Arcos de Valdevez: um passeio pelo interior minhoto

O território do interior minhoto, no Parque da Peneda-Gerês, guarda deslumbrantes paisagens naturais. Não faltam atividades como caminhadas e passeios em bicicleta em Arcos de Valdevez. E mesa farta, para repôr forças. Veja mais na galeria.

Ficou conhecida como o «pequeno Tibete português» pela imensidão dos socalcos verdes construídos para contrariar a aridez do território. Contudo, celebrizou-se pela fusão entre as características encostas e os vários lagos e cascatas. Sistelo, aldeia de raízes medievais cuja paisagem vem resistindo à passagem do tempo, faz parte da Reserva Mundial da Biosfera, decretada pela UNESCO, e foi classificada como Património Nacional em 2017 – a primeira paisagem a receber o título habitualmente atribuído a património edificado. O Sistelo fica no norte do concelho de Arcos de Valdevez e, além de ser um dos pontos principais da Ecovia do Vez, serve de pretexto para descobrir a riqueza natural dos socalcos da região.

É preciso descer à margem do rio Vez para começar o dia nos Passadiços do Sistelo, área abrangida pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês. Ao início da manhã, o sol ainda se esconde e o lago reflete as formas das árvores. O som do correr da água toma conta de uma paisagem pouco turística que ainda escapa às enchentes. Ao largo de dez quilómetros, há algumas subidas e descidas acentuadas num trajeto que demora três a quatro horas. Além de ser ideal para caminhadas e passeios em bicicleta, o percurso permite descobrir alguns pormenores identitários da região. Os socalcos onde ainda se cultiva milho, as vacas que passeiam livremente pelas ruas, estruturas medievais como a Ponte de Vizela e o Castelo do Visconde de Sistelo e as antigas casas de guardas florestais são alguns exemplos.

Os espigueiros de madeira, destinados a secar os cereais para fazer pão e alimentar os animais, são um dos atrativos do Sistelo, uma das vencedoras do concurso Sete Maravilhas de Portugal – Aldeias. À chegada, o Sistelo apresenta-se como um conjunto de casinhas perfeitamente encaixadas no relevo verde. Mas há muito que ver entre as ruas estreitas onde os moradores param para conversar, as tradicionais casas de granito renovadas e os lavadouros públicos.

 

Uma mesa no meio da natureza

Para provar a comida tradicional sem perder de vista o cenário envolvente, o visitante pode dirigir-se ao Cantinho do Abade. O restaurante tem decoração contemporânea e ambiente familiar, mas destaca-se a esplanada, uma varanda sobre a natureza, que enche os olhos enquanto se enche a barriga. A carne de vaca cachena é a grande estrela da carta e sobressai a posta macia, servida com batatas fritas, feijão verde e arroz de feijão tarrestre. Esta leguminosa cresce rasteira em terrenos de encosta e montanha entre as plantações de milho e faz parte da alimentação da população local. Por essa razão, pode ser encontrada também na sopa ou em sobremesas como o pastel de feijão tarrestre, criação doce da casa. A tarte de Sistelo, à base de amêndoa, maçã e canela, é outra receita original do restaurante e uma das mais pedidas.

Depois de almoço, se a moleza pedir uma pausa confortável sem sacrificar a proximidade com a natureza, ruma-se à Quinta Lamosa, propriedade de ecoturismo localizada em Gondoriz, a cerca de 15 minutos do centro de Arcos de Valdevez. A quinta tem quatro casas de madeira distribuídas pelo jardim – duas casas do espigueiro, cuja estrutura obedece à planta quadrada dos espigueiros asturianos e que dão para a piscina, a casa na árvore e a casa da corte, que anteriormente servia de abrigo para os animais.

A Quinta da Lamosa. (Fotografia: Rui Manuel Fonseca/GI)

Descontrair ao ar livre no outono

«Quisemos poucas casas e pouca densidade de pessoas para poder proporcionar uma melhor experiência aos visitantes», afirma João Pedro Serôdio. É a antiga corte dos animais, logo à entrada, que merece destaque. A casa é envidraçada e cria a sensação de que não há separação entre o interior e o exterior. O quarto é amplo e tem boa luz natural devido às janelas de onde só se vê a folhagem.

As casas alojam entre duas a quatro pessoas e têm cozinha equipada. Os hóspedes podem fazer as refeições na sala de jantar interior ou no lounge ao ar livre. Este dispõe de confortáveis sofás, mesas e cadeiras, e camas de rede onde, além de apreciar uma refeição diferente, se podem fazer churrascos. Uma vez que o espaço é coberto, continua a ser convidativo com a chegada do outono. Há mantas para contornar o frio e desfrutar de um bom livro ou de uma bebida quente junto à lareira.

Para quem procurar um encontro mais ativo com a natureza, a Quinta Lamosa promove atividades como caminhadas e passeios em bicicleta e a cavalo pelos trilhos naturais em torno da propriedade e desportos aquáticos como canoagem ou stand-up paddle no rio Vez, cuja margem fica a 200 metros da quinta.

