Andar nas nuvens: volta a Portugal em balão

Andar nas nuvens: volta a Portugal em balão

Dos livros de Júlio Verne ao Memorial de Convento, de José Saramago; dos sonhos às séries de animação, os balões de ar quente há muito que fazem parte do nosso imaginário. Não, não demos uma Volta a Portugal, como sugere o título, mas fizemos dois passeios – em Coruche (Ribatejo) e em Fronteira (Alentejo) – no mais antigo, romântico e anacrónico meio de transporte aéreo do mundo. Porquê agora? Porque não há melhor época do ano do que esta para voar.

Passeio em Coruche / Ribatejo

Sejamos justos, Coruche não é propriamente Zanzibar e por muita imaginação que se tenha, o cenário lá em baixo está longe do exotismo vislumbrado pelos personagens de Cinco Semanas em Balão, aquando a sua da travessia por África, ainda assim, o espetáculo é igualmente assinalável. «Quando se faz o batismo de voo é quase indiferente o local. O que as pessoas valorizam mais é a sensação de voar pela primeira vez. Nunca tive ninguém que me dissesse que não gostou, seja em que local for. E a maioria regressa. Temos passageiros que já voaram cinco ou seis vezes». As palavras são de Guido Van Der Velden dos Santos, a quinhentos metros de altitude. É o piloto e responsável pela empresa Windpassenger. A sede fica nesta vila ribatejana, a cerca de uma hora da capital, e é daqui que saem a maioria dos voos.

Nada contra Coruche, bem pelo contrário, aliás, a admiração vai aumentando à velocidade que avançamos no terreno, mas porquê aqui? – perguntam alguns leitores. Perguntámos nós. Porque não em Lisboa ou no Porto, cidades esponja e turísticas por excelência? Guido explica. «Porque é uma das melhores zonas do país para voar. Permite-nos sair quase todos os dias e fazer diferentes tipos do voos, em todos as direções e em total segurança. Além disso está relativamente próxima de Lisboa». Nisto dos balões, já se sabe, as condições meteorológicas e, sobretudo, o vento é quem mais ordena. O balão não tem destino certo, não pode ser guiado, flutua, sobe e desce conforme a perícia do piloto – basta que a velocidade ou a direção não sejam as desejadas para que todos os planos sejam cancelados – por isso só levar junto ao mar não é quando se quer, mas quando se pode. até porque aterrar na água não é uma opção. «Às vezes as pessoas querem voar num determinado sítio, mas nem sempre é possível no dia pretendido. É preciso paciência, mas as pessoas nem sempre têm tempo e paciência».

Mas acontece sair de Lisboa e junto ao mar, é claro que acontece. «Já levantámos várias vezes pela Ponte Vasco da Gama. É fantástico». A pedido são capazes de fazê-lo em quase todo o lado, do Douro aos Açores, pode é ficar mais caro. Se um voo exclusivo, em Coruche, para duas pessoas pode custar 650 euros, no Douro pode subir até aos 1500. «É o custo do transporte, das portagens, do alojamento…», explica Guido. Além disso este não é propriamente um ‘brinquedo’ barato. Se um balão para duas pessoas (mais piloto) pode custar cerca de 25 euros, os maiores (de 32 passageiros) ascendem aos 200 mil. Calma, há passeios mais em conta. Para quem não se importar de viajar em grupo – quanto maior é o balão maior é a estabilidade, sendo que o maior da empresa tem 22 lugares – um voucher anda volta dos 150 euros, sendo que às sextas há voos de baixo custo, por 99 euros. Em Coruche, é claro.

 

Serenidade Total

Já o dissemos, mas nunca é demais repetir: Coruche está longe de ser Zanzibar – se bem que Zanzibar também já esteja a anos-luz do arquipélago narrado nos livros – não se desdenhe, contudo, deste cenário ribatejano. Lá em baixo vê-se a vila, o rio Sorraia, os arrozais, os campos de milho e uma extensa área de montado (a vila intitula-se de Capital Mundial da Cortiça e é o concelho com maior área de montado de sobro), casas com piscina, muitas casas com piscina, mas também a Serra de Montejunto, a Serra da Arrábida, a ponte Vasco da Gama, Lisboa, a minúscula Grande Lisboa.

