Descobrir o Algarve que ainda é natural na Ria Formosa

Há um mundo por descobrir nas ilhas da Ria Formosa, essa parte ainda protegida do Algarve e reserva natural preciosa.

«Não tire nada além de fotos, não deixe nada além de pegadas, não leve nada além de saudade», é com este singelo aviso que são dadas as boas-vindas aos visitantes na pequena aldeia de Hangares, um das três existentes na ilha da Culatra. Foi aqui que se fixaram os pioneiros, como ficaram conhecidos os primeiros pescadores a habitar a ilha, no final do século xix. E o cenário pouco mudou desde então, como depressa se constata ao caminhar por estas ruas pavimentadas a areia.

Na esplanada improvisada da Tasca do Fininho, o proprietário José Manuel liga o gerador para servir dois cafés, o que o obriga a alguns minutos de espera, ocupados com dois dedos de conversa. Aponta-nos, algumas portas ao lado, a primeira casa a ser edificada na ilha, por Manuel Lobisomem, o primeiro pioneiro, que também dá nome à rua. Numa mesa próxima, Cláudio Paciência levanta-se de um salto: «Era o meu bisavô», exclama. Ao contrário das restantes aldeias da ilha, Culatra e Farol, os Hangares (o nome vem de uma velha base de hidroaviões, do tempo da I Guerra Mundial) tem-se mantido intocada pelo turismo.

Protegida por um imenso cordão dunar arenoso litoral de praias e dunas, a ria Formosa é um complexo sistema lagunar em permanente mudança, devido à influência de ventos, correntes e marés. Estende-se ao longo de 60 km de costa desde o Ancão (no concelho de Loulé) até à Manta Rota (no concelho de Vila Real de Santo António) e é composta por duas penínsulas e cinco ilhas-barreira (península do Ancão, ilha da Barreta ou Deserta, ilha da Culatra, ilha da Armona, ilha de Tavira, ilha de Cabanas e Península de Cacela), sapais, bancos de areia e de vasa, dunas, salinas, lagoas de água doce e salobra, cursos de água, áreas agrícolas e matas, num diversidade florística e faunística, classificada, desde 1987, como Parque Natural.

«Um dos melhores modos de conhecer este verdadeiro paraíso da biodiversidade é de barco», afirma Paulo Gonçalves, ao atracar o seu moderno iate na ilha da Culatra, onde nos irá dar a provar, ali mesmo no porto, uma das maiores riquezas destas águas, as ostras. Para além da variedade de peixe e marisco aqui existente, a ria é especialmente conhecida por ser um verdadeiro viveiro de bivalves, como a amêijoa e a ostra, as espécies mais cultivadas pelos mariscadores da região, que aqui produzem cerca de 80 por cento do total de exportação do país. «É sempre um dos momentos altos dos passeios, afinal não é todos os dias que se provam umas ostras assim, acabadas de apanhar», sustenta Paulo, enquanto o viveirista José António abre com mestria os bivalves.

São vários os programas de passeios da Algarve Wow, a empresa de passeios de barco fundada há dois anos por Paulo. O mais simples, de meio-dia, que inclui sempre a degustação de ostras, custa 480 euros, enquanto o Ria Formosa Lés-a-Lés, de sete horas por terra e mar, custa 1600, e o Passeio do Guadiana, até Alcoutim, sobe aos 2200.

Para além destes, têm também passeios temáticos, como os noturnos Moonlight Gin (800 euros) ou o Wow Under the Stars (350 euros), para além de todo o tipo de programas à medida, que incluíram já um pedido de casamento e respetivo jantar romântico, numa das muitas praias desertas destas ilhas. «O preço é sempre o mesmo, independentemente do número de passageiros, que pode ir até aos 8», explica. Os passeios são sempre acompanhados da bióloga marinha Nadja Velez, ou não fosse este um dos mais importantes ecossistemas do país e um autêntico viveiro natural.

A RIA NO PRATO

Não é portanto de admirar que a mesa seja também um dos locais onde melhor se aprecia toda esta riqueza. E atualmente há toda uma nova geração de chefs que está a reinventar todo o manancial de sabores que a ria lhes oferece.