Também as oficinas de sabores da região fazem parte da oferta da propriedade, que mantém uma parceria com a Porta do Mezio. Naquela que é uma das cinco portas do Parque Nacional da Peneda-Gerês, o visitante pode aprender a fazer a tradicional broa de milho em forno a lenha. «A ideia é utilizar matérias-primas locais para conservar a forma de fazer antiga», explica Joaquim Dantas, enquanto põe a mão na massa. O processo, que se quer «o mais genuíno possível», demora habitualmente cinco horas entre o amassar da farinha e a cozedura do pão, mas é simplificado para que todos possam participar. Assim, Joaquim deixa a massa levedar antecipadamente e conta com a ajuda dos visitantes para dar forma às broas.

A paisagem que serve de moldura à aldeia do Sistelo. (Fotografia: Rui Manuel Ferreira/GI)

 

Biodiversidade e atividades para todos

Depois de selado o forno a lenha, os visitantes têm hora e meia de espera pela frente, mas podem dirigir-se ao espaço de promoção de produtos locais e degustação da Porta do Mezio para provar alguns petiscos regionais, acompanhados de um copo de vinho. No final do workshop, espera-se que todos saiam sujos de farinha, com a roupa a cheirar a fumo e, sobretudo, com uma saborosa broa de milho na mão.

Os três hectares da Porta do Mezio funcionam como hall de entrada para as montanhas e vales do Soajo e da Peneda. Há vários espaços de interpretação do património natural e cultural e atividades pensadas para miúdos e graúdos. Além de parque de campismo e caravanismo, piscina, dois parques de merendas, a pequenada tem à disposição o Parque Aventura, onde pode subir às árvores, fazer escalada e slide. A Aldeia dos Pequeninos foi criada para incentivar as crianças a descobrir a vida dos primórdios da região. Entre as construções replicadas estão os espigueiros, o fojo, estrutura de pedra que funcionava como armadilha para os lobos, e a branda, abrigo de pedra onde os aldeões viviam durante o verão.

A biodiversidade que brota entre as florestas de carvalhos, faias e coníferas é a verdadeira riqueza do território. Está a ser pensado, ainda sem data prevista de abertura, um parque biológico para reabilitação de espécies protegidas como a vaca cachena, os cavalos garranos, raposas e javalis.

Há vários miradouros para admirar os socalcos do concelho. É o caso de Porta Cova, cujas construções graníticas se ergueram contra o declive em redor do rio. Tirando a pequena e envelhecida população e as vacas que vagueiam pela aldeia, não há vivalma, mas o isolamento dá uma imagem completa e limpa do horizonte.

O paste de feijão tarrestre do restaurnate Cantinho do Abade. (Fotografia: Rui Manuel Fonseca/GI)

O dia termina n’O Barriguinhas, restaurante com paredes de pedra e decoração simples onde sobressai o ambiente familiar e a mesa regional. Nas entradas, a alheira com carne de cachena abre o apetite para a farta travessa de cabrito e batata assada que vem de seguida, acompanhada do vinho servido em taça.

A relação que vai da natureza à mesa está bem patente numa região que teve de contrariar as possibilidades do território para subsistir. E, se inicialmente foi apenas uma forma de sobrevivência, a manipulação da terra pelo Homem contribuiu para a riqueza paisagística e ambiental que, devido à acessibilidade central da vila entre o Alto Minho e a Galiza, chama visitantes dentro e fora de fronteiras.

 

Aprender a fazer broa de milho no Gerês

Bem perto do Sistelo fica a Porta do Mezio, uma das cinco entradas para o Parque Nacional da Peneda-Gerês. É neste ambiente cénico que se pode aprender a fazer a broa de milho que não falta à mesa das famílias minhotas. Os participantes do workshop são convidados a amassar a farinha na masseira à moda antiga. Depois, é preciso moldar as broas e colocá-las no forno a lenha, selando a porta com a massa. Para aguentar a espera de hora e meia de cozedura do pão, há petiscos regionais como enchidos, broa, fêveras de cachena e pataniscas de bacalhau.

 

Feijão tarrestre, produto «slow food»

É utilizado nas sopas, no arroz e, até, em sobremesas. O feijão tarrestre é uma espécie endógena que cresce nas zonas de meia encosta e montanha das serras da Peneda e do Soajo. À semelhança da broa de milho e da vaca cachena, é um dos produtos slow food de Arcos de Valdevez – faz parte da cozinha tradicional e conserva as técnicas de cultivo locais. O feijão tarrestre é plantado de março a maio e colhido entre junho e julho. Pode ser encontrado em mercearias e mercados e nos restaurantes da região – o arroz malandro de feijão tarrestre com posta de cachena é um dos pratos de eleição.

 

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Reportagem publicada na edição 189, de 09 de novembro de 2018. Alguns aspetos (nomeadamente horários, preços, dias de encerramento) podem ter mudado.

 

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