha do fruto.

Quem sabe da poda é Pedro Lobo, que desbravou o mato e as silvas da quinta de família, preservou a casa antiga da avó Cremilda e deixou o emprego de engenheiro civil para se dedicar à plantação do fruto. O terreno da Quinta da Remolha tem 7 hectares, grande parte utilizados para plantação. «É um fruto que precisa de frio entre outubro e fevereiro e de calor assim que chega a primavera». Pedro conhece bem os desejos do fruto que produz há cinco anos e faz visitas guiadas à quinta.

O mirtilo é fonte de inspiração para vários produtores locais. Paula Costa aproveita-o para licor, marmeladas e geleias. que vende com a marca Doce Fumeiro. Nos seus terrenos tem mirtilos, amoras, groselha, morangos, framboesas e maracujás. A cozinha está apetrechada para fazer o licor que se bebe bem fresco. «Sever tem uma terra meio arenosa e as plantas dão-se bem aqui. Quando é frio é frio, e por vezes neva, quando é calor é calor, e a planta precisa desse choque térmico», explica. A apanha do mirtilo deverá durar até agosto e, com o calor, há plantas vergadas de fruto da baga azul escura que não pode ser apanhado húmido para não apodrecer.

 

Comida feita na hora

O brasão de Sever tem três peixes entre um pinheiro e uma laranjeira. É uma terra com solos férteis e uma cozinha de mãos largas com carnes no forno, peixes do rio e mirtilos usados em pratos doces e salgados. É o que acontece no restaurante do casal Alice Bruçó e Armando Mendes, com terraço rente ao Vouga para refeições prolongados. A sala principal é rústica, com fogão de sala e mobília de madeira. A carta está recheada de comida regional, «feita na hora, com ingredientes frescos», assegura Alice, cozinheira de mão cheia, que conhece as raízes dos pratos, os melhores condimentos e como apurar cada pedaço de carne.

Na Quinta do Barco, antiga casa senhorial recuperada, o casal serve feijoada no forno com feijão demolhado, peixe do rio em escabeche, açorda de ovas dos peixes do rio, espetada de polvo e de carne. E ainda sopa e gelado de mirtilos. Alice faz também pratos por encomenda, como cabrito assado, ensopado de borrego ou lampreia com arroz à Bordalesa.

O restaurante Quinta do Barco (Fotografia: Maria João Gala/GI)

Vitela e cabrito assados em forno de lenha são a especialidade da Casa Quintas. «O segredo começa na carne que é comprada ao lavrador», diz. Junta-se «muito azeite, nada de temperos estranhos e muito tempo no forno para ficar suculenta e tenrinha», conta Fernanda Castro que gere o restaurante com o cunhado Hélio Castro. Fernanda trata da cozinha, Hélio atende os clientes. Uma dupla eficaz que aposta na simplicidade dos pratos servidos em louça de barro. O mirtilo também entra na cozinha de Fernanda, que os faz brilhar no topo de uma tarte ou numa doce calda que rega um semifrio.

Já Ricardo Mendes faz pizas e não tira os olhos da massa antes de colocá-las no forno. É um trabalho que lhe exige concentração para que o prato principal da casa saia como deve ser. O Don Gonçalo é sobretudo um restaurante de pizas com alguns pratos de carne e peixe. «O segredo é a simplicidade», diz o dono e cozinheiro de serviço que também faz piza com chocolate acompanhada de fruta da época. Experimentou a fusão, a experiência correu bem, e a piza agridoce entrou na carta.

 

Gin com línguas de gato

A Tasca da Emília é um sítio incontornável, ponto de encontro de várias gerações de Sever. Os mais velhos jogam às cartas, os mais novos convivem com copos cheios. É parte da mobília da vila. Foi mercearia, há 30 anos transformou-se em tasca e há cinco sofreu uma remodelação. O espírito mantém-se. A dona Emília está atrás do balcão. «O gin é de garrafa e as línguas de gato são para acompanhar», refere. O copo chega à mesa com o gin, gelo e uma rodela de limão. A água tónica é servida pelo freguês. A tasca tem petiscos: aos sábados há rojões, aos domingos rojões das tripas e moelas e pica-pau todos os dias.