À medida que se sobe os campos ganham aparência de pedacinhos de amostras de várias cores, as pessoas vão-se transformando em insetos, por outro lado tudo parece ficar mais nítido, sobretudo os os verdes, o ordenamento territorial ou a falta dele. Uma panorâmica e serenidade totais, apenas cortada aqui e ali pela conversa e pelo gás que sai dois queimadores. «Não há nenhuma forma de voar igual ao balão. Algumas pessoas ainda pensam que é radical, perigoso, mas é o oposto. Fica-se completamente zen. É impossível não gostar disto».

Vista aérea da viagem de balão de ar quente em Fronteira. (Fotografia: Leonardo Negrão/GI)

E as famosas vertigens, ou a ausência delas quando se anda de balão? Não, não é mito, se bem que quem tem vertigens tenha tendência para desconfiar, por muito que a verdade seja repetida mil vezes. Podem ficar (mesmo) descansados. Afinal, os pássaros também no têm vertigens, pois não? Como não há qualquer ligação à terra não existe passagem de eletricidade e ligação ao magnetismo da terra, factores que provocam as vertigens». O facto de se voar numa massa de ar implica faz também com que não haja quaisquer turbulências de voo.

Num tempo em que tudo é tecnológico, fugaz, em que o tempo voa, andar de balão continua a ter algo de anacrónico, poético, literário e mais uma série de adjetivos coloridos. Uma espécie de via direta para o regresso à infância, o Santo Grall das gerações atuais. «Tem muito a ver com as séries animadas, os livros do Júlio Verne, acho que as viagens de balão estão no imaginário de quase toda a gente», continua Guido, um entusiasmo menino apesar das quase 3 mil horas de voo. Também ele se apaixonou pelos balões de ar quente em criança. O pai dele voava – como voam quase todos os pais, pelo menos até uma certa idade – com a diferença de que o dele (Carlos Manuel Serra dos Santos) voava mesmo. Foi o fundador da empresa, Guido seguiu-lhe as pisadas. Um dia diz que ainda conseguirá voar de uma ponta à outra do país, de Monção a Tavira, «já fui de Monção a Beja, 435km, sete horas no ar». Se o tempo passa a voar, quero passar os meus dias no ar», conclui, quase uma hora depois, enquanto se prepara para fazer mais aterragem perfeita num campo de milho.

Coruche é uma das zonas com melhor condições atmosféricas para balonismo. (Fotografia: Leonardo Negrão/GI)

 

O que fazer em Coruche

Vamos de Campina
Eis uma bela forma de conhecer Coruche. Chamam-se se Campinas – nome tão espirituoso quanto certeiro – e estão estacionadas em vários pontos da vila. Podem ser ativadas através de uma app. Ou à antiga, pedindo um cartão no Posto de Turismo. Para utilizadores temporários, a primeira meia hora é grátis, depois custa dois euros por hora. E o melhor mesmo é reservar uma ou duas para passear junto ao rio Sorraia, com margens recheadas de campos de milho, cegonhas e arrozais. Uma imagem um pouco kitsch, mas é sabido que em viajem os preconceitos não ajudam a pedalar. Também há bicicletas elétricas o que, isso sim, dá uma grande ajuda. Web: campinas.bike.cm-coruche.pt

As Campinas. (Fotografia: Leonardo Negrão/GI)

 

Passeio em Fronteira / Alentejo

O que se disse para Coruche é válido para o Alentejo. Fronteira. Esta é também uma das melhores zonas do país para voar. E Aníbal Soares um dos melhores e mais experimentados pilotos da praça. Ainda faltam alguns minutos para as sete da manhã, o dia ainda não despertou por completo – ter que acordar cedo, bem cedo, é uma das forças e fraquezas dos passeios de balão de ar quente – mas Aníbal não se queixa, bem pelo contrário. Nem tal coisa se espera de um militar de carreira, sargento-chefe, paraquedista durante 30 anos. Fez o primeiro voo em 1992. «Um dia fizeram um voo de demonstração e achei piada. Comecei a ficar com ideias. Confesso que tinha algumas dúvidas – vou agora passar dos paraquedas para os balões? – mas lá acabei por comprar um pequeno balão para quando passasse à reserva. Sempre era melhor do que ficar na tasca a beber copos», atira.

