Alentejo: boas surpresas em redor de Marvão

No Alto Alentejo, mora uma serra vizinha de Espanha com quatro castelos de origem medieval. A natureza é ali a soberana que espalha o seu verde em todos os sentidos. Entre Marvão e o distrito de Portalegre traçámos um percurso em que não faltaram os montes nem os castelos, ou as boas hospitalidade e cozinha alentejanas.

De Marvão vê-se a terra toda. Compreende-se que neste lugar, do alto da torre da menagem do castelo de Marvão, o viajante murmure com respeito: ‘Que grande é o mundo!’.» A confidência feita por José Saramago durante a sua Viagem a Portugal no início da década de 1980 lê-se na contracapa de um dos muitos livros sobre Marvão, pousados na estante da guesthouse Trainspot. Compreende-se Saramago quando se sobe à primeira muralha do castelo medieval, já com o sol a baixar.

Dali não há dúvidas: a serra de São Mamede parece não ter fim, com o seu verde a espalhar-se em todas as direções. Se em tempos a muralha albergou toda a população, hoje as casas brancas e pitorescas da vila são habitadas por pouco mais de cem pessoas. Por isso, Marvão não se esgota no cimo deste monte. Na desativada estação ferroviária da Beirã, nasceu; uma guesthouse cheia de história.

Neste edifício secular, esconderam-se judeus e hospedaram- se passageiros que esperavam pela abertura da fronteira para chegar a Espanha. Esteve fechado durante décadas, até Lina Paz trocar a capital pela terra dos pais e dos avós para criar os filhos. Com o marido, Eduardo, recuperou o antigo refeitório da estação de comboios e transformou-o na Trainspot. «Aqui pedem-se quartos para a linha do comboio», diz Lina, enquanto mostra os cantos à casa. A ausência de televisões nos sete quartos, nos dois apartamentos e na sala de estar é recompensada pelos livros e jogos de tabuleiro, colocados em frente à antiga lareira.

E ainda pelo silêncio, o som dos pássaros e o sossego. O resto da estada fica a critério do hóspede. Na primavera, há ervas aromáticas num canteiro e no verão há quem já tenha improvisado uma mesa de refeições em cima dos ferros da linha. Por sua vez, Lina organiza workshops de rancho folclórico, de queijo com leite de cabra e ainda de pão caseiro em forno de lenha.

Para os que não dispensam uma boa atividade, há um exercício «dois em um» a dez minutos de carro: conhecer a serra em cima de um cavalo com os Caballos de Marvão.

A quinta pertence a uma família de espanhóis, apaixonada pela vida equestre. Mudaram-se de Olivença para Marvão quando o patriarca, hoje médico de muitos marvanenses, decidiu prosseguir a atividade deste lado da fronteira.

 

Os passeios ficam à responsabilidade da mulher da filha, Sara. Para além dos percursos pela serra, a empresa organiza passeios com carroça, ao luar, e ainda tem um programa de quinta pedagógica, em que as crianças alimentam os animais da quinta e aprendem a selar um cavalo. À boa maneira espanhola, não se sai daqui sem antes provar umas tapas. A pouco mais de um quilómetro, ficam as ruínas de uma antiga cidade romana – a Ammaia – e ainda uma praia urbana junto ao rio Sever, na Portagem.

Nos dias quentes, a esplanada, de 400 lugares do restaurante que leva o nome do rio, enche. O Sever surgiu há 48 anos, pela mão do pai de Julieta Garraio, que agora gere o negócio com o marido, bem como o hotel ao lado, que entretanto criaram. Nos pratos, não faltam os produtos da região, como o azeite de azeitona galega e as castanhas de Marvão, assim como os vinhos. A noite só termina com um minirrodízio de doces conventuais e sobremesas do Sever, como o pudim de castanha, a sericaia e a encharcada de nozes.

Neste Alto Alentejo, a manhã seguinte começa tal como terminou. Atravessando a serra durante mais de 20 quilómetros chega-se ao distrito de Portalegre, onde fica também o pico mais alto do Parque Natural de São Mamede.

E antes de entrarmos num determinado armazém na zona industrial, já o ar cheirava a doce. Lá dentro, as trabalhadoras vão pincelando com borras de vinho um tabuleiro que, depois de sair do forno, irá dar origem às bolachas de vinho do Porto dos Sabores de Santa Clara. A empresa foi criada pelo engenheiro zootécnico Daniel Romão e começou com os famosos rebuçados de ovo, como eram feitos pelas freiras do Convento de Santa Clara (atual Biblioteca Municipal).

Ao longo dos anos, a receita foi passando de mão em mão, pelo que não foi fácil descobri-la. Desvendado o segredo, Daniel aplicou a técnica artesanal a uma escala maior, mas sem industrializar a produção. Aos rebuçados, juntaram-se xaropes naturais (que servem de base aos refrescos dos quiosques de Lisboa), frutos secos caramelizados, bolachas e licores de sabores como castanha assada, maçã brava e ginjinha de Marvão. A paragem que se segue está também cravada na história da cidade.

No primeiro andar da Manufatura de Tapeçaria de Portalegre, as tecedeiras preparam-se para continuar uma tapeçaria de Joana Vasconcelos. No andar de baixo, Vera Fino, filha de um dos fundadores, mostra-nos algumas das obras de arte de tapeçaria mural decorativa, que ascendem aos milhares de euros e podem levar um ano a ser feitas.

A manufatura foi o legado deixado pelo seu pai, Guy Fino, e por Manuel Celestino Peixeiro, os homens que revolucionaram a indústria têxtil ao aplicar a técnica de ponto inventada pelo pai de Celestino Peixeiro.O segredo permanece até hoje com as tecedeiras da casa, que vão formando novas aprendizes. Já as peças de tapeçaria mural decorativa estão espalhadas por todo o mundo – há uma no Conselho Europeu, por exemplo – e chegam mesmo a ser confundidas com as obras de arte que reproduzem de nomes tão sonantes como Almada Negreiros, Arthur Boyd, Júlio Pomar e Graça Morais. E serão candidatas em 2017 a Património Mundial da UNESCO.

Ali ao lado, está a também histórica fábrica de cortiça Robinson que, embora encerrada em 2009, se mantém visitável. As suas chaminés de tijolo são marca da tradição industrial de Portalegre e encerram perfeitamente o postal da cidade, ao longe, para os que se atrevem a subir a um dos miradouros. Deste ponto alto, ao lado da Igreja de Nossa Senhora da Pena, a Fábrica Robinson, o Castelo de Portalegre e a Sé destacam-se da restante cidade, rodeada pelos seus montes verdes.

Por aqui também passa ocasionalmente o pastor João Bernardo com o seu rebanho. Não é de estranhar. Afinal, nesta serra alentejana o rebuliço urbano convive calmamente com o verde dos montes.

 

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