E por falar em gin, no Couto de Esteves, junto ao rio, há um gin de mirtilo nascido e criado em Sever. Chama-se Olgin e chegou este mês ao mercado (20 euros a garrafa). «É aromático, excelente para um dia de calor», diz Fernando Ventura. A ideia surgiu na Quinta da Olga, espaço de turismo rural, que a família de José Silva, pai de José Ricardo e de Sandra, sogro de Fernando, dedica à matriarca Olga, falecida há 15 anos. José Ricardo pintou azulejos em honra da mãe à entrada da quinta, que tem piscina, cavalos, ovelhas, galinhas e patos. Sandra e Fernando regressaram de Maputo e a família está novamente junta. «Aproveitamos o mirtilo e damos-lhe outro destaque num gin», explica Fernando. É servido da forma tradicional, com gelo, casca de limão, água tónica e mirtilos. A infusão artesanal deste gin é segredo.

O projeto Casa dos Barbas é também uma homenagem. Adelino Teixeira cresceu por ali, no meio das vinhas do Couto de Esteves, e tornou-se engenheiro vinícola. Juntou-se ao primo Horácio Silva para produzirem vinho em homenagem ao avô. A casa onde passaram a infância – com lagares antigos – tem vista para os 1,2 hectares de vinhas onde nasce o Argau, espumante frutado com toques de polpa branca. Dentro de algum tempo vão arrancar visitas às vinhas. «Agora, queremos manter a consistência, cada passo é um passo», diz.

No verão, o calor não desaparece na noite de Sever. Perto do centro, está o Vila Café, bar pensado para agradar a todas as gerações. Tem jardim, esplanada, uma sala que, de vez em quando, recebe música ao vivo. «O nosso público-alvo não se restringe a um nicho de mercado», explica Joana Ferreira. «Com a música ao vivo conseguimos criar uma atmosfera diferente», diz Cristiano Martins que tratou da decoração, das tábuas do balcão e de algumas peças da decoração. Além do serviço de bar, o café da vila tem petiscos como rojões, moelas, tábuas de queijos e presunto.

Vila Café – Tapas & Drinks (Fotografia: Maria João Gala/GI)

Sever não é um destino óbvio, repleto de postais ilustrados. Tornou-se a capital do mirtilo pela pujança do fruto que cresce com gosto em muitos pomares, mas é muito mais do isso. A natureza que o diga. As origens são preservadas com simplicidade. E, aqui e ali, há histórias de famílias que se unem em negócios em nome de uma terra que lhes corre nas veias.

 

Alice e Fátima, as gémeas das compotas exclusivas

Alice Martins recua ao século VI, tempo de visigodos e suevos, para falar de um conde se instalou naquelas bandas e viria a batizar o território. «O conde de Sevéri era requintado, muito exigente com a qualidade dos seus alimentos», diz. Uma exigência e um nome que inspiraram as irmãs a criarem compotas artesanais. «É nessa linha de exigência que recriámos velhas receitas que utilizam produtos regionais», conta Fátima Martins. A Casa de Severi tem cinco gamas de compotas, usa fruta fresca da época e está à venda em várias mercearias e lojas do país. Os mirtilos estão presentes em mais de 20 compotas e podem ser degustadas nos restaurantes da vila durante a Feira do Mirtilo.

 

Casa de Severi (Fotografia: Maria João Gala/GI)

 

Cabanas no pinhal e passeios no rio

O espaço de encontro de fins de semana da família transformou-se numa casa de turismo rural. «O meu pai tinha este sonho», conta Kátia Silva, arquiteta, que deixou o emprego de 12 anos para se dedicar ao projeto da Villa de Paço. O pai Carlos Silva, engenheiro civil, é um dos anfitriões da casa e dos passeios no rio. Kátia desenhou quatro cabanas com cozinha, sala de estar, quartos, sótãos para ver estrelas, varandas com cama de rede e churrasqueira e vista para o vale do Vouga. A herança foi preservada. Manteve-se a piscina e o campo de ténis, remodelou-se uma sala para servir pequenos-almoços e refeições ligeiras e instalou-se uma banheira de hidromassagem ao ar livre. As galinhas põem ovos para os ovos mexidos servidos de manhã com compotas, bolos caseiros, queijos, marmelada. A família tem bicicletas para alugar – a ecopista está a dois passos – e organiza passeios no rio, ski aquático e mergulhos (35 euros por pessoa).

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

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