Em 1994 criou a Publibalão, em 2007 o Clube de Balonismo. Também dá formação. Qualquer pessoa pode fazê-lo. Enquanto fala vê-se uma lebre a correr. Há bois, galinhas, ovelhas. “É o nosso safari alentejano. Se fossemos para li víamos javalis”. “Nenhum voo é igual, Isto, no fundo, é uma varanda em que eu posso ver a 400 metros, 1000 metros ou muito mais, permite-nos ver a configuração, o ordenamento do território. Dá-nos uma calma, uma paz, uma liberdade”. O discurso repete-se. “Quando estou aqui sinto que isto é um escritório fabuloso”. Ele que já voou a 5 mil metros de altitude, que de vez em quando salta do balão, prefere voar baixinho. “Gosto de voos rasantes. Consegue-se voar a um palmo da copa das árvores”. “É tudo feito por antecipação. No carro rodamos o volante quando estamos na curva. Aqui é um bocadinho antes”. Voa, sobretudo, no Alentejo – “agora há muitas gente que pede para voar no Alqueva, é muito, muito bonito – mas um pouco por todo o país. No Fundão, por exemplo, é fantástico na altura das cerejeiras em flor, na Primavera”.

Aníbal Soares é dono da Publibalão. (Fotografia: Leonardo Negrão/GI)

Isto é uma oportunidade fantástica de conhecer pessoas. Fazem-se amigos, servimos de guias. As pessoas querem saber onde comer, o que fazer, por mais que já tragam algumas ideias, dos guias, não há como remendasses das pessoas da terra, o restaurante Segredos de Alecrim, em Fronteira, “talvez o melhor restaurante da zona”, ou o “Tintos e Petiscos, em Monforte”. Também vale a pena passar pela loja Monte da Colónia. Produzem vinho e azeite há 40 anos. Têm loja. “Os estrangeiros adoram isto. Levam litros e litros de azeite”. Depois da aterragem, o brinde, o champanhe, apesar de o relógio marcar apenas 8 da manhã. “É uma tradição desde o primeiro voo. A primeira viagem aeronáutica confirmada cabe aos irmãos franceses Jacques e Joseph Montgolfier, em 21 de novembro de 1783. Colocar um pouco de história e fazer isso nos destaques, Rezam as crónicas que beberam champanhe para celebrar. Se é literatura ou não não se sabe. São 8 da manhã e a sensação de que o dia podia acabar, que teria valido a pena, mas ao mesmo tempo uma vontade enorme para aproveitá-lo. Sim. Foi Bartolomeu de Gusmão, padre e naturalista nascido em Santos, quem demonstrou, oficialmente e pela primeira vez, o funcionamento do balão. Após anos de pesquisa e desenvolvimento, Bartolomeu apresentou a criação para o rei João V e a corte portuguesa. No dia 8 de agosto de 1709, em Lisboa, ele colocou um pequeno balão a 4,5m de altura do solo.

A vista aérea da viagem de balão de ar quente em Fronteira. (Fotografia: Leonardo Negrão/GI)

No dia 8 de agosto de 1709, o padre luso-brasileiro Bartolomeu de Gusmão efetuou, em Lisboa, a primeira experiência prática documentada daquilo que viria a ser o balonismo mundial. Duzentos e noventa e sete anos depois, a escola de pilotagem ANAC (Associação Nacional de Aviação Clássica e Experimental) vai realizar uma homenagem pública àquele que é considerado o precursor mundial do balonismo. A homenagem vai decorrer em Lisboa e consiste numa sessão solene na autarquia lisboeta e num voo de balão a partir da Praça do Comércio.