É o caso de Cecília Paixão, uma antiga estudante de química, que aprendeu a cozinhar no restaurante dos pais e é hoje a responsável pela cozinha do renovado Gilão, em Tavira, mesmo em frente do rio que lhe dá o nome. Aberto há cerca de um ano por Ângela Botelho, uma engenheira zootécnica que herdou o antigo café dos pais no mercado de Tavira, a casa tornou-se em pouco tempo uma referência da restauração da cidade. «Fazia falta diferenciar e mostrar o que é local e regional, com uma outra apresentação, mais contemporânea», sublinha Ângela, enquanto serve as entradas, também elas fiéis a esta premissa: pão algarvio fatiado, manteigas de amendoim e de lima, ricota com tomate seco e manjericão ou muxama de atum com vinagrete de figo e laranja acompanhada de rúcula e agrião.

À mesa chegaram depois alguns dos petiscos mais afamados da casa: tempura de polvo com mel picante e chamuça de cavala com milhode caril e gengibre, «uma criação minha para despachar algumas latas de conserva», explica Cecília e que acabaria por se tornar um dos seus pratos de assinatura. Mas ainda faltavam os pratos principais: polvo com batata-doce no barro, lombinhos de porco em molho de uvas e batata-doce frita e lombo de atum em cebolada oriental e migas de pimentos vermelhos.

Com a refeição a prolongar-se pela tarde adentro, a chegada à Casa Modesta acabou por acontecer já quase ao sol-posto. E ainda bem que assim foi, pois não há hora melhor para se apreciar este pequeno hotel, situado na zona rural de Quatrim do Sul, em Olhão, mesmo junto à ria. Recentemente eleita pelo New York Times um dos oito melhores hotéis familiares da Europa, «pelo modo como fazem os hóspedes sentir-se em casa», a Casa Modesta «é um projeto de memória», como o apresenta o proprietário Carlos Fernandes.

A antiga casa da família, construída pelo bisavô de Carlos, Joaquim Modesto de Brito, conhecido na vizinhança como O Campeão, foi o alicerce deste projeto de turismo rural de traços contemporâneos, composto por nove quartos e pátios privados, horta biológica, jardim, piscina natural e solário. «É uma casa cheia de memórias, que não podíamos deixar morrer», diz Carlos. «Há quem lhe chame férias, nós chamamos- lhe cultura», brinca Carlos, que de vez em quando ali realiza workshops de barro, cestaria ou brinquedos de cana, para além das já habituais sessões de showcooking, como a que organizou nessa noite para os hóspedes. Os preparativos começaram cedo, na cozinha da Casa Chã, a parte antiga da propriedade, onde hoje funciona zone lounge, à volta do antigo forno a lenha.

À volta dos tachos estão Rolando Correias e Sandra Patrão, um casal de professores com gosto pela cozinha, que transformaram num negócio de catering personalizado ao domicílio, de seu nome Algarve Cooking. «Costumavam cozinhar para amigos e foram eles que nos convenceram a avançar», recorda Rolando, enquanto ultima a cataplana de amêijoas que servirá de entrada. Para prato principal, prepararam um borrego, «comprado a um produtor da serra». Será acompanhado de um arroz de coentros e salicórnia, uma erva da ria, com sabor a sal, «apanhada aqui mesmo, pela manhã»…

ONDE DORMIR

CASA MODESTA. Quatrim do Sul, Olhão. Tel.: 964738824 / 289701096. Quarto duplo a partir de 120 euros, com pequeno-almoço.

ONDE COMER

GILÃO. Rua do Cais, Mercado da Ribeira, Loja 2ª, Tavira. Tel.: 281 322 050. Preço médio por refeição: 20 euros.

VILA ADENTRO. Praça D. Afonso Terceiro, 17, Faro. Tel.: 289 052 173. Preço médio por refeição: 20 euros.

ALGARVE COOKING. Tel.: 919 984 771. Serviço de catering ao domicílio a partir de 20euro por pessoa.




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