Oliveira do Hospital: queijo, azeite e bem-estar

Roteiro pelo queijo, azeite e bem-estar em Oliveira do Hospital
Oliveira do Hospital foi um dos concelhos da zona Centro mais fustigados pelos incêndios de outubro de 2017, mas tem mostrado como se pode, aos poucos, renascer da terra ardida. É para ir e voltar com saudades do rio Alva aos pés, do museu a céu aberto, do queijo da Serra da Estrela, do fio de azeite no prato.

Francisco Cruz tem ainda bem presente na memória a noite em que se viu forçado a abandonar o Aqua Village Health Resort & Spa perante a iminente chegada do fogo que lavrava descontroladamente naquela noite de 15 de outubro de 2017, no concelho de Oliveira do Hospital. Ficou até poder, na companhia dos trabalhadores do hotel, e quando se afastou, reunindo-se com a família em local seguro, restou-lhe pouco mais do que a incerteza de não saber se o Aqua Village estaria intacto no dia seguinte.

Felizmente estava. Por incrível que pareça, o fogo consumiu tudo até às imediações do hotel – assim o testemunham casas e árvores pintadas de negro à beira da estrada que lhe dá acesso -, de ambos os lados do rio. O Alva e a sua longa margem forrada de choupos e outras árvores impediram, porém, o avanço das chamas e a destruição de um dos primeiros resorts de cinco estrelas da região Centro, que acabara de abrir, apenas um ano antes. Hoje, já com várias árvores replantadas com a ajuda do hotel e de alguns hóspedes, o Aqua Village está mais vivo que nunca, tendo ganho este mês o título de Melhor Resort para Famílias na Europa, além de outros prémios, nos Haute Grandeur Global Execellence Awards, no Dubai.

Nesta «aldeia dentro da aldeia», conforme o descreve o CEO do hotel ao lado do filho, que também se chama Francisco, a envolvente natural é muito mais do que um cartão-postal. O conjunto de edifícios de cor neutra enquadram-no perfeitamente na ruralidade da aldeia de Caldas de São Paulo, mas é do Alva que brota o seu verdadeiro tesouro, em estado líquido. Desde tempos imemoriais que se reconhecem as propriedades terapêuticas daquela água, rica em enxofre e sílica, extraída de um poço.

A população local e da aldeia vizinha de Penalva d’Alva tinha por hábito ir lá abastecer-se para amenizar problemas de pele e de ossos, e foi precisamente a riqueza termal dessa água que estes empresários quiseram potenciar com a criação do hotel. Com ela enchem a piscina termal hidrodinâmica do spa, onde se encontra também uma sauna, banho turco, duche de contraste e salas de tratamento com novas massagens lançadas recentemente.

No exterior, com vista para a paisagem de choupos, estendem-se outras duas piscinas aquecidas, uma delas semi-coberta e com a água a 38 graus. E é também entre os choupos que «levitam» duas estruturas em forma de gotas (com cinco metros de altura e três metros de diâmetro) onde se fazem massagens com óleos e cremes à base do mel da região. O símbolo da gota, de resto, surge um pouco por toda a decoração do hotel, em união com a cortiça e o granito usado nas casas-de-banho, por exemplo. Ao todo são 39 apartamentos T1 e T2 totalmente funcionais – alguns com vista para o rio e outros com banheira de hidromassagem na varanda – e uma suíte presidencial com 200 metros quadrados.

As queijeiras que fazem o queijo Serra da Estrela DOP na queijaria artesanal de Paulo Rogério. (Fotografia de Maria João Gala/GI)


O que é o queijo Serra da Estrela DOP

É o queijo produzido apenas com leite de ovelhas de raças bordaleira ou churra mondegueira, sal e cardo (flor de uma planta herbácea perene) e que leva obrigatoriamente o selo do produtor, a marca de caseína (o «bilhete de identidade» de cada queijo, com código de produtor e lote) e o rótulo amarelo específico. O queijo amanteigado consome-se entre 30 a 120 dias e após esse período já é considerado queijo velho, ganhando uma cor alaranjada. Existem 28 produtores certificados em toda a região demarcada, que abrange 18 concelhos, entre eles Oliveira do Hospital.