 

O que fazer em Fronteira

Off Road Holidays
E o que o fazer no Alto Alentejo depois de andar de balão? Um passeio de buggy. E não, não é preciso ser um maluquinho dos automóveis nem um às do volante. Convém apenas não haver receio de sujar a roupa e comer algum pó. A empresa Off Road Holidays tem várias possibilidades à disposição, entre eles passeios de uma hora – Dusty é o nome – pela serra de Montargil, com direito a vista e passagem junto à barragem. O guia e um dos donos da empresa é Pedro Fouto, alentejano de gema, monitor de equitação de formação que, depois de vários anos a costumizar Harleuys em Lisboa, voltou para a terra natal. Também ajuda Aníbal Soares, da Publibalão, nos seus passeios. Estamos em boas mãos, portanto.

Uma viagem todo-o-terreno com a Off Road Hollidays. (Fotografia: Leonardo Negrão/GI)

 

Onde dormir perto de Fronteira

Uma herdade alentejana, com alma do norte
Toda a gente sonha com o seu cantinho de paraíso no Alentejo – nem toda, nem toda, que há muitos outras regiões encantadores no país – mas poucos o conseguem. E dos poucos que conseguem menos ainda têm a sensibilidade e o bom gosto abrir um turismo rural como esta Herdade da Rocha, localizada no Crato, próximo da serra de S. Mamede. Oito quatros (quatro com vista para a piscina e quatro para a vinha) com charme e conforto quanto baste.

A Herdade da Rocha (Fotografia: Leonardo Negrão/GI)

Simplificando: não é um sítio para ricos. Basta ver os preços, que começam nos 75 euros por quarto. Um alojamento para quem quiser descansar (o silêncio é total), andar de bicicleta (há bicicletas grátis) e de comer. Têm um restaurante, apenas para hóspedes, a cargo do chef Mendes, homem do norte, homem de sete instrumentos e mil e uma histórias que agora se agarrou aos pratos. Queijo no forno com orégão, bolinhas de alheira, polvo ou secretos de porto perto são alguns deles. Tudo acompanhado por bom vinho da casa, Couto Saramago ou Herdade da Rocha. Foi por aqui que tudo começou.

Polvo assado no forno com batatas a murro e legumes, no restaurante da Herdade da Rocha, no Crato. (Fotografia: Leonardo Negrão/GI)

A família Rocha, portuense, dona da empresa de mobiliário Antrarte, era uma daquelas que tinha o tal sonho de encontrar o seu cantinho no Alentejo. Encontrou, em 2006. 56 hectares. Trataram de plantar 10 hectares de vinha, em 2012 fizeram a primeira colheita e, pelo meio, construíram a casa para a família, que passava grande parte do ano desocupada. A mesma que resolveram abrir ao publico, há cerca de um ano. A adega foi acabada de inaugurar e vão começar também a fazer provas e visitas. É verdade…. também têm um campo de golfe com quatro buracos.

 

1, 2,3… festivais de balonismo

É possível voar de balão durante todo o ano, mas o Outono é a época ideal, sendo possível fazer dois passeios por dia, de manhã e ao final da tarde. Não é por acaso que estão a chegar uma série de festivais de Balonismo. O primeiro tem lugar de 24 a 28 de Outubro, no sul do país: Rubis Gás Up. É organizado pela Windpassanger e levará aos céus de Faro, Albufeira, Lagos Portimão e Alvor muitos balões e pilotos estrangeiros. Da parte da manhã os voos livres estão destinados a sponsors e media e da parte da tarde ao público em geral, sendo que cada voo tem o valor de 189€ por pessoa. Devem ser adquirido junto da empresa sendo que os locais de saída dos voos da tarde serão anunciados na véspera na página de facebook do evento.

A mesma empresa organiza também o II Festival Internacional de Balonismo Coruche 2018, de 31 Outubro a a 4 de Novembro de 2018, levando até ao Ribatejo entre 30 a 50 equipas de balonismo. Um dia depois começa o 22º Festival Internacional de Balões de Ar Quente, que decorre no Alentejo entre 5 a 11 de Novembro lugar em Alter do Chão, Fronteira, Monforte e Ponte de Sor. É organizado pela Publibalão. Em qualquer um dos festivais, os visitantes poderão subir e descer num dos três balões estáticos.


 

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