Viagem do queijo ao azeite

No restaurante Roots, as raízes não estão apenas no nome, sendo também as da terra onde os chefs Hugo Gaspar e Marco Barbosa vão buscar alguns dos produtos com que trabalham. Outros vêm de produtores do concelho, da Serra da Estrela e da zona Centro. O resultado é uma cozinha de autor, contemporânea, intimamente ligada à vertente vínica, com especial incidência nas referências do Dão. A experiência pode fazer-se à carta ou em menu de degustação de três, cinco ou oiti pratos, e não é preciso estar hospedado para almoçar ou jantar.

De vez em quando o hotel promove jantares vínicos, workshops de cocktails no bar (onde se encontra uma carta de refeições mais ligeiras) e dinamiza eventos com produtores locais. Um deles encontra-se bem perto, a apenas vinte minutos, e é a Queijaria Artesanal Paulo Rogério, situada em Quinta de Cobrançã. A meio da manhã, Paulo já leva bom avanço na produção do queijo Serra da Estrela DOP graças ao trabalho manual de duas queijeiras no enchimento dos moldes com a coalhada (massa do queijo feita exclusivamente com leite, sal e cardo). Aproveitando o soro excedente, também produz requeijão de ovelha e vende tudo (inclusive compotas e doce de abóbora com requeijão) numa pequena loja aberta ao público.

Lombinho de porco com cuscuz, um dos pratos do restaurante Roots no Aqua Village. (Fotografia de Maria João Gala/GI)

Neto de produtores de leite e filho de queijeiros com atividade desde 1989, herdou o negócio em 2002, ano em que ampliou a queijaria e conseguiu 300 ovelhas. «Fui o primeiro produtor de queijo Serra da Estrela a fabricar todo o ano», refere, «graças aos animais e à localização da queijaria», que está integrada num terreno de 66 hectares com alguma abundância de água e um microclima especial. Infelizmente, o fogo também ali chegou em outubro do ano passado e Paulo conta que até tentou apagar as chamas com leite. Hoje, vê-se a braços com o desafio diário de retomar o normal volume de produção, contando com a ajuda de particulares na recuperação do gado e das instalações.

Não muito longe dali, na pequena aldeia de Bobadela, António Dias e a filha estão também de olhos postos no futuro. Falta pouco tempo para abrirem ao público o Museu do Azeite, capaz de vir a colocar a aldeia de Bobadela no mapa turístico do Centro do país e, quem sabe, do mundo. Produtor de azeite desde 1986, quando António começou a colecionar peças de lagares antigos percebeu que tinha em mãos «verdadeiras peças de arte» e que um dia «tudo isso se ia perder no tempo». «Então comecei a imaginar isto», diz, apontando para o edifício preto e verde escuro que, visto do céu, é um ramo de oliveira com folhas e azeitonas. O projeto de arquitetura foi desenhado pela filha, estudante de turismo na Escola Profissional de Oliveira do Hospital e Tábua e Arganil – e o empresário está confiante de que não existe paralelo em Portugal ou no estrangeiro.

Lá dentro, narra-se a história da produção de azeite (moagem, prensagem e decantação) da época romana – há cerca de dois mil anos – à época moderna, numa abordagem contemporânea marcada por écrãs táteis, vídeos e pontos interativos. Há réplicas monumentais de lagares de diferentes períodos históricos e um curioso (e único) relógio a azeite pertencente à coleção de centenas de peças que António juntou ao longo dos anos. No final da visita, vale a pena ir ao bar do museu ou, ainda melhor, subir ao restaurante Olea (cujo nome alude à espécie de oliveira mais comum em Portugal) para provar o dito néctar dourado de várias maneiras, das entradas à sobremesa, enquanto se observa a omnipresente Serra da Estrela ao longe. Um regalo para os sentidos.

O arco com mil anos marca a centralidade daquilo que foi a cidade romana de Bobadela. (Fotografia de Maria João Gala/GI)


Visitar as ruínas romanas da Bobadela

O arco com mil anos de história marca a centralidade daquilo que foi o fórum romano da «cidade esplendorosa» de Bobadela, património que surge hoje explicado (e valorizado) no Centro de Interpretação das Ruínas Romanas da Bobadela. O museu expõe também objetos encontrados ao longo de 30 anos de escavações arqueológicas e convida a conhecer um singular anfiteatro romano onde aconteciam jogos e lutas. As ruínas são um dos mais importantes e bem preservados conjuntos arquitetónicos do período romano em Portugal. O museu, aberto desde abril, tem entrada gratuita.

